Padre Julio Lancellotti foi às redes sociais na manhã desta quinta-feira (18) denunciar ação. Mais cedo prefeito Bruno Covas disse que é “inviável” decretar lockdown na cidade pelo baixo efetivo da Guarda Civil
Em meio ao pior momento da pandemia do novo coronavírus no estado de São Paulo, que ultrapassa uma média de 421 mortes por dia e já soma 65,5 mil mortos de acordo com dados do governo de SP, a Pastoral do Povo de Rua foi às ruas da Luz, na região central da cidade de SP, nesta quinta-feira (18/3) entregar alimentos para a população em situação de rua.
Apesar da boa intenção, a pastoral foi recebida com intimidações de profissionais da Polícia Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do ‘rapa’ (como é chamado o serviço de limpeza da Prefeitura pelos frequentadores do local). Em um vídeo divulgado pelo padre nas redes sociais é possível ver agentes da GCM retirando móveis da população em situação de rua.
Em entrevista à Ponte, o padre Julio Lancellotti afirmou que na hora da distribuição de alimentos, os agentes da GCM e da prefeitura retiraram documentos das pessoas em situação de rua. “Bem na hora da partilha, na entrega dos alimentos, eles ficaram nos intimidando. Pegaram documentos das pessoas, depois dificultaram a devolução dos documentos. Avisei que era ilegal, que eles não poderiam pegar documentos. Estão nos intimidando porque eles não querem as doações e aí eles alegam mil coisas, porque junta pessoas. Realmente estamos vivendo uma crise humanitária e cada dia aumenta mais o número de pessoas que não têm como se alimentar”.
Em outro vídeo encaminhado à Ponte, um policial militar proíbe um agente da pastoral de filmar o diálogo. “Se você filmar eu vou fazer a ação até o final, ai eu apreendo a Kombi”, diz o policial. A Constituição brasileira garante o direito de filmar e fotografar a polícia em locais públicos e nenhum policial pode obrigar uma pessoa a parar a gravação ou apagar as imagens.
Segundo o padre Julio, o policial pediu a um dos agentes da pastoral para mostrar seu documento, além de pedir que eles fossem conversar longe do grupo de doações. “Pediram o documento do agente da pastoral e o chamaram para entrar em uma esquina, o agente disse que não iria pois não queria sair do raio de visão do grupo. Depois, os policiais implicaram com o carro. Querem nos intimidar, tirar a pessoa do raio de visão do grupo”, crítica.
Padre Julio conta que não entende a utilidade do grande contingente de profissionais da segurança pública. “Colocam dificuldades, pedem documentos nossos. Hoje estava a GCM, PM e o rapa, a GCM faz a proteção para o rapa, e a PM para a GCM, não sabemos. Da pastoral são cinco agentes, os irmãos de rua são muitos. É um ambiente aberto, procuramos ser rápidos para eles passarem depressa, eles estão com fome e vêm mesmo, quando tem perua da pastoral eles vêm todos correndo”.
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Segundo uma estimativa da Prefeitura de SP, em 2019 houve um aumento de 53% na população de rua na capital, passando de quase 16 mil em 2015 para 24.300 em 2019.
Dados do governo federal mostram um número maior: em dezembro de 2019 eram 33.292 famílias sem-teto na capital paulista, segundo o Cadastro Único, sistema do Ministério da Cidadania.
Em entrevista à GloboNews na manhã desta quinta-feira (18/3), o prefeito Bruno Covas (PSDB) afirmou que é “inviável” decretar um lockdown no município pela falta de efetivo da Guarda Civil. “A gente tem 1.000 guardas da GCM (Guarda Civil Metropolitana). É inviável fiscalizar se as pessoas estão saindo de casa com mil guardas”,
Nesse sentido, o padre Julio Lancelloti rechaça a inércia da Prefeitura no tratamento à população em situação de rua durante a pandemia e o crescimento do desemprego. “A Prefeitura não ampliou nada, continua fazendo o que sempre fez. Então aumenta a população de rua, a necessidade e as respostas são as mesmas. Mesmo que faça o lockdown, o que vai fazer com essas pessoas? Qual proteção social vai ser dada a elas? Essa população que a gente convive na rua não é elegível para nenhum programa da Prefeitura. Nos hotéis o que eles conseguiram colocar foram pessoas com mais de 60 anos e só homens, mulheres com crianças não foram”.
“O que sentimos é uma tentativa de fazer com que os próximos grupos deixem de socorrer essa população. Muitos grupos por conta da restrição não estão indo, mas se olhar a cidade hoje como um todo, é uma calamidade, é uma crise humanitária”, finaliza o padre.
Até a publicação da reportagem, a Prefeitura de São Paulo afirmou em nota que “os agentes realizaram as ações de limpeza normalmente conforme a ação mostrada no vídeo. Em nenhum momento foi constatada intimidação ou qualquer tipo de represália às pessoas que ali estavam distribuindo alimentação. O lixo deixado na via após a distribuição foi recolhido pela equipe de limpeza. A Secretaria Municipal de Segurança Urbana informa que as equipes da Guarda Civil Metropolitana realizam a segurança dos agentes da Subprefeitura durante as ações de zeladoria urbana na região, de forma a manter o espaço público limpo e acessível à população”.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que a Polícia Militar atuava em apoio à GCM e aos agentes da Prefeitura, durante ação de limpeza no local. “Conforme é possível observar nas imagens, os agentes da Prefeitura retiravam móveis velhos e lixo de sobre a calçada. Durante a ação de zeladoria, voluntários entregavam alimento para os moradores de rua. Não houve nenhuma intervenção ou impedimento da PM junto aos voluntários”.
A SSP não disse quem era o policial que aparece no vídeo.
Atualização às 14h03 de sexta-feira (19/3) para incluir as respostas da SSP e da Prefeitura de SP.