Pessoas trans podem mudar de nome sem necessidade de cirurgia, decide STF

    Por unanimidade, Supremo Tribunal Federal decide que, para alterar o registro civil, pessoas transexuais e travestis só precisam ir a um cartório

    Cena da 3ª Caminhada pela Paz: Sou Trans, Quero Dignidade e Cidadania | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira (1º/3) que pessoas transexuais (que não se reconhecem com o gênero de nascimento) e travestis (que vivenciam o gênero feminino) podem alterar o nome sem necessidade da intervenção da cirurgia de redesignação sexual e nem de autorização judicial. Basta ir a qualquer cartório.

    Durante a votação, os ministros alegaram que é inconstitucional vincular a mudança de registro civil ao procedimento cirúrgico. Para o ministro Marco Aurélio, “a alteração no registro civil sem a obrigatoriedade da cirurgia decorre do princípio constitucional de dignidade da pessoa humana”.

    Atualmente, não há uma lei que regulamente a alteração de registro civil no Brasil, por isso até então uma pessoa trans precisava abrir uma ação judicial e cada caso era analisado individualmente. Alguns juízes permitem a alteração do nome de registro e também do item “sexo” na documentação, outros podiam liberar apenas um dos itens — o nome ou o sexo, como contou à Ponte o jornalista Luiz Fernando Prado Uchoa, 34 anos, militante da rede Família Stronger.

    “O primeiro passo é abrir uma ação judicial. Mas, antes disso, no melhor dos mundos, precisamos apresentar um laudo psicológico, fotos que provam a transição, uma carta de referência de pessoas que nos conheçam há pelo menos dois anos por este nome e tudo o que tiver com o nome social. Esses processos demoram muito dependendo da vara que pode cair. Aí você pode ganhar o nome, mas não o gênero. Tudo depende do promotor e do juiz. Para nós, homem trans, pelo fato da cirurgia ser extremamente experimental, eles não pegam tanto no pé. Mas a mulher transexual eles pedem perícia e um monte de coisa”, explica Luiz.

    Cena da 3ª Caminhada pela Paz: Sou Trans, Quero Dignidade e Cidadania | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Apesar da ausência dessa legislação ser prejudicial para a cidadania da população trans, Luiz argumenta que o resultado da votação no STF é positiva. “Nome social não é muita coisa, só valida que eu tenho dois nomes. Mas ninguém respeita, pois não temos leis, temos portarias ou decretos. Eu recebo como uma vitória o STF assegurando que essas pessoas são cidadãos ou cidadãs. O conceito de cidadania se torna mais real, mais visível. Hoje, você precisa de um laudo do psicólogo pra dar iniciar ao processo transexualizador. Com a lei da identidade de gênero, não precisaria disso”, conta, referindo-se ao projeto de lei federal  5002/2013, conhecido como Lei João Nery, que tramita na Câmara dos Deputados desde 2013, sem nunca ter sido aprovado. Num de seus artigos, o projeto previa as mesmas regras para alteração do registro social que foram validadas hoje pelo STF.

    Em termos de garantia de direitos, para Luiz, a votação é um avanço jurídico e social. “É um avanço que vem pra dizer que o direito é para todos e todas. O direito tem que avançar conforme a sociedade avança, ele tem que ser um reflexo da sociedade e não um reflexo de homens cisgêneros, héteros e brancos que ficam numa sala brincando com a vida dos outros. A sociedade se transforma, se transmuta, então o direito tem que refletir essas relações sociais. Desejamos que isso avance pra questão da não necessidade da intermediação de um advogado e também a não necessidade de um laudo psicológico que valide o gênero das pessoas, pois todos nós, trans ou cis, necessitamos de psicólogos pra lidar com os nossos conflitos internos, mas não pra afirmar ou reafirmar o gênero ou a sua orientação sexual. Porque uma pessoa cis não precisa validar seu gênero?”, indaga Uchoa.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    4 Comentários
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] Caê Vasconcelos – Em março de 2018, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância de retirar a obrigatoriedade de cirurgia e solicitação judicial para a […]

    trackback

    […] março de 2018, o Supremo Tribunal Federal, em uma votação histórica, reconheceu a importância de retirar a obrigatoriedade da cirurgia e […]

    trackback

    […] trans no sistema educacional nem no mercado de trabalho. Depois de muitos anos de luta, em 2018, o STF garantiu o direito ao nome social e retificação de documentos. Mas ainda, há um longo caminho a percorrer. Em São Paulo, uma de cada três pessoas trans […]

    trackback

    […] e seria impulsionador da decisão histórica do STF (Supremo Tribunal Federal) de autorizar a retificação de nome e gênero para pessoas trans nos cartórios, sem necessidade de laudo ou cirurgia, sabe que sua […]

    mais lidas