Há risco de ‘apagão policial’, segundo Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; servidores apontam falta de itens de proteção contra o coronavírus
Quase 600 policiais, entre civis e militares, estão afastados das ruas do estado de São Paulo em decorrência da Covid-19, mesmo sem ter a confirmação da doença, já que os servidores não têm conseguido fazer teste para saber se estão infectados. O total de afastados era superior a 800 há cinco dias.
E não são apenas os policiais. Na cidade de São Paulo, a pandemia levou ao afastamento de 57 guardas civis metropolitanos. Os profissionais contam que vêm usando por 12 horas máscaras que deveriam ser trocadas a cada 2.
Associações e sindicatos de policiais civis, peritos criminais e de guardas civis metropolitanos listaram à Ponte problemas que as corporações enfrentam para manter a rotina de trabalho enquanto combatem o coronavírus — nenhum coletivo de policiais militares acionado respondeu aos pedidos de entrevista. O que aparece de comum nas declarações dos profissionais da segurança é a grande preocupação com a pandemia.
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Segundo os relatos, os governos têm sido “omissos” no suporte dado aos profissionais da segurança pública, seja o de João Doria, no governo do Estado, seja o de Bruno Covas, no comando da prefeitura, ambos do PSDB. Faltam equipamentos de segurança, como máscaras, luvas e álcool em gel, e também os exames para os policiais testarem se estão ou não com a doença.
A Polícia Militar de São Paulo teve, até o momento, três mortes causadas pela Covid-19: Magali Garcia, 46 anos, em 30 de março, e Cleber Alves da Silva, 44 anos, em 11 de abril. Ambos trabalhavam no Copom (Centro de Operações da Polícia Militar). Além deles, o bombeiro militar Benedito Amâncio Nascimento, 51 anos, morreu em 12 de abril.
A SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) confirma também a morte de dois policiais civis em decorrência do coronavírus, mas não dá informações sobre suas identidades, idades e funções.
Em nota enviada nesta quinta-feira (23/4), a SSP afirma que o total de policiais civis e militares afastados por causa da Covid-19 corresponde a 0,5% do total. Como o Portal da Transparência de São Paulo informa que o estado tem 116.466 policiais, a porcentagem corresponde a cerca de 580 servidores afastados.
No dia 18, o governo havia informado que os afastados correspondiam a 0,7%, ou cerca de 810 policiais.
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Segundo Rafael Alcadipani, professor da FGV (Faculdade Getúlio Vargas) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número chama a atenção por aparecer no começo da pandemia no país. Ele usa como exemplo a polícia de Nova York, que chegou a 20% da tropa afastada durante a crise de saúde pública.
“A chance de ter um apagão não é desprezível, sob o aspecto de que os governos estão começando a abrir tudo. A pressão é grande e estão decidindo abrir, sendo que nem começou a crescer exponencialmente a curva de casos”, analisa. “Estamos nos primeiros meses da pandemia, não no final”.
Alcadipani detalha que não é possível mais fazer policiamento como antes. O momento é de focar “no que é urgente” e ampliar ao máximo o home office. Para ele, um grande risco é justamente a falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).
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“É totalmente preocupante porque não se está equipando essas pessoas. Vai afetar o pessoal da linha de frente e tem potencial nas polícias de afetar de forma quase catastrófica”, alerta.
Raquel Kobashi, presidenta do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, classifica como inadequada a entrega de equipamentos de proteção ao policiais civis. “Hoje, se alguns distritos têm isso, foi graças a mutirão dos próprios policiais que fizeram vaquinhas e receberam doações para que pudessem trabalhar sem colocar a vida em risco”, alerta.
Outra crítica da profissional é sobre o governo ter reforçado a necessidade de os policiais receberem nas delegacias ocorrências que podem ser feitas pela internet, como documentos perdidos.
“Essa postura não só é omissa como inconsequente, irresponsável e demagoga. Fica a crivo de parte da população, não do governo, se proteger para não ser contaminado ao ir para a delegacia. O comércio está fechado, por exemplo. O policial não tem escolha, tem que atender quem for ao DP”, diz, acrescentando que as pessoas não vão às delegacias somente por questões policiais. “Muitas vezes, recorrem por problemas sociais, psicológicos sobre essa situação”, conta.
Por outro lado, os peritos, integrantes da Polícia Técnico Científica, relatam não estarem sofrendo com a falta de equipamentos. “O que recebi é que não falta, mas não sobra”, explica Eduardo Becker, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo.
Becker explica que houve receio dos profissionais no começo da pandemia, mas que os EPIs chegaram e estão disponíveis. No entanto, o empecilho que enfrentam é o fato de o governo paulista não ter de terminado protocolo de ação durante a pandemia.
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“Estamos tomando mais cuidados de ter contato ao fazer as perícias. Como SP não emitiu protocolo, estão atuando com protocolos dados pelo sindicato e pelos ministério da Justiça e Segurança Pública e da Saúde”, detalha.
Na GCM (Guarda Civil Metropolitana), a questão principal tem sido com o tempo de uso das máscaras, segundo Adriana Andreose, presidenta da AGES (Associação dos Guardas e Servidores do Estado de São Paulo). O recomendado é trocar a proteção a cada duas horas, mas guardas têm sido obrigados a fazer a substituição apenas a cada 12 horas. Os itens existiam em estoque, só não estavam sendo disponibilizados, segundo ela.
A guarda, que atua há 24 anos na GCM da capital paulista, conta que que foi preciso acionar a Justiça para a Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Segurança, que comanda a guarda, liberar EPIs aos profissionais. Em processo, entrado no dia 20 de março, a associação obteve vitória.
Em sua decisão, a juíza Aline Aparecida de Miranda obrigou a Prefeitura a disponibilizar álcool em gel, máscaras e luvas aos guardas. “Imperioso, assim, que exerçam seu ofício com a maior proteção e assistência possíveis”, decidiu.
“As máscaras foram compradas em caráter de emergência, secretaria disse que tinha em estoque e ficou segurando. E, por ordem de serviço, determinou que cada guarda usava a sua por 12 horas. Se usasse duas, que é o limite de uso de cada uma, dobrar, guardar e, depois, continuar usando”, denuncia.
A presidenta explica que, além da ordem, os guardas precisam fazer relatórios apontando onde e por que usaram suas máscaras. “Alguns atuam em hospitais, cemitérios, e precisam entrar nesses lugares só para pegar um carimbo que diz que estiveram ali. Lugares de alta contaminação”, segue Adriana Andreose.
Na GCM, dois profissionais morreram vítimas da pandemia: Rodnei Marcos dos Santos Cesário, 52 anos, em 14 de abril, e Elsa Conceição de Andrade da Silva, 57, quatro dias mais tarde.
À Ponte, a Prefeitura de São Paulo informou, por nota, que 57 profissionais estão afastados do serviço “seguindo os critérios da Secretaria Municipal da Saúde”, sem detalhar quais são estes casos.
O governo municipal cita que está “oferecendo ao seu efetivo operacional os seguintes equipamentos: escudos faciais, máscaras de proteção, luvas e álcool gel”.
Em resposta aos questionamentos da reportagem, a SSP do governo João Doria explicou que entregou EPIs aos policiais das três corporações e detalhou os seguintes números: 1,2 milhão de máscaras, 214,3 mil litros de álcool em gel, 14,4 mil litros de produtos de limpeza e 38 mil itens de higiene pessoal, como sabão em barra.
“Paralelamente à entrega dos EPIs, as polícias têm realizado ações para desinfecção e higienização de viaturas e sedes policiais. E elaborado materiais com informações sobre os sintomas e formas de prevenção à contaminação, inclusive no atendimento às vítimas de acidentes ou crimes”, explica a pasta.