Nova portaria para reconhecimento pessoal em SP dá brecha para irregularidades

Portaria se inspira no CNJ, mas permite justificativas para procedimentos que fujam ao determinado pelo artigo 226 do Código de Processo Penal

Portaria que trata de reconhecimento pessoal foi publicada em Diário Oficial na terça-feira (31/10) | Ilustração: Antônio Junião

Uma portaria publicada pela Delegacia Geral de São Paulo regulamenta o reconhecimento pessoal nas delegacias do estado. O texto se soma ao que é recomendado por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aprovada em dezembro de  2022. As medidas, no entanto, seguem dando brecha para que a realização irregular do procedimento seja passível de justificativa. 

Publicada na terça-feira (31/10) no Diário Oficial, a portaria DPG-26 trata da consolidação das normas de serviço da Polícia Civil (veja íntegra a seguir). Com uma seção dedicada inteiramente ao reconhecimento, são elencados parâmetros que devem ser seguidos para realização do procedimento. 

O texto, contudo, torna discricionária a realização correta ou não do procedimento, segundo analisa o professor de Criminologia da Universidade de São Paulo (USP), Maurício Stegemann Dieter. “Ele torna um ato discricionário e não diz que justificativa é admissível para não fazer [o procedimento]”, diz. 

Logo no primeiro artigo sobre o tema, o texto diz que, “diante de impossibilidade justificada”, o reconhecimento pessoal pode ser substituído por apresentação de fotos. O problema, argumenta o professor, está em não deixar claro quais são as justificativas razoáveis para isso. 

Dieter reconhece que há situações em que pode de fato haver impossibilidade de realização do reconhecimento pessoal, como no caso de cidades com população pequena. Contudo, sem critérios claros, há espaço para justificativas pouco adequadas.

“Entendo que eles tenham deixado essa brecha conhecendo a realidade de muitas delegacias e prisões, mas é uma porta aberta para descumprir o critério mais rigoroso de reconhecimento”, avalia. 

As diretrizes recém-apresentadas têm, no geral, alinhamento com o que foi posto pelo CNJ no último ano. Resultado de estudo de um grupo de trabalho formado pelo próprio Conselho, a diretriz consolidou uma posição adotada desde 2020 por cortes como Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que busca que o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP), seja seguido em sua plenitude. 

“O 226 não é uma recomendação, é uma regra. Se não seguir o 226, vai ter que justificar o porquê de estar fazendo um procedimento fora da lei”, afirma Dieter. 

Apesar da brecha, a portaria da Polícia Civil de São Paulo tem pontos que agregam para evitar falhas no procedimento de reconhecimento pessoal.

Por exemplo, no artigo 141 são descritas as etapas componentes do procedimento como entrevista prévia com a vítima ou testemunha; fortalecimento das instruções sobre o procedimento, alinhamento de pessoas ou fotografias, registro da resposta e do grau de convencimento.

Também é necessário indicar para a vítima ou testemunha que a pessoa a ser reconhecida pode ou não estar presente entre os indicados e que a investigação seguirá mesmo que o procedimento não seja exitoso. 

A portaria ainda indica que, se possível, seja adotado o duplo-cego no procedimento. Assim, nem o policial que conduz o procedimento, nem a vítima ou testemunha sabem quem das pessoas apresentadas é a suspeita. Não há obrigatoriedade para aplicação desse método, mas sim uma recomendação. 

Veja pontos de destaque:

  • O reconhecimento de pessoas, por sua natureza, consiste em prova irrepetível, realizada uma única vez, consideradas as necessidades da investigação policial e da instrução processual, bem como os direitos e garantias da pessoa investigada.
  • Na realização do alinhamento, a autoridade zelará pela higidez do procedimento nos moldes deste artigo, evitando a apresentação isolada da pessoa, de sua fotografia ou imagem, ou, ainda, de modo sugestivo, assim entendido como um conjunto de fotografias ou imagens que se refiram somente a pessoas investigadas ou processadas, integrantes de álbuns de suspeitos, extraídas de redes sociais ou qualquer outro meio.
  • O ato de reconhecimento será reduzido a termo de modo pormenorizado e, na hipótese de realização por fotografias, constando informações sobre a respectiva fonte das imagens, para juntada aos autos do inquérito policial e, se houver equipamento adequado disponível, em conjunto com gravação audiovisual.
  • O reconhecimento de pessoas, por sua natureza, consiste em prova irrepetível, realizada uma única vez, consideradas as necessidades da investigação policial e da instrução processual, bem como os direitos e garantias da pessoa investigada.

Em nota, a SSP escreveu que a portaria tem por objetivo aprimorar a execução dos serviços policiais e coleta eficiente de provas.

“A portaria em questão tem como objetivo aprimorar a execução dos serviços policiais e tornar a coleta de provas mais eficiente na primeira etapa da investigação. O documento foi elaborado com base nos artigos 226. 227 e 228 do Código de Processo Penal, com auxílio de autoridades policiais especializadas na área, sendo respeitadas, inclusive, as novas diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, estabelecidas para o âmbito do Poder Judiciário”, informou a SSP.

Reconhecimento por foto 

No Rio de Janeiro, a lei 10.141 proibiu que uma pessoa suspeita de crime posse ser presa se a única prova for um reconhecimento fotográfico. Sancionada em outubro por Cláudio Castro (PL), a legislação diz que os pedidos de prisão feitos por delegados deverão ter “indícios de autoria e materialidade e não apenas com reconhecimento por fotos como suporte”. 

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Para isso, a autoridade policial deve cruzar outros elementos como, por exemplo, dados telefônicos, registro de trabalho da pessoa para ser comparada com o dia e local do crime e o registro do grau de convencimento da vítima ou testemunha quando realizou o procedimento. 

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