Padre é ameaçado após debate de jovens com cristãs feministas

    Pároco de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, Ticão recebeu ameaças pelas redes sociais e por telefonemas; grupos protestaram contra e a seu favor

    Fiéis apoiadores do padre Ticão deram um ‘abraço’ coletivo na igreja para demonstrar solidariedade | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Na quinta-feira (1/8), o padre Antonio Luiz Marchioni, mais conhecido como Ticão, levou à Paróquia São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, bairro na zona leste de São Paulo, um grupo de jovens cristãs feministas para debater na 36ª Semana da Juventude. O encontro, baseado na pluralidade de ideias, fez com que um grupo de religiosos conservadores repudiasse a ação. Mais do que isso: gerou ameaças e calúnias contra Ticão e os jovens.

    Na reunião, o padre levou representantes das Católicas pelo Direito de Decidir, grupo de cristãs progressistas, que trataram, entre outros temas, sobre feminismo e aborto. Ticão é conhecido na região pela luta por direitos sociais, como a busca por moradias travada na década de 1980 e, atualmente, comanda um encontro semanal que debate o uso medicinal da maconha.

    Os fieis que apoiam o padre sustentam que o debate recente se somou às outras ações e culminou em uma reação baseada no ódio vinda de um pequeno grupo, como descrevem. Logo em seguida à reunião com os jovens e as cristãs feministas, Ticão passou a receber mensagens ofensivas e telefonemas anônimos na paróquia. Mensagens encaminhadas pelo WhatsApp cobrava uma reação de cristãos que repudiavam o que consideravam como um ato “pró-aborto”, mesmo fiéis apontando que o padre é declaradamente contra o ato.

    Uma das ameaças veio pelo Facebook, escrita pelo usuário Matheus L. Rocha. “No próximo eventos [sic] vocês não terão paz. A porrada vai comer solta”, comentou. Já Jéssica Ongaratto Lampert Bitencourt Cseminski disse que a reunião “não é catolicismo. Aguardamos os próximos capítulos (serem denunciados)”, publicou.

    Páginas do Facebook incentivaram que seus seguidores demonstrassem claramente repúdio ao encontro, como o grupo Salve Roma, conforme publicado pela Folha de S. Paulo. “A Paróquia de São Francisco de Assis promove evento onde feministas defenderam a legalização do aborto, contrariando o Magistério da Igreja e o Papa Francisco. O evento mostrou que os organizadores são hereges públicos e devem ser afastados pela Diocese de São Miguel Paulista por ‘alta grave. Um grupo de católicos, bravamente, defendeu a integridade da fé e o Magistério da Santa Igreja contra os rebeldes e desobedientes da paróquia”, escreveu a página.

    Pedro Marqz, um dos jovens que esteve no encontro, discutiu com a palestrante Tabata Tesser e declarou que “se o mundo for contra a igreja, eu serei contra o mundo”. Ele é uma das pessoas que puxou o ato contra o debate promovido pelo padre Ticão. No dia 8 de agosto, ele escreveu em seu Facebook mensagem dizendo que “o feminismo é igual o tomate na pizza. Todo mundo sabe que existe, mas ninguém gosta” e, anteriormente, pediu orações por estar “sofrendo perseguições de todos os lados apenas por defender” a sua fé.

    Ticão atua na região de Ermelino Matarazzo desde a década de 1970 | Foto: Reprodução/Facebook

    Em publicação escrita na noite deste sábado (10/8), Pedro explicou que “nunca pregamos mentiras, difamações ou até mesmo o ódio. Apenas defendemos a nossa fé cristã-católica. Apenas defendemos aquilo que a Santa Igreja já se posicionou e decretou. Apenas tentamos assegurar que aqueles que se dizem católicos, realmente professão [sic] a fé católica e seguem aquilo que a Santa Igreja diz”, publicou, se referindo ao ato feito por 20 pessoas.

    O padre Ticão resolveu, então, denunciar as mensagens ofensivas e telefonemas anônimos que tem recebido com ao menos quatro B.O.s (Boletins de Ocorrência) no 62º DP (Distrito Policial), que está responsável pelas investigações. As ocorrências tratam de ameaça, injúria, difamação e falsidade ideológica, conforme explica à Ponte o advogado Eduardo Fonseca, que atua junto do padre.

