Oitava edição do ato na cidade de São Paulo reuniu ativistas e autoridades para pedir direitos básicos, como empregabilidade e representação em cargos de poder
As ruas do centro da cidade de São Paulo foram tomadas pelas cores azul, rosa e branco na tarde deste domingo (28/1) para lembrar o Dia Nacional da Visibilidade Trans, que completa 20 anos amanhã.
Com o lema “Pelo direito de sobreviver, existir e resistir”, a oitava edição da Caminhada Trans em São Paulo aconteceu simultaneamente à primeira Marsha Nacional pela Visibilidade Trans, em Brasília — a grafia marsha faz referência à ativista trans norte-americana Marsha P. Johnson, que lutou pelos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ e foi assassinada aos 46 anos, em 1992.
Na capital paulista, a manifestação se concentrou inicialmente em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista. Ali, em cima do carro de som, a cantora e assistente social Renata Peron, 46 anos, cantou uma versão do música Não deixe o samba morrer, sucesso da cantora Alcione, com os versos Não deixe as travas morrer/ Não deixe as travas apanhar/ Travesti também é gente/ Vocês que que precisam mudar.
Uma das coordenadoras da caminhada, a articuladora social do Projeto Séforas e líder na Igreja da Comunidade Metropolitana, Jacque Chanel, lembra que as reivindicações permanecem as mesmas após 20 anos. Na época da criação do Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 2004, os movimentos sociais divulgaram a campanha “Travesti e Respeito”, lançada pelo Ministério da Saúde na Câmara dos Deputados. “Hoje estamos reivindicando basicamente o direito à vida, porque este ainda é o país que mais mata travestis e transexuais”, declarou Jacque.
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 1.057 pessoas trans, travestis e pessoas não binárias brasileiras foram assassinadas de 2017 a 2023. Só no ano passado, foram 145 homicídios, um aumento de 10% em relação a 2022.
A maior parte das pessoas ouvidas pela Ponte faltam sobre acesso a direitos básicos, como saúde e educação, mas também de empregabilidade digna, já que boa parte da população trans ainda tem dificuldade para encontrar colocação profissional fora da prostituição.
Carlas Mendes, 42, é produtora cultural e a primeira presidente do Conselho Municipal LGBTQIAPN+ de Catanduva, no interior do estado, e aponta que a intersecção de gênero, classe e raça influenciam no grau de vulnerabilidade dessa população. Hoje, ela estuda Recursos Humanos a fim de buscar melhores maneiras de pensar o mercado de trabalho para a comunidade.
“Não sou só uma mulher negra, mas uma mulher negra, periférica, candomblecista. Estar à frente do conselho municipal mostra que a gente pode chegar, mas é muito mais difícil porque a gente é cerceada. Sendo periférica, a gente é tida como gente que não tem estudo, porque lá o estudo para a população trans é muito negado por causa do bullying, por causa da exclusão, por causa da falta de conhecimento e de políticas públicas dentro da escola. Hoje, eu que terminei a escola e estou fazendo faculdade, posso dizer que não é fácil por causa da cor, não é fácil por conta da religião, não é fácil por causa da sexualidade, mas a luta continua e a gente precisa persistir”, disse Carla.
A garantia dos direitos dessa população também se faz com a sociedade em geral participando e, nesse caminho, o apoio das famílias é fundamental. É o que afirma a comunicadora social Daniela Palma, 52, que é mãe de uma adolescente trans de 13 anos. Durante a passeata, ela erguia um estandarte com a inscrição “Crianças Trans Existem” e estava acompanhada da filha. “No começo é difícil, dá um pânico na gente que é mãe pelo medo do preconceito, mas quando busquei ajuda de profissionais especializados, me engajei na luta. É importante pelo fato de eles existirem, eles terem apoio da gente e proteção”, disse Daniela, que faz parte do grupo Mães da Resistência, criado em 2021.
O entregador Lennon Thompson, 27, que faz parte de um time de basquete formado por homens trans, o Sport Clube T Mosqueteiros, participou da caminhada pela primeira vez neste domingo e destaca que mesmo em governos progressistas a comunidade precisa pressionar para ser ouvida.
“Eu vejo que tem um avanço, mas é aos poucos. Por exemplo, teve o Concurso Nacional Unificado que eles [organização] tinham dito que teria cotas trans, mas na última hora, quando as pessoas foram fazer a inscrição, a cota foi retirada. Mas pessoas no parlamento, como a [deputada federal do Psol] Erika Hilton, têm batalhado para isso, para que haja uma diferença nas nossas vidas. Ainda tá sendo pouco, mas a gente não pode abaixar a cabeça”, afirma.
Coordenadora municipal de Diversidade da Prefeitura de São Paulo, Léo Áquila aponta que a ascensão da extrema direita tem causado retrocessos em pequenos avanços que a comunidade conquistou. “Estamos num momento de tudo ou nada. Ou a gente encara os problemas juntes e tentamos resolver ou vamos sucumbir para um período tenebroso, porque a direita tem projetos contra nós. Antigamente, as pessoas eram contra, hoje elas têm projetos contra nós”, afirma.
Levantamento do jornal Folha de S.Paulo indica que existem 77 leis antitrans em vigor em 18 estados brasileiros. Os temas variam de uso de linguagem neutra a debate sobre gênero em escolas, restrição de compartilhamento de banheiros ou participação de atletas trans em competições esportivas, entre outros.
Questionada pela reportagem sobre como é participar da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que nas eleições deste ano deve contar com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o qual já deu declarações de cunho LGBTfóbico e está no especto da extrema direita, Áquila respondeu que teve total liberdade em atuar na coordenação e destacou ser a primeira mulher trans nesse posto. “O Ricardo Nunes eu tenho sentido que não é extremista. Ele me procurou sobre isso e ele disse que tem medo de ferir a comunidade com uma palavra errada. Ele me colocou como porta-voz para ver o que a comunidade precisa e [disse] ‘vem aqui que a gente faz’. Tudo que eu pedi ele atendeu”, disse.
A manifestação seguiu até o Largo do Arouche e se encerrou às 18h. Veja mais fotos do protesto: