Martel Alexandre del Colle responde processo disciplinar por criticar ações ilegais da polícia e defender democracia em textos e vídeos na internet
O policial militar aposentado do Paraná Martel Alexandre del Colle corre risco de ser expulso da corporação por artigos que escreveu criticando o modo de atuar da PM. Especialistas ouvidos pela Ponte consideram o processo contra ele um ato de censura.
Martel integra o quadro da reserva, quando os PMs são aposentados, desde quando foi diagnosticado com um quadro de depressão, em outubro do ano passado. Com a saída da tropa, ele passou a escrever textos analíticos sobre a polícia.
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Um dos textos discute a função da PM, dividida entre polícia de Estado e polícia de governo. Segundo a tese do policial aposentado, há um tipo de tropa que atua respeitando a Constituição independentemente das ordens dadas pelos superiores, enquanto outro tipo segue a risca o que são mandadas, mesmo que isso signifique restringir direitos básicos.
“Uma polícia de governo cria estratégias para controlar o povo e não teme usar a violência para conseguir tal objetivo. Uma polícia de governo vê o povo como um incômodo, como um inimigo, como uma ameaça”, sustenta em sua argumentação.
Tais textos geraram investigação interna na PM paranaense e há o risco de Martel ser expulso. O entendimento da polícia é que os materiais feitos por ele mancharam a imagem da corporação. “O referido policial militar é acusado oficialmente de ter produzido diversos textos e um vídeo trazendo ao conhecimento público imputações graves contra a instituição Polícia Militar do Paraná, bem como, em desfavor de autoridades civis constituídas”, escreve o coronel Eudes Camilo da Cruz, diretor de Pessoal da PM-PR.
De acordo com Martel, suas publicações tiveram a intenção de questionar o que é feito pela tropa com objetivo de aprimorar os protocolos. “A nosso ver, parece tentativa de censura, de me reprimir por ter opinião diferente da que eles querem passar”, sustenta Martel. “Vários PMs se posicionam nas redes sociais sobre todos os políticos. Minha punição vem por ser um posicionamento contra a autoridade que a PM não aceita que se critique”, prossegue.
Entre as autoridades criticadas estão o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o deputado federal por São Paulo, Eduardo Bolsonaro (sem partido). As falas críticas do policial aposentado se basearam em declarações da dupla em referência ao AI-5 (Ato Institucional) da ditadura, com a ameaça de reviver o cerceamento de direitos da época do regime militar.
Marcel aponta ter sido procurado por outros policiais paranaenses e de outros estados do Brasil que demonstraram preocupação com seu processo. “Se o processo prosperar significa que todos policias do Paraná e do Brasil não tem direito mínimos garantidos, tem que ficar em silêncio, não pode tecer nenhuma crítica à estrutura que trabalham”, critica Martel. “É como se não fossemos humanos e não tivéssemos direitos básicos que todo ser humano pleno tem que ter”, prossegue.
Martel passará por audiência na próxima sexta-feira (24/1).
A investigação contra o policial é avaliada como censura pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa). “São textos absolutamente dentro dos parâmetros legais, manifestação do pensamento e exercício da crítica simples sem nenhum critério que tangencie qualquer ilegalidade”, avalia o presidente do IDDD, Hugo Leonardo.
Para Leonardo, a abertura de investigação já é considerado constrangimento ilegal. “Qualquer perseguição ou ataque a esse tipo de crítica à PM se configura ou censura ou outro algum crime mais grave”, diz. “O que demonstra ainda mais a importância de vozes como a dele a entoar críticas contra uma instituição que age dessa forma”.
A Ponte questionou a PM-PR sobre o procedimento aberto contra o policial e aguarda um posicionamento oficial.