PM condenado por matar adolescente a pauladas é expulso da corporação

Comando entendeu que soldado Jefferson Alves de Souza, conhecido como “Negão da Madeira”, cometeu “atos atentatórios aos direitos humanos”; ele foi sentenciado a 18 anos de prisão por matar Gabriel Paiva, 16, em 2017 em SP

Familiares em enterro de Gabriel Paiva, de 16 anos, espancado até a morte por policiais militares em abril de 2017 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O Comando Geral da Polícia Militar do estado de São Paulo expulsou da corporação, nesta terça-feira (24/10), o soldado Jefferson Alves de Souza, conhecido como “Negão da Madeira”. No ano passado, ele foi sentenciado a 18 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato do estudante Gabriel Alberto Tadeu Paiva, de 16 anos, morto a pauladas em 16 de abril de 2017, durante uma ação para dispersar jovens reunidos em um bar na região de Cidade Ademar, zona sul da cidade de São Paulo.

A PM entendeu que ele praticou “atos atentatórios à Instituição, ao Estado, aos direitos humanos fundamentais e desonrosos” e cometeu as seguintes transgressões disciplinares do regimento da corporação, que são consideradas graves:

  • usar de força desnecessária no atendimento de ocorrência ou no ato de efetuar prisão;
  • agredir física, moral ou psicologicamente preso sob sua guarda ou permitir que outros o façam;
  • deixar de assumir a responsabilidade de seus atos ou pelos praticados por subordinados que agirem em cumprimento de sua ordem;
  • deixar de comunicar ao superior imediato ou, na ausência deste, a qualquer autoridade superior toda informação que tiver sobre iminente perturbação da ordem pública ou grave alteração do serviço ou de sua marcha, logo que tenha conhecimento.

Na publicação do Diário Oficial, o soldado Gabriel de Souza Ferla, que também participou da ação, foi demitido da PM. Ele teria se omitido diante da morte do estudante. Com exceção do uso de força desnecessária, o comando entendeu que o policial praticou as mesmas transgressões disciplinares, além de:

  • deixar de providenciar para que seja garantida a integridade física das pessoas que prender ou detiver;
  • não levar fato ilegal ou irregularidade que presenciar ou de que tiver ciência, e não lhe couber reprimir, ao conhecimento da autoridade para isso competente;
  • omitir, em boletim de ocorrência, relatório ou qualquer documento, dados indispensáveis ao esclarecimento dos fatos;

Agora os ex-policiais podem recorrer apenas ao Poder Judiciário para tentar reverter a decisão do comando. A Ponte não teve retorno dos advogados de Jefferson e não conseguiu localizar representante de Gabriel Ferla.

Relembre o caso

Pelo assassinato do adolescente, foram acusados formalmente Jefferson e o soldado Thiago Quintino Meche. Em 2019, Jefferson foi condenado a 24 anos de prisão e Thiago, absolvido, mas o júri acabou sendo anulado no ano seguinte. Os advogados Alex Sandro Ochsendorf, Renan de Lima Claro e Mario de Oliveira Filho, que representam Jefferson, haviam argumentado que o julgamento daquele ano ficou comprometido porque a gravação do depoimento de uma das testemunhas protegidas falhou e, perdendo o registro enquanto prova, houve o cerceamento do direito de defesa, o que acabou sendo acatado pela 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O processo dos dois foi separado. Em 2022, em novo júri, Jefferson foi condenado a 18 anos e oito meses de prisão em regime fechado e atualmente a defesa dele está recorrendo da sentença. Ele está preso desde 2017. Já Thiago foi submetido a novo julgamento em março deste ano e foi novamente absolvido.

A dupla tinha sido acusada por homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível) e por recurso que dificultou a defesa da vítima, além do agravante de o crime ter sido cometido por agente público com abuso de poder.

Segundo testemunhas, Gabriel foi agredido por quatro policiais militares do 22º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), um deles armado com um pedaço de pau, na noite de 16 de abril de 2017, um domingo, durante uma ação da PM que dispersou um grupo de jovens reunidos diante de um bar e a agressão aconteceu em um beco ao lado da Rua Antonio Benedito Palhares no Jardim Domitila, região de Cidade Ademar, zona sul da cidade de São Paulo.

O adolescente era o caçula de sete filhos da comerciante Zilda Regina de Paiva. O menino passou quatro dias em coma induzido, com um coágulo no cérebro, num vai-e-vem de hospitais: primeiro, Hospital Regional de Pedreira, depois, Regional Sul, de onde foi transferido de novo para o Pedreira, para ser outra vez levado ao Regional Sul. Ali, não resistiu mais e sofreu uma parada cardiorrespiratória e a causa da morte foi por traumatismo craniano.

Um dos irmãos da vítima, Roger Luiz Paiva dos Santos, contou à reportagem e também no julgamento que ele e Gabriel estavam na mercearia da mãe quando decidiram ir a uma tabacaria no bairro. Gabriel e uns amigos foram na frente em uma van, enquanto ele esperava sua prima para ir em seguida. Ao ir em busca do irmão, não o encontrou e ouviu de um conhecido do bairro que “moiou” e, mais para frente, outro o alertou: “Os PMs estão sentando o pau”.

À distância, disse que viu quatro policiais agredindo um jovem caído. Também relatou que viu quando os PMs começaram a caminhar em direção à viatura, abandonando a vítima no chão, mas foram impedidos por uma moradora, que gritou para eles: “o menino tá vivo, vocês não vão socorrer?”. Só então colocaram o garoto ensanguentado numa viatura e o levaram para o Hospital Geral de Pedreira, também na zona sul. Até então, ele não sabia quem era o menino agredido. Somente depois que os policiais partiram, é que as testemunhas lhe disseram: “era o seu irmão”.

Na época, tanto familiares quanto moradores denunciaram à Ponte que Jefferson já teria espancado outros garotos do bairro com o mesmo pedaço de pau, parecido com “um cabo de enxada” ou “um taco de beisebol”. “Esse PM se auto-intitula ‘Negão da Madeira’”, contou Zilda. Nas redes sociais, moradores do bairro espalharam relatos de outras agressões cometidas pelo mesmo policial e postaram a foto de um outro adolescente, com o rosto inchado, coberto de ataduras, também numa cama de hospital, naquele ano. 

Jefferson e Thiago foram presos em julho de 2017, três meses após o crime, após denúncias de ameaças a testemunhas. Moradores do bairro apontaram que Jefferson estaria andando no Jardim Domitila à paisana. Segundo a comunidade, outros policiais teriam procurado testemunhas do crime para convencê-las a mudar a versão da morte de Gabriel, os pedidos era para que “pensassem na família do policial”. Há relatos de que PMs à paisana espionaram o enterro do garoto.

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No segundo julgamento, Jefferson deu a mesma versão do primeiro júri, negando o crime e a fama de agredir pessoas com pauladas. Disse que atendeu uma ocorrência de “baile funk” e seu superior ordenou que ele fizesse o rescaldo pelo bairro para evitar novas aglomerações. Ele fazia apoio a outra viatura e, ao chegar em uma das ruas do bairro, uma senhora teria gritado por socorro. Foi quando ele saiu de seu carro e o PM Ferla, comandante do outro carro, saiu junto. Depois encontraram Gabriel caído no chão. Voltou a ressaltar que tem uma filha com paralisia cerebral que precisa de cuidados.

A defesa sustentou novamente que testemunhas e familiares teriam formado um “complô” contra policiais, de que foi criada uma lenda de “Negão da Madeira”, além de que a vítima não teria sido espancada e sim caído no meio fio porque, se tivesse sido agredida, apresentaria mais lesões.

Um vídeo de 2017 em que um policial militar aparece agredindo com golpes de cassetete seis pessoas diferentes desarmadas, incluindo três mulheres e um homem com uma criança de colo, foi exibido. Na ocasião, moradores disseram à reportagem que é Jefferson quem aparecia nas filmagens, o que ele negou.

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