Moradores incendiaram ônibus em protesto pela morte de Rogério Ferreira, no dia em que fez 19 anos, e disseram: “a revolta dos humildes é a pior das revoltas”
Policiais militares agrediram, na noite desta segunda-feira (10/8), manifestantes que cobravam o Estado pela morte do ajudante Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19 anos, assassinado com um tiro nas costas pela PM no Parque Bristol, zona sul da cidade de São Paulo.
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As agressões, filmadas por moradores do bairro, mostram os policiais derrubando e agredindo motoqueiros que haviam participado do ato, realizado no final da tarde. Após o final do protesto, moradores incendiaram dois ônibus no bairro.
“Os policiais estão jogando gás lacrimogêneo em cima das pessoas. Tem criança na manifestação, mas eles não estão respeitando. Parece cena de guerra”, afirma um morador em um dos vídeos.
Um dos manifestantes que incendiou ônibus falou com a reportagem. Sob condição de anonimato, explicou o porquê de ter queimado o veículo. “Eu nem conhecia o maninho que faleceu, mas era mais que minha obrigação colar e fazer o que foi feito. O Rogério era uma vida. Da mesma forma que poderia ser a minha ou a sua”, afirmou. “Só fiz o meu papel de ser humano que não aguenta tudo calado. A revolta dos humildes é a pior das revoltas.”
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos no governo de João Doria (PSDB), não se manifestou sobre as denúncias de agressões.
“Matam e querem chamar de bandido”
A manifestação teve início na tarde desta segunda-feira (10/8), na esquina em que Rogério Ferreira da Silva Júnior morava. O jovem, que trabalhava como ajudante em uma empresa de logística, morreu a cerca 500 metros dali, na Avenida dos Pedrosos, na tarde anterior, no dia em que completou 19 anos.
Segundo a versão policial, Rogério, que estava de moto, teria fugido de uma tentativa de abordagem por dois policiais da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) do 46º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano. Um vídeo de uma câmera da rua flagrou o momento em que Rogério foi morto pelos policiais, logo após parar sua motocicleta.
Apesar de o jovem estar desarmado, o delegado Ricardo Travassos da Silva, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, responsável por investigar o caso, considerou que os policiais Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan Conceição Fernandes Branco agiram em legítima defesa. Giacomelli disse que atirou porque o jovem negro colocou a mão na cintura, gesto que o PM interpretou como um risco de “iminente agressão”. O disparo atingiu o aniversariante no lado direito das costas e saiu abaixo da axila esquerda.
O protesto desta segunda-feira reuniu uma multidão com cerca de mil pessoas para pedir justiça. Antes do ato, uma viatura da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da PM paulista, abordou um primo de Rogério que acabara de chegar ao ato.
De dentro do carro, Raphael Leal de Oliveira, colorista de 24 anos, recebeu ordem para levantar as mãos para o alto. O PM, de dentro da viatura, apontava uma pistola em sua direção.
O policial questionou se havia mais gente no veículo, se o carro era roubado, se o jovem havia antecedentes. Depois de todas as respostas e saber o motivo de Raphael estar ali, desejou seus “sentimentos” à família.
Diversas viaturas policiais cercaram o entorno do Parque Bristol antes do ato, marcado para às 18h. Ao longo de duas horas, o protesto marchou pela Pedrosos, foi até a Avenida Cursino e retornou ao ponto de encontro.
Roseane da Silva Ribeiro, mãe de Rogério, desabafou à Ponte sobre o que considerou uma tentativa do estado criminalizar seu filho. Em coletiva de imprensa no mesmo dia, o secretário da Segurança Pública, Coronel João Camilo Pires de Campos, declarou em que a moto usada por Rogério seria roubada. Ele elogiou os PMs envolvidos na ação: “os dois policiais são excelentes”. O jovem negro pilotava um veículo emprestado por um amigo, segundo a família.
Somente no primeiro semestre de 2020, policiais de São Paulo mataram 498 pessoas, o maior número já registrado entre janeiro e junho desde que a Secretaria da Segurança Pública passou a disponibilizar esses dados oficialmente, em 1996.
“Jamais a moto era roubada! É do amigo dele, comprada, paga, em dia. Sem multa”, diz. “É horrível, uma vergonha. Matam e querem chamar de bandido”, conta Roseane, que deixou a caminhada na metade por “não estar aguentando mais”.
Apesar do choque em perder o filho, dona Roseane agradeceu o apoio das centenas de pessoas que estiveram no ato: “É muito lindo. Isso prova que ele era uma pessoa boa, não era um marginal”.
Ao final do ato, a multidão cantou “Parabéns a você” para Rogério.
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