Mulher de 27 anos disse que tinha relacionamento com cabo Julio Cesar de Souza, que é casado, e que ele prometia se separar para ficar com ela; discussão, briga e agressões aconteceram na residência do casal, em Piquete (SP)
Ana (nome fictício), 27, diz que tem dificuldade de ver as marcas roxas no corpo e de ouvir a gravação em áudio que fez quando foi chamada para ir à casa do cabo Julio Cesar de Souza, 47, e da esposa dele, Edna Mara de Souza, na cidade de Piquete, a 180 quilômetros da capital paulista. Ela denuncia que o policial, com quem matinha relacionamento há oito anos, a enforcou enquanto Edna a agrediu com um pedaço de madeira, em 17 de agosto.
O cabo é lotado na 1ª Companhia do 46º Batalhão de Polícia Militar do Interior, que fica em São José dos Campos, onde a vítima mora e se conheceram. “A gente começou a namorar quando eu tinha 18 anos”, conta. “No começo, ele falava que o nome dele era André Luiz de Souza e eu acreditei nisso. Eu não sabia que ele era casado. Passou um tempo, a mulher dele descobriu, foi um alvoroço todo, mas mesmo assim a gente ficou junto, ele disse que ia se separar. Isso tem uns dois anos para cá”, prossegue.
Ela aponta que o empecilho que Julio colocava era a realização de divórcio e separação de bens com a esposa, com quem tem um filho menor de idade. Ana e ele ainda se encontravam. “Ele dizia que ela [esposa] batia o pé de que não queria sair da casa”, afirma.
Segundo ela, o cenário que antecedeu a agressão foi seu aniversário, no mês passado. “Ele estava em casa, deu mais ou menos 1h30 da manhã, ele disse que estava passando mal e pediu para eu levar ele até a companhia [da PM], que é onde ele trabalha. Eu levei ele lá e quando retornei para a minha casa, fui mexer no telefone que despertou e eu vi que tinha duas ligações do número dela. Eu voltei para a companhia de novo e perguntei [para ele] por que ela estava me ligando: ‘vocês dois não estavam em processo de separação? O que ela quer?’ Ele disse ‘não sei’ e eu não respondi ela, não perguntei [para ela] por que estava ligando”, relata.
Depois de uns dias, Ana afirma que insistiu para que Julio resolvesse a situação com a esposa. “‘Ou você resolve sua vida ou você fica lá ou aqui porque desse jeito não dá mais’ e falei que não queria mais [o relacionamento]”, continua.
No começo deste mês, ela conta que Julio teria ido a um evento de venda de itens para cavalos e passou a mandar mensagens para que ela o acompanhasse. “Eu falei que ‘não tenho dinheiro para estar aí e também não iria’ e depois ele mandou mais algumas mensagens, mas como eu estava em uma festa, não dei mais atenção'”, afirma.
Depois, ela detectou três ligações do número dele e acredita que tenha sido a esposa. “Mais tarde, ele manda ‘amor, tá aí? deu BO aqui’, eu perguntei o que aconteceu e ele disse ‘depois eu te falo'”. A esposa ainda teria discutido com ela por telefone depois.
Mais uma vez, Ana relata que insistiu para que Julio resolvesse a situação, e que o PM prometeu que iria morar com ela em São José dos Campos. No dia 16 de agosto, ela aponta que ligou para o cabo e percebeu que o telefone estava no viva-voz. “Eu falei para ele tirar do viva-voz e daí eu escuto ela [Edna] falando ‘o que você quer com ele, vadia?'” e começou uma discussão por telefone, com xingamentos mútuos.
“Eu acabei falando que estava perto da casa deles e ela disse ‘eu duvido você passar aqui’ e eu falei que não tinha nada para falar com ela, mas eu saí para trabalhar e coloquei na cabeça que tinha que resolver essa situação. Então, eu fui trabalhar e passei lá, mandei mensagem para os dois dizendo que estava na porta da casa”, conta Ana.
“Eu cheguