PM alega ‘tiro acidental’ ao matar jovem já rendido em SP

Vídeo mostra que Matias Menezes Caviquiole, 24 anos, não resistia a abordagem no momento em que foi ferido

Vídeo registrou momento em que Matias é abordado e morto por policial militar em São Paulo | Foto: André Caramante/Reprodução

O jovem Matias Menezes Caviquiole, 24 anos, foi morto com um tiro na barriga disparado pelo policial militar Dernival Santos Silva, 27 anos, na manhã de domingo (5/11), no Morro do Piolho, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. O PM, que chegou a ser preso em flagrante por homicídio culposo, disse que o tiro foi acidental. Vídeos divulgados pelo jornalista André Caramante mostram que Matias estava rendido no momento em que foi alvejado (veja abaixo). 

Nas imagens é possível ver Matias de costas e com as mãos levantadas sendo segurado pelo soldado Dernival. Em determinado momento, o PM solta o jovem, se abaixa e, em seguida, ocorre o disparo. 

A Ponte teve acesso ao boletim de ocorrência do crime. O caso foi registrado no 47º Departamento de Polícia de Capão Redondo pela equipe do delegado Osvaldo Farah S. Cunha. Quatro policiais, entre eles Dernival, foram ouvidos. 

Segundo os depoimentos, os PMs foram acionados via Copom para verificar uma motocicleta que circulava sem placas. Na rua Olímpio Rodrigues de Araújo, os militares cruzaram com a moto ocupada por duas pessoas. Ainda na versão dos militares, a dupla tentou fugir na direção contrária, mas acabou derrubando o veículo. Um deles fugiu a pé e outro foi detido. 

Essa versão aparece no depoimento do soldado Wallace Martins de Mendonça. Ele conta ainda que neste momento, em que ele e outro soldado tentavam prender o motociclista, Matias e outros dois homens se aproximaram tentando impedir a ação. Ele relatou que o jovem estava “alterado e caminhando em direção aos policiais” e que os próprios companheiros de Matias “o agarraram e o arrastaram para longe”. 

Mendonça contou também que Matias só se afastou efetivamente e saiu correndo quando os soldados Dernival e Endrck Heras Gomes foram na direção dele. Os militares estavam em motocicletas. 

Dernival disse em depoimento que seguiu atrás de Matias com um cassetete em mãos. Ele disse que Matias derrubou o equipamento e que pegou a arma pistola ao se ver na “iminência da grave ameaça”. O relato contrasta com as imagens que mostram Matias já rendido. 

O disparo fatal teria ocorrido, segundo Dernival, de forma acidental no momento em que foi tentar pegar o cassetete caído no chão. O soldado relatou que na sequência acionou o socorro que, em sua versão, demorou mais de 40 minutos para chegar ao local. 

O soldado Endrck Heras Gomes também relatou em depoimento que houve demora na chegada do socorro. Ele informou ainda que Dernival começou perseguição a pé ao jovem “sem que equipes policiais militares tivessem visto”.

A Ponte procurou a defesa do soldado Dernival, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. A Secretaria de Estado da Saúde também foi procurada sobre a possível demora no atendimento, mas informou que casos criminais ficam a cargo da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-SP), que não respondeu. 

Dernival foi preso em flagrante por homicídio culposo, mas acabou em liberdade após pagamento de R$ 3 mil em fiança. A arma que ele usava foi apreendida. 

As imagens da câmera corporal de Dernival foram assistidas pela equipe da Polícia Civil que, mesmo sem investigação concluída, afirma que pelo vídeo “é possível visualizar o momento em que o Policial Militar efetua o disparo sem querer (acidental)”. 

Além dos policiais envolvidos, nenhuma outra testemunha foi arrolada ao boletim de ocorrência do flagrante. As imagens que mostram Matias já rendido no momento que é atingido também não são citadas. 

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O Ouvidor das Polícias de São Paulo, Cláudio Silva, informou que foi aberto procedimento sobre o caso. Silva disse que se comprovar que o disparo foi acidental, a situação é ainda mais grave por evidenciar o despreparo dos agentes. 

“Se foi um tiro acidental é ainda mais grave, porque demonstra a falta de técnica no manejo do armamento, que a abordagem foi malsucedida, que acabou culminando com a morte de um civil quando a polícia deveria protegê-lo. Nós já enviamos para a Secretaria de Segurança Pública em outras ocasiões pedidos de formação de grupos de trabalho para discutir abordagens policiais no estado de São Paulo, assim como também enviamos para o Ministério da Justiça e para o Ministério dos Direitos Humanos, propondo a discussão em âmbito nacional da abordagem policial, uma vez que a gente enxerga abordagem como um tema extremamente relevante na garantia da vida e da segurança das pessoas”, afirma. 

Outro lado

A Ponte procurou a assessoria terceirizada da SSP, Fator F, para comentar o caso, mas não obteve retorno até a publicação. O espaço segue aberto. 

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