Padre Jaime Crowe: ‘A violência policial vem do anonimato da polícia’

    Criador da Caminhada pela Vida e Paz, religioso considera violência ‘muito alta’, critica modelo de segurança do PSDB em SP e define governo Bolsonaro: “É triste”

    Padre Jaime durante a 25ª edição da Caminhada pela Vida e Paz, na zona sul de SP | Foto: Jeniffer Estevam

    Há 25 anos, o irlandês Jaime Crowne, 75, luta para acabar com a violência na zona sul da cidade de São Paulo. O padre, da paróquia Santos Mártires, no Jardim Ângela, é um dos criadores da Caminhada pela Vida e Paz, que em todo dia 2 de novembro, feriado de Finados, relembra os que se foram, vitimados pela violência. À Ponte, Jaime vê avanços desde o início da caminhada e nestas cinco décadas no Brasil. Contudo, tudo está sob ameaça.

    Tão pouco acabou a 25ª Caminhada, ocorrida nesta segunda-feira, o religioso conversou com a Ponte. Questionado se conseguia fazer uma previsão de como seria daqui mais 25 anos, quando a caminhada completa 50 edições, não pensou muito. “É difícil [prever]. Não esperávamos um governo desses que temos agora”, responde, se referindo ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido), a quem classifica como “triste” a atuação na pandemia de coronavírus.

    Bolsonaro não é o único a gerar tal imprevisibilidade. Em São Paulo, onde viu por décadas os governos do PSDB liderarem a segurança pública, cobra uma mudança radical de “toda a proposta do policiamento”. Sem isso, defende, nada mudará. “Acredito e tenho defendido que a violência policial vem do anonimato da polícia”, define. “Quando o policial é conhecido, tem nome em uma região, é mais fácil controlar a atitude dele. Do jeito que está é impossível controlar”.

    Ponte – São 25 anos de caminhada. Quais diferenças o senhor vê da primeira edição para hoje?

    Padre Jayme – A grande mudança, mesmo, é a diminuição da violência na região. O que era em 1995, 1996 até o ano 2000, não tem comparação com hoje. Os números eram de 120 assassinatos por 100 mil habitantes. Hoje nós calculamos em torno de 25 [por 100 mil]. Ainda é muito. Inclusive, em termos da cidade de São Paulo, o distrito de Jardim Ângela é alto ainda. Muito disso [diminuição] por causa da mobilização popular, pelas caminhas, pelas lutas e pelo olhar novo. Essa semana foi divulgado o mapa das desigualdades e nas áreas nobres, como o Jardim Paulista, a vida vai até 82 anos. No Jardim Ângela, 58 anos. Vamos caminhando ainda, não podemos relaxar. A vida está desrespeitada com tamanha desigualdade. Ficou muito claro com o coronavírus a moradia, a fome, a miséria, a dificuldade.

    Ponte – A caminhada de 2020 homenageia também as vítimas da Covid-19. Por quê?

    Padre Jayme – Se o governo, o próprio Ministério da Saúde, tivessem tomado atitudes corretas, como vimos em outros países… Quando se olha Alemanha, Nova Zelândia, teve menos vítimas do coronavírus. Quando se vê o Brasil, os Estados Unidos, as atitudes ruins que tomaram e ainda nos disseram que não era nada, era apenas uma gripe. E a briga atual por causa da vacina, são coisas absurdas e ridículas. Não respeita a ciência nem coloca a vida em primeiro lugar.

    Ponte – Como analisa o combate à pandemia por parte do presidente Jair Bolsonaro?

    Padre Jayme – Olha… É triste. A única palavra para tudo isso é a tristeza. Talvez a gente se questiona: “Como é que deixamos chegar a isso?”. Esse é o grande desafio. E ficar na torcida de aproveitarmos os bons ventos que vêm da Bolívia e do Chile e, quem sabe, dos Estados Unidos com uma derrota de [Donald] Trump.

    Ponte – Nesses 25 anos de trabalho, conseguiram a diminuição das mortes. Imagina como será nos próximos 25 anos?

    Padre Jayme – É difícil. Não esperávamos um governo desses que temos agora. Contamos nesses 25 anos com a colaboração de diversos governos, não de todos, mas diversos. Agora, do jeito que está indo, se não aproveitarmos os bons ventos, a coisa vai ser difícil.

    O irlandês Jaime vive há 50 anos no Brasil | Foto: Jeniffer Estevam

    Ponte – Nesses 25 anos, o Estado de São Paulo teve políticos do PSDB como governantes. Diminuíram os homicídios, aumentaram as mortes pela polícia. Como avalia esse cenário?

    Padre Jayme – Duas coisas temos que colocar: em primeiro lugar, nós contamos com a colaboração de duas secretarias da segurança nesses 25 anos todos. O primeiro secretário, José Afonso da Silva (secretário da Segurança Pública entre 1995 e 1999), no governo [Mário] Covas (comandante do Estado entre 1995 e 2001), conseguimos junto com ele e muita colaboração construir o policiamento comunitário. Com cinco bases no distrito do Jardim Ângela, deu toda uma mudança. Acredito e tenho defendido que a violência policial vem do anonimato da polícia.

    Ponte – Por que acontece?

    Padre Jayme – Quando o policial é conhecido, tem nome em uma região, é mais fácil controlar a atitude dele. Do jeito que está é impossível controlar. Nós tivemos grande colaboração da parte de alguns promotores. Depois do José Afonso, outro que colaborou muito e foi tirado: Fernando Grella (secretário de 2012 a 2014). Ele também estava a fim de policiamento comunitário e queríamos continuar essa construção, mas não deram tempo para ele. Logo o tiraram. Quando o secretário da segurança está dialogando, não deixa acontecer [a violência]. A nossa região é marcada por essa violência nesses 25 anos. O cabo Bruno (Florisvaldo de Oliveira, conhecido como policial justiceiro) atuava aqui, depois vieram os highlanders, tantas chacinas, do Rosana, Paraisópolis agora e tantos outros. Não tem sido fácil.

    Ajude a Ponte!

    Ponte – Como define a segurança pública de SP nesses anos?

    Padre Jayme – Nos governos do PSDB, as secretarias da segurança têm sido uma negação. Nem tudo é perdido, mas tem que mudar toda a proposta do policiamento radicalmente. Não faz muito tempo, eu, o Benedito Mariano [ex-ouvidor da polícia de SP] e o [Eduardo] Suplicy [ex-senador e vereador de SP] estávamos em um encontro na Assembleia Legislativa e até falei: faz quase 50 anos que nós três estamos lutando pelas polícias e, em vez de melhorar, está piorando. Não sabemos onde vai parar do jeito que está.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas