Para Ouvidoria, montagens com imagem da policial que recusou a ajudar jovem negro perseguido sob a mira de arma de policial civil de SP é “violência psíquica e emocional”
A Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo divulgou uma nota, na última sexta-feira (17/11), repudiando a série de memes criados a partir da omissão da soldado da Polícia Militar Tamires Borges Coutinho Siqueira, e sugere que as imagens, classificadas como “violência psíquica e emocional”, sejam proibidas de circular em grupos do WhatsApp de policiais.
A soldado Tamires virou alvo de memes após recusar ajuda a um jovem negro que estava sendo perseguido sob a mira da arma de um policial civil, no dia 12 de novembro, próximo à estação Carandiru do Metrô, na zona norte da cidade de São Paulo, alegando estar de folga, apesar de estar fardada. As imagens foram divulgadas pela Ponte na última segunda-feira (13/11).
Na ocasião, a soldado chegou a chutar o jovem que estava sendo perseguido pelo homem armado, que posteriormente foi identificado como investigador da Polícia Civil Paulo Hyun Bae Kim, e sugeriu “ligar para o 190”. Especialistas ouvidos pela Ponte avaliam que a PM cometeu crime de prevaricação e está passível de demissão.
A nota assinada pelo ouvidor da Polícia, professor Cláudio Silva, diz que as imagens com tons de humor expondo a soldado “tem ganhado ampla circulação em grupos de policial em redes como WhatsApp, causando sofrimento psíquico à referida policial, enquanto seu comportamento encontra-se ainda em processo de instrução pelos canais correcionais competentes”.
Em um dos memes, a imagem de Tamires parada de braços cruzados enquanto o jovem negro pedia sua ajuda foi incluída em uma foto de uma praia cheia, com a seguinte legenda: “encontre a pessoa que está de folga”. Para Ouvidoria, esse tipo de conteúdo está “eivado de preconceitos e misoginia” e “tendem a crescer e causar prejuízos irreparáveis, sobretudo às mulheres”.
Com base nessa avaliação e sob a justificativa de atender à saúde mental das forças policiais, a Ouvidoria “oficiou a Polícia Militar sugerindo que seja produzida normativa no âmbito do Comando Geral da PM proibindo a disseminação de conteúdos depreciativos, jocosos ou que firam o moral de indivíduos, sejam policiais ou civis, em grupos nos quais façam parte policiais militares”.
A ativista Maria Cristina Quirino, mãe de um dos mortos no Massacre de Paraisópolis, em 2019, acredita que a postura da Ouvidoria contribui para que a omissão da PM fique em segundo plano. “Proibir memes ou comentários sobre um caso como esse é para que abusos como esse sequer sejam falados”, afirma. “A policial que se nega a prestar sua obrigação de defender o jovem ameaçado revela o racismo em si.”
Quirino lembra ainda que “policiais de folga até matam com o argumento de estarem exercendo seu papel, nesse caso vimos que há contrariedade”.
Para Benedito Mariano, sociólogo e ex-ouvidor de Polícia de São Paulo, os memes com caráter misógino precisam ser apurados, mas ressalta a gravidade da ação que precedeu às imagens de humor compartilhadas. “A omissão da soldado é grave, assim como é mais grave ainda a ação irresponsável de uma pessoa com arma em punho ameaçando o jovem”, conta.
O ex-ouvidor e atual secretário de Segurança de Diadema, na Grande São Paulo, entende, portanto, que “a Ouvidoria deve instaurar três procedimentos: um contra o policial civil que ameaçou o jovem, outro por omissão da soldado e o terceiro por misoginia”.
Já o advogado Júlio César Fernandes Neves, que também é ex-ouvidor da Polícia de São Paulo, acredita que “a Ouvidoria tem atribuições diferentes desta que está propondo nesse momento”. Ele ressalta que a conduta omissa da policia que precisa ser levada à Corregedoria, “além de que não está prevista na constituição do Estado de São Paulo tal iniciativa [de proibir memes]”.
O advogado Elizeu Soares Lopes, antecessor do atual ouvidor, disse estar de acordo com a manifestação da Ouvidoria a favor da policial militar. “A nota do atual ouvidor está correta, contempla a preocupação com a saúde mental dos policiais. Não teria nada a acrescentar”, disse.
A Ponte solicitou uma entrevista com a PM e o policial civil envolvidos nessa ocorrência, mas teve o pedido rejeitado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Segundo a pasta, a policial está afastada de suas atividades enquanto o caso é investigado por meio de Inquérito Policial Militar.