Cabo Moreno Lima disse ‘estou falando grego?’ ao ser questionado por coronel diversas vezes sobre licença para se candidatar a vereador em Imperatriz
O policial militar e pré-candidato a vereador da cidade de Imperatriz pelo Progressistas cabo Moreno Sergio Lima foi preso sob alegação de ter desrespeitado um coronel no Maranhão, na terça-feira (15/9). Moreno é integrante do movimento Policiais Antifascismo.
De acordo com o advogado dele, Francisco Xavier, o cabo foi intimado a comparecer no Comando de Policiamento de Área do Interior porque havia gravado um vídeo, no começo da semana, reclamando da demora da corporação de licenciá-lo do cargo para dar prosseguimento à formalização da candidatura.
Na filmagem, divulgada em grupos de Whatsapp, Moreno fala que desde agosto o comando do 14º Batalhão da PM está “prejudicando” a sua liberação para a disputa, uma vez que ainda não teria assinado a licença. “Na semana passada [11/9], foi a convenção do meu partido, eu dei entrada na documentação e simplesmente não assinam o meu requerimento [de afastamento]“, afirma. “A perseguição é clara, mas não vamos nos calar”, diz.
A legislação eleitoral determina a desincompatibilização de servidores públicos, ou seja, o afastamento da função deve ser feito em um determinado período para que o cargo de servidor que não seja usado em prol da própria candidatura. Para policiais, o prazo é de três meses de afastamento antes da data da votação, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O vídeo do cabo acabou resultando na abertura de um IPM (inquérito policial militar). Na manhã de terça-feira (15/9), segundo os documentos obtidos pela Ponte, o major Robson Mauro da Cruz Correia e o coronel Glauber Miranda Silva eram os responsáveis pelo inquérito. Em depoimento, cabo Moreno afirma que não tinha nada a declarar sobre o vídeo e assumiu a autoria da publicação. Depois, questionou o coronel a respeito da licença o qual respondeu perguntando como funciona o sistema de registro eleitoral. Segundo Moreno, mesmo explicando sobre a licença, o coronel teria feito a mesma pergunta de formas diferentes por três ou quatro vezes.
Em determinado momento, segundo o texto, Moreno disse em voz alta “estou falando grego?”. O coronel Glauber teria retrucado “de forma sarcástica e irônica” de que “tem um QI baixo e que não é inteligente como o declarante [Moreno]“. O cabo deu a réplica: “coronel, não adianta ser sarcástico, que isso não vai resolver o meu problema” e depois questionou “o senhor entendeu qual é o meu problema?” e diz que a atuação da corporação em não licenciá-lo está “equivocada”.
O major Robson teria interpelado a situação indicando que a postura do cabo estaria sendo “inconveniente” e que poderia estar cometendo crime militar. Após o interrogatório sobre o inquérito, ele chamou o major Remy Launé Linhares e deu voz de prisão em flagrante contra Moreno por desrespeito a superior hierárquico na frente de outro militar, crime previsto no artigo 160 do Código Penal Militar, que prevê pena de três meses a um ano de prisão.
Dois dias depois, na quinta-feira (17/9), o juiz da Auditoria Militar Nelson Melo de Moraes Rego converteu a prisão em preventiva. “[…] percebe-se que a liberdade do suspeito no presente momento causaria potenciais danos à hierarquia e à disciplina militares, uma vez que a prática de tal delito por si só, traz uma desmoralização da corporação, que ataca os objetivos da instituição policial, motivo pelo qual se torna mais prudente a decretação da prisão preventiva”, argumentou o magistrado.
Moreno foi levado para o quartel do Comando Geral da PMMA, em São Luís, onde está preso.
Para Francisco Xavier, defensor do cabo, a corporação está cerceando os direitos do policial. “Não houve nenhum xingamento, nenhuma desmoralização para que o coronel se sentisse ofendido”, aponta. “O alto comando da PM não quer que os policiais tenham direito de voz, não querem que eles se candidatem, é uma clara perseguição do governo Flavio Dino (PCdoB)”, critica. Ele também menciona que o policial passou a responder procedimentos administrativos por cobrar melhores condições de trabalho durante a pandemia.
O movimento Policiais Antifascismo no Maranhão publicou nota na sexta-feira (18/9) repudiando a prisão e solicitando posicionamento do governador. “Conclamamos, em nome da Democracia, da Ética e da prática aliada ao discurso, que o camarada e governador do Maranhão, Flávio Dino, tome providências contra este e demais casos por trás dos muros da instituição policial do Maranhão que deve prezar sempre pelo Direito, pela verdade e pelo bem, o que é o seu papel, não sendo jamais reduto para o Fascismo contra os trabalhadores da segurança pública”, diz trecho da nota.
Para o policial militar e coordenador-adjunto do movimento Policiais Antifascismo em São Paulo, que também é pré-candidato, Leandro Prior, a corporação no Maranhão está “distorcendo a realidade” e “perseguindo” o cabo por causa do vídeo e da atuação política. “O quartel não pode fazer juízo de valor, é um mero procedimento [assinar a licença] para que ele possa ser candidato e esse documento ficou por mais de 10 dias passando por várias mesas no intuito de inviabilizar a pré-candidatura”, critica.
Em entrevista à Ponte sobre as pré-candidaturas do movimento Policiais Antifascismo, Moreno já havia criticado o governador Flavio Dino de que policiais que questionam a gestão “são perseguidos e transferidos”.
Lei de Bolsonaro vale para a prisão?
Em dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu a pena de prisão disciplinar administrativa para policiais militares e bombeiros militares de todo o Brasil, estabelecendo que cada estado, além do Distrito Federal, determinasse em 12 meses os critérios e escalas de punição das infrações disciplinares com base na nova lei.
O texto não vale para decisões judiciais. Para o tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo e mestre em Direitos Humanos Adilson Paes de Souza, “por mais que a descrição do fato na conduta administrativa e do crime na conduta criminal sejam semelhantes, ou até mesmo idênticas, uma coisa é processo administrativo militar, punição disciplinar, prisão disciplinar como condenação disciplinar que não pode mais”, explica. “Outra coisa é uma pena de um processo penal militar na esfera do poder judiciário, que não foi revogada”, complementa.
O que diz a PM
A Ponte procurou a Secap (Secretaria de Comunicação Social e Assuntos Políticos) a respeito da prisão. Solicitamos entrevista com o coronel Glauber e o major Robson e questionamos a respeito do requerimento de licença do cabo e do regulamento sobre as infrações disciplinares com base na nova lei.
A pasta não respondeu as questões e enviou nota informando que “não
houve prisão disciplinar, mas que ocorreu prisão em flagrante, que foi convertida em prisão preventiva pelo Poder Judiciário” e que “todas as controvérsias serão examinadas na esfera judicial”.
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