    “Um inquérito policial já foi solicitado para apuração do fatos praticados contra o Ticão e outros representantes da Igreja. A discordância faz parte da Democracia, mas não se pode tolerar a prática de ofensas, ameaças e tentativa de intimidação. Os fatos são graves e o Estado dará a justa resposta”, afirmou o defensor na tarde deste sábado, durante um ato em frente à paróquia.

    Representante da FDEM (Frente Democrática de Ermelino Matarazzo), o cientista social Thiago Costa defendeu o pároco. ” Padre, assim como outras lideranças da comunidade, foi alvo de inúmeras ofensas e tentativa de intimidação. O fato é que o bairro de Ermelino, especialmente a FDEM, não vai tolerar nenhum ato criminoso em face da liberdade.
    O bairro está com o Padre”, diz.

    Protestos na paróquia

    Cerca de 300 pessoas estiveram na São Francisco de Assis neste sábado, parte para criticar as ações do padre e outra para declarar apoio e prestar solidariedades. Aproximadamente 20 pessoas apoiavam a ala mais radical e que criticava os atos de Ticão. Para eles, os debates vão contra o que prega o cristianismo. O grupo puxou um ato na frente da paróquia, mas outra reunião os impediu de ter coro: o de apoiadores de Ticão.

    Eram aproximadamente 250 pessoas que foram à paróquia puxadas pelos avisos dos conservadores. No entanto, não para apoiá-los, mas para prestar solidariedade ao líder religiosos local. Eles consideram que as iniciativas de Ticão, atuante há 40 anos em Ermelino Matarazzo, só trazem benefícios para o bairro. Para demonstrar estarem ao lado do padre, gritavam “viva o Papa Francisco” e “viva o padre Ticão”. Ainda fizeram um círculo em volta da igreja de mãos dadas, simbolizando um abraço.

    “O Ticão não é um padre que só está sentado em uma cadeira na igreja, ele é ativo. Ajudou com que se construísse sete escolas para crianças deficientes na região, o parque Dom Evaristo Arns, espaços para a terapia medicinal, faz debates com a gente. Ele não manda em tudo, ele ensina e deixa que cada um siga sua vida com os ensinamentos”, explica Eunice Assunção, 58 anos.

    Familiares de crianças ajudadas por tratamento com maconha prestaram apoio ao pároco | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Eunice sabe bem sobre o que fala do padre Ticão. Afinal, foi o encontro criado por ele que iniciou o tratamento de sua filha, Stela, de 16 anos, que tem paralisia cerebral desde o nascimento. A menina usava medicamentos tradicionais para a doença, mas sofria com fortes dores. Após um médico dizer que só poderia operar a coluna da garota quando 50% ou mais da região estivesse comprometida, a mãe foi atrás da maconha. E do curso dado semanalmente pelo pároco.

    “Eu tinha preconceito, não acreditava. Pensava que era coisa de gente que não tem o que fazer. Hoje sei que é um remédio, sou a maior das apoiadoras e fiéis da maconha”, diz, lembrando que começou em janeiro a frequentar os debates promovidos por Ticão sobre a cannabis medicinal. “A Stela sentia muitas dores, a maconha reduziu. A luta do Ticão incomoda as pessoas”, emenda, dizendo que acionou há mais ou menos um mês a Anvisa para obter legalmente o direito de usar a maconha como remédio.

    Outra mãe também conheceu através do religioso o remédio que resolveu os problemas de sua filha. A psicóloga Jane Margarete, 48 anos, buscava tratamento para a hiperatividade de Daniela, 11 anos, e encontrou na maconha medicinal a solução. “Ah, ela está bem mais calma graças ao Ticão. Ele é uma benção para o bairro, que era muito violento e sem recursos antes dele. Foi o Ticão que buscou condições para os oprimidos e, agora, está na luta pelas questões da saúde, principalmente”, conta Jane.

    Ela cita que a primeira roda de encontros sobre a cannabis teve aproximadamente de 800 pessoas presentes, ainda que um grupo considere heresia o que está sendo feito na igreja. “Os católicos mais conservadores fazem esses ator porque falta para eles ouvir, saber dos benefícios. O próprio presidente [Jair Bolsonaro] se une à tudo isso, essa grupo preconceituoso que está tendo força para dizer barbaridades”, afirma.

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