Solicitação foi feita à Corregedoria da PM-SP. “Fizemos isso para que eles não influenciem nas investigações e para a própria família se sentir mais segura”, explica coordenador da entidade
Por Alê Alves,
especial para a Ponte
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitou, na quarta-feira (04/05), o afastamento de Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo, os três policiais militares acusados de espancar Luana Barbosa dos Reis na noite de 8 de abril, no bairro Jardim Paiva II, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Cinco dias após permanecer internada, Luana morreu em decorrência de uma isquemia cerebral e traumatismo cranio-encefálico.
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Segundo o coordenador da Comissão do Negro e Assuntos Antidiscriminatórios da OAB, Eduardo Martins, o pedido feito na Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo se baseia em decreto estadual que autoriza o afastamento de policiais e sua destinação a outras atividades até o fim das investigações. “Fizemos isso para haver maior isenção nas investigações. Para que eles não influenciem nas investigações e para a própria família se sentir mais segura”, afirma.
Segundo Martins, foram abertos três inquéritos para apurar a morte de Luana Barbosa dos Reis – um no 3º Distrito Policial da Polícia Civil, um na Corregedoria da Polícia Militar e outro no Ministério Público de Ribeirão Preto.
Laudo médico indica “espancamento”
Segundo exame necroscópico emitido pelo Instituto Médico Legal (IML) de Ribeirão Preto, a morte de Luana foi provocada por “traumatismo crânio-encefálico com isquemia cerebral provocada por dissecção de artéria vertebral à esquerda secundária a espancamento, conforme resultado de angiografia [exame neurorradiológico realizado para avaliar a circulação sanguínea intracraniana].”
O exame de corpo delito realizado na véspera da morte no Hospital das Clínicas, onde Luana permaneceu internada, indica que houve “ofensa à integridade corporal” do corpo e que o traumatismo foi causado por “agente contundente”, ou seja, instrumentos de saliência não aguda e de superfície dura que se chocam com violência contra o corpo humano. Tal descrição vai ao encontro às acusações feitas por familiares de que Luana foi agredida por cassetetes e pelo capacete que usava quando foi abordada pelos policiais.
A família nega que Luana fosse lutadora de lutas marciais e usasse anabolizantes. “Ela nunca lutou nem tomava anabolizante. Ela jogava futebol com as amigas aqui, foi o único esporte que ela fez”, afirma Roseli, irmã de Luana. Ao sair da delegacia, onde foi registrado Termo Circunstanciado contra Luana por “lesão corporal” e desacato à autoridade, ela “não conseguia ficar em pé, parecia um corpo de alguém que não tinha ossos, não conseguia ficar reta” e estava “com a fala enrolada”, diz Roseli.
ONU pede investigações
Também na quarta, a ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH) pediram uma “investigação imparcial e com perspectiva de gênero e raça” sobre a morte de Luana. No texto, a Organização das Nações Unidas afirma que houve “fortes indícios das práticas de sexismo, racismo e lesbofobia” nos acontecimentos que causaram seu falecimento.
Assinado por Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, e Amerigo Incalcaterra, representante do ACNUDH na América do Sul, o texto também afirma serem “inaceitáveis quaisquer alegações para justificar as violências que vitimaram fatalmente Luana, as quais evidenciam a conivência e/ou a impunidade com agressores quer sejam agentes públicos ou indivíduos particulares.”
Leia abaixo a nota publicada pela ONU:
“A ONU Mulheres Brasil e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) solicitam ao poder público brasileiro a investigação imparcial e com perspectiva de gênero e raça, na elucidação das violências cometidas contra Luana Reis, morta após espancamentos supostamente perpetrados pela Polícia Militar, no início do mês de abril de 2016, na cidade de Ribeirão Preto (SP).
De acordo com o relato da própria vítima, antes do seu trágico falecimento, e de seus familiares, há fortes indícios das práticas de sexismo, racismo e lesbofobia nos acontecimentos que levaram à sua morte, em uma perversa violação de direitos que segue na contramão das garantias individuais e coletivas conquistadas pelas mulheres no Brasil e no mundo.
O ACNUDH e a ONU Mulheres enfatizam que o uso excessivo da força, bem como qualquer tipo de discriminação – seja por gênero, raça, etnia, orientação sexual ou de outra natureza –, são inadmissíveis no exercício da função policial e devem ser erradicados das forças de ordem do Brasil. A Polícia Militar de São Paulo deve garantir que procedimentos violentos não sejam tolerados na instituição e assegurar um treinamento adequado de seus agentes, inclusive em matéria de direitos humanos.
A morte de Luana é um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil. Segundo a Relatora Especial da ONU sobre questões de minorias, o número de afrodescendentes mortos em ações policiais é três vezes maior do registrado entre a população branca no estado de São Paulo.
A situação das mulheres afrodescendentes nesse contexto é de ainda maior vulnerabilidade. O Mapa da Violência (2015) revela a seletividade da violência, demonstrando que entre 2003 e 2013 as mortes violentas de mulheres negras aumentaram 54%, enquanto houve uma redução de 9,2% entre a população feminina branca.
São inaceitáveis quaisquer alegações para justificar as violências que vitimaram fatalmente Luana, as quais evidenciam a conivência e/ou a impunidade com agressores quer sejam agentes públicos ou indivíduos particulares. A responsabilização é condição primeira para a justiça e para a reparação às vítimas das violências de gênero, para a proteção de familiares em busca de direitos e para a construção de uma sociedade plural e equitativa.
Nesse sentido, a ONU Mulheres e o ACNUDH instam a aplicação das Diretrizes Nacionais sobre Feminicídio para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres, formuladas por ambas as instituições, em esforço integrado com o governo brasileiro, por meio do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos e do Ministério da Justiça.
As recomendações constantes do documento chamam a atenção para o fato de que as circunstâncias individuais, institucionais e estruturais devem ser levadas em consideração como elementos para entender o crime e, por conseguinte, para responder adequadamente às mortes violentas de mulheres pelo fato de serem mulheres, fazendo, pois, incidir a Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015), que é um crime cometido em razão de menosprezo e discriminação à condição de mulher.
A ONU Mulheres e o ACNUDH fazem em conjunto este alerta público contra a misoginia dirigida às mulheres brasileiras, agravadas pelo fato de serem negras, indígenas, lésbicas, trans, pobres, rurais, jovens e/ou idosas e pedem à sociedade brasileira que se mantenha defensora implacável dos direitos das mulheres e que se posicione, de maneira obstinada e sistemática, contra todas as formas de violência contra todas as mulheres.
Por fim, solidarizam-se com os familiares e amigos de Luana e oferecem-lhes suas sinceras condolências por sua trágica morte.”