Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação mostram que, de maio até início de dezembro, foram 29 operações com munição desse tipo na região
Desde a mega operação policial realizada da Cracolândia, na Luz, região central de São Paulo, no dia 21 de maio de 2017, uma rotina de violência se instalou na área. Em média, a Polícia Militar de São Paulo faz uma operação com bombas de gás lacrimogêneo a cada sete dias. Segundo a corporação, foram realizadas 29 intervenções com o uso da munição química desde operação até o último dia 6 de dezembro. As informações foram dadas pelo Comando de Policiamento da Capital (CPC) e o Centro de Inteligência da PM através da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Além do uso do armamento não letal – bombas de gás, spray de pimenta e bala de borracha -, um grande número de prisões tem sido feito na região. Apesar da maior justificativa para as ações ser o combate ao tráfico de drogas, muitas pessoas são levadas à delegacia sob outras justificativas. Entre o dia 21 de maio e 10 de setembro, 37 pessoas haviam sido presas por uso de drogas, 25 por desacato, 5 por desobediência e 14 por resistência. As informações foram obtidas a partir dos boletins de ocorrência fornecidos a partir de solicitação via LAI.
No final da tarde da última quarta-feira (10), as bombas de gás atingiram não só os usuários de crack, mas os passageiros que tentavam embarcar nos trens da Estação Julio Prestes. Uma mulher foi levada de ambulância ao pronto-socorro depois de passar mal com os efeitos da munição química. Alguns usuários foram feridos com os disparos de balas de borracha. Com o tumulto, o comércio fechou as portas.
Na ação feita em maio, foi dispersado o chamado fluxo – termo usado para designar a concentração de usuários de drogas no local, onde há venda e uso de crack – que estava na esquina da Alameda Dino Bueno com a Rua Helvetia. Após a operação, que mobilizou quase mil policiais, cachorros e atiradores de elite, a aglomeração de pessoas que vivem e frequentam a região foi deslocada para outros três pontos – um deles foi a praça Princesa Isabel, também alvo de várias operações – antes de se fixar, no final de agosto, na Praça do Cachimbo, em frente a Estação Julio Prestes, onde está atualmente.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo diz que, desde a operação de maio, apoiou a Guarda Civil Metropolitana (GCM) em mais de 400 ações para abordar “pessoas que estão em atitude suspeita no entorno da concentração do fluxo de usuários”. Segundo o órgão, a intenção é reduzir o tráfico de drogas na região. Nessas ocasiões, a secretaria afirma que frequentemente os agentes são agredidos com “pedradas e tijolos” e, por isso, é usada a munição química para controle dos tumultos.
Para o coordenador científico da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, Maurício Fiore, as ações constantes fazem parte de uma estratégia de dispersar os usuários para sustentar o discurso político da administração municipal e governo estadual. Logo após a ação policial de maio, o prefeito João Doria chegou a anunciar o fim da Cracolândia.
“A ideia é ir cansando e usando esse tipo de recurso da polícia, com invasão e bomba, para diminuir o número de pessoas na região. E talvez com o tempo, com esse condomínio que está sendo construído por uma PPP [Parceria Público Privada], tirar a concentração maior dos usuários daquela região e espalhá-los de alguma forma, já que não vão desaparecer”, ressaltou. Está prevista para abril a entrega de 1,2 mil apartamentos do conjunto habitacional que está sendo construído a cerca de 200 metros de onde os usuários estão concentrados atualmente.
Há ainda, na avaliação de Fiore, semelhança no que foi feito em janeiro de 2012, sob a gestão do então prefeito Gilberto Kassab. “Sobrou um pouco daquela lógica da primeira Operação Sufoco, da dor e sofrimento. Então, você aumenta a dor das pessoas de estarem na rua, naquela região, e elas procurariam essa ajuda, a internação”, diz sobre como o foco é tirar as pessoas daquele local. “É uma disputa pelo espaço”, enfatiza.
A estratégia que está sendo empregada, no entanto, dificulta, na avaliação de Fiore, a implementação de políticas que melhorem as condições de vida dos residentes e frequentadores da Cracolândia. “De cuidado às pessoas ela não tem nada. Ela vai aumentar a desconfiança em relação às equipes que já atuam ali. Vai provocar mais trauma nessas pessoas. Vai aumentar a marginalização que é justamente o que faz com que aquelas pessoas tenham esse comportamento mais autodestrutivo”, criticou.
Desde o início do ano passado, quando assumiu a prefeitura, João Doria vem encerrando as ações do programa “De Braços Abertos” que, baseado nos princípios da redução de danos, oferecia moradia e renda para os usuários de drogas. A administração municipal elaborou, em contrapartida, o programa Redenção, que tem como um dos focos a internação para desintoxicação. Segundo a prefeitura, 3,3 mil pessoas já foram encaminhadas para leitos hospitalares e comunidades terapêuticas. A reportagem da Ponte, no entanto, mostrou que o os dois programas perderam musculatura, entre outras coisas, por falhas de gestão e de estrutura, que fizeram com que funcionários da assistência social e da saúde, ligados a uma OS terceirizada que presta serviço para a prefeitura desde a gestão Haddad, entrassem em greve em dezembro.
A nova iniciativa municipal tem princípios razoáveis, na opinião de Fiore, que, no entanto, não estão sendo seguidos na prática. “Princípios gerais que são interessantes, que seguem premissas de direitos humanos, não têm a internação como único recurso de política pública. Mas na prática você não vê isso com aquelas pessoas”, ponderou.
Na região da Cracolândia, são mantidas três estruturas que oferecem espaço para descanso, banho, refeições e banheiros. Juntos, os três equipamentos ofereceram, segundo a prefeitura, 391 mil atendimentos em algum dos serviços desde 21 de maio.
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