Policial escoltava manifestação em Natal, capital do Rio Grande do Norte, quando fez sinais de arma com as mãos, ligou a sirene e posou para fotos, desobedecendo ao menos duas leis
Um policial fardado, dentro da viatura escolta uma marcha pró-Jair Bolsonaro em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Em serviço, o agente público buzina com a viatura, faz sinais de arma com os dedos, liga a sirene em apoio ao ato e tira foto com os manifestantes. As ações contrariam regulamentos da polícia local.
Vídeos obtidos pela Ponte mostram o momento em que o PM comete as faltas. Segundo membros da corporação ouvidos pela reportagem, sua identificação é Cabo Frederico, que contrariou ao menos dois artigos de conduta para policiais militares potiguares.
De acordo com o decreto-Lei n° 667/1969, os membros da corporação não podem usar fardamento em atos, exceto em serviço, como consta no art. 23. “É expressamente proibido a elementos das Polícias Militares o comparecimento fardado, exceto em serviço, em manifestações de caráter político-partidário”, diz o texto.
Outra lei, nº 9.504 de 1997, aponta que os agentes públicos estão proibidos de usarem qualquer tipo de instalação ou veículo do Estado em benefício de candidatos. A lei pretende evitar ações “tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”, como no caso de Natal.
O inciso 1 do texto aponta como crime um agente público “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”.
Integrantes da corporação apontam que o ato do cabo excedeu as duas regras. “Teve repercussão deste caso na categoria, o regulamento veta a manifestação política seja a ordem que for, em especial estando em serviço. É proibidíssimo”, conta um policial sob a condição de anonimato.
O mesmo PM conta que outros membros da corporação questionaram o policial envolvido no caso, o que motivou uma ação do comando. “A turma estremeceu e fez uma reconsideração, mandou para o comandante imediato deles, informou major, e mais nada. A meu ver, pouco importa o lado, o ato merece sanção”, afirma.
Segundo ele, já houve sanção a outros policiais por ações políticas, como 15 dias de prisão. Porém, nada aconteceu neste caso recente. “No atual quadro social brasileiro, o comando precisa ter firmeza, senão os policiais fazem o que querem. A PM não se pronunciou, merece pronunciamento. A ordem vale para vocês e não para a gente?”, questiona.
‘PM está sendo conivente’
A ordem para policiamento em Natal durante o ato favorável a Bolsonaro é assinada pelo tenente-coronal Antônio Marinho da Silva, em 23 de setembro de 2018. Nele, o detalhamento de ações para os PMs realizarem é a “preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio público e privado, com ações de Polícia Ostensiva”.
O documento detalha oito locais por onde a carreta passou com a definição de efetivos específicos para cada área. Quatro deles estão tipificados como “locais de risco”, “setores onde merecem maior atenção por parte dos órgãos de segurança pública”.
A especificação é tratada por conta do atentato sofrido pelo candidato em Minas Gerais, quando levou uma facada. Tropas de elite da PM-RN, como o Bope e Choque, foram enviadas para estes locais.
Para o pesquisador do Obvio (Observatório da violência do RN) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) Ivenio Hermes, o caso do PM usando uma viatura da corporação é grave. “Encaro este ato como uma manifestação da própria corporação. Quando um PM age assim e não é punido, a corporação está incitando que outros façam o mesmo, é o maior absurdo”, define.
Segundo ele, a ação do policial em conjunto com o silêncio da corporação em não dar uma resposta a faz emprestar, conscientemente ou não, seu nome e estrutura para um ato político. “Neste caso, o policial feriu a lei de forma totalmente perceptível e ninguém faz nada. Quando a PM deixa um agente cometer um erro desse tipo, está sendo conivente. E, se é conivente com esse erro, imagine com outros”, critica. “É preciso que a corporação seja notificada, o MP faça seu papel pelo controle externo da polícia e aja para que não só o agente seja punido como a própria instituição”, conclui.
A Ponte questionou a PM-RN sobre o caso supostamente envolvendo o Cabo Frederico e, até o momento, a corporação não se pronunciou se houve quebra de protocolos ou se o policial responderá pelo ato.