Dois PMs foram indiciados em 2019 por morte de Pedro Henrique, mas Ministério Público pediu novas diligências e caso segue parado. MP arquivou investigações sobre denúncias feitas pelo jovem negro
“Eu tenho que acreditar na Justiça porque se não é como desistir de tudo, do meu filho, do que ele acreditava”, lamenta a professora e escrivã Ana Maria Cruz, 55 anos. O Natal deste ano foi o segundo que ela passou sem um de seus filhos, o ativista Pedro Henrique Santos Cruz Sousa, 31, que foi assassinado a tiros dentro de casa, há exatos três anos, em 27 de dezembro de 2018, na cidade baiana de Tucano.
No ano seguinte, a Polícia Civil indiciou os policiais militares Bruno de Cerqueira Montino e Sidiney Santana Costa pelo crime, mas nenhum deles foi denunciado. Isso porque o Ministério Público pediu novas diligências e o inquérito voltou para a delegacia.
À Ponte, a assessoria da Polícia Civil disse que cumpriu as diligências, sem detalhar quais foram, e reencaminhou o inquérito ao Ministério Público que, por sua vez, não respondeu aos contatos da reportagem. Em consulta ao Tribunal de Justiça da Bahia, a movimentação mais recente é de 9 de novembro, quando os autos foram encaminhados para a delegacia. A resposta da Polícia Civil à Ponte, aliás, foi a mesma dada em julho, com nota idêntica.
A mãe de Pedro foi alvo de cinco ações judiciais, que vão de pedidos de indenização por dano moral a acusações por injúria e difamação por publicações que ela fez em redes sociais criticando a polícia.
Dois desses processos são movidos pelos soldados Sidiney e Bruno, que atuam na 2ª Companhia do 5º Batalhão da PM de Euclides da Cunha, município vizinho a Tucano. Uma ação movida por Sidiney foi extinta pelo juiz Matheus Martins Moitinho, que considerou que o processo não poderia correr em Euclides da Cunha já que nem o policial ou a professora moram na cidade. Outra foi uma interpelação judicial, ou seja, um pedido de explicação pelas postagens da professora, movida pelo capitão Duarte Gomes da Silveira, comandante da mesma Companhia dos dois policiais suspeitos de matarem Pedro. Depois disso, o capitão entrou com uma queixa-crime que se transformou numa ação penal por difamação e injúria, aberta em agosto de 2019. Essa e outras duas ações, uma delas movida pelo capitão Alex Andrade de Souza, do mesmo batalhão, foram arquivadas porque os policiais não pagaram as custas processuais para o andamento do processo nem pediram assistência jurídica gratuita dentro do prazo.
A única ação que ainda não foi julgada é movida pelo PM Bruno. A última audiência aconteceu no começo do mês e não houve conciliação. O soldado pede a exclusão das postagens e pagamento de R$ 35 mil de indenização por danos morais. Todas as ações judiciais têm conteúdo semelhante, que inclui as publicações no Facebook e links de reportagens que a professora compartilhou sobre o caso – incluindo matérias e um editorial da Ponte, publicado em nossa newsletter em 28 de janeiro de 2019 e que tratava do assassinato do jovem. Os policiais também são representados nos processos pelo mesmo advogado: Carlos Kleber Freitas de Oliveira, que, procurado pela reportagem, não quis se manifestar.
Dona Ana afirma que ainda sente medo. Apesar de não morar em Tucano, ainda ter familiares na cidade. “Os processos são uma forma de intimidar, sei que vão vir outros”, diz.
Denúncias arquivadas
O Grupo de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública do Ministério Público da Bahia (MPBA) arquivou, em 19 de novembro, um procedimento investigatório para apurar três denúncias de violência policial feitas por Pedro, uma em abril de 2017 e duas em maio de 2018. Na época, o ativista denunciou ao MPBA que havia sofrido agressões e ameaças dos soldados Bruno e Sidiney em uma abordagem. A dupla de policiais confirmou que abordou o ativista em duas situações em 2018, por ele ser usuário de maconha, mas disse que não houve abuso nem agressão.
O promotor substituto Marcos José Passos argumentou que os crimes de constrangimento ilegal e ameaça já teriam prescritos, com base no Código Penal Militar. Já a denúncia de agressão passou a ser apurada neste ano. O promtor também apontou que não haveria provas de autoria dos dos policiais, além da “palavra da vítima”.
O promotor afirmou que, pelas imagens de algumas partes do corpo que Pedro havia mandado na época, “não é possível concluir que ocorreram agressões físicas, eis que é de suma importância que haja, no mínimo, uma perícia médica, em busca da prova da materialidade”. Como o ativista foi morto, não foi feita a perícia. Até agosto deste ano, a Corregedoria da PM informou ao promotor que não havia procedimentos para verificar conduta contra os dois soldados.
Para a mãe do jovem, a atuação da Promotoria chegou muito tarde. “Eu já imaginava que o resultado seria esse porque começaram a investigar só depois que o meu filho morreu”, critica. “Ele registrou as denúncias na época e parece que ficaram lá engavetadas”.
Em 2019, a Ponte teve acesso a uma série de termos de declaração feitos no Ministério Público e assinados por Pedro entre 2014 e 2018. O ativista denunciou abusos policiais em pelo menos quatro oportunidades ao Ministério Público. Em setembro de 2014, por exemplo, Pedro informou que havia sido abordado de forma violenta e relembrou que, em abril daquele ano, um homem de nome Aderbal, que havia presenciado a agressão contra Pedro em 2012, havia sido morto. Na ocasião, o ativista assinalou que acreditava que a motivação foi “preconceito do então tenente hoje capitão Alex Andrade de Souza, que comandava a operação, por ele ser usuário de maconha e adepto da cultura ‘Rastafari’.”
Na ocasião, Pedro informou também à promotoria as tentativas do tenente em desqualificar a “Caminhada pela Paz”, criada pelo ativista, ao dizer, sem nenhuma prova, que havia envolvimento com tráfico de drogas e que o evento era financiado por facções criminosas. Alex Andrade chegou a ser apontado como um dos suspeitos pelo assassinato do ativista, mas não foi reconhecido pela testemunha que presenciou a ação dos atiradores.
Em 2013, foi aberto um inquérito policial contra o PM Alex após Pedro ter denunciado uma abordagem violenta que ele e o colega Edvando Oliveira Cerqueira teriam cometido. Em consulta ao site do Tribunal de Justiça da Bahia, o inquérito consta como arquivado e extinto em 2016, sem informações sobre movimentação.
Segundo Ana Maria, Pedro foi ameaçado por Alex. “Quando o policial saiu do fórum, logo depois da audiência em que ele foi condenado a pagar uma multa, ele teria dito a Pedro: ‘este dinheiro que você me fez gastar vai lhe custar caro’. Seis anos depois, a promessa se cumpriu”, disse a professora. Na época, Pedro divulgou os abusos nas redes sociais e o então tenente Alex moveu uma ação por injúria e difamação em 2013. Na decisão judicial, Pedro entrou em um acordo, apagou as postagens e prestou serviços à comunidade.
No inquérito da morte de Pedro, os três policiais negam o crime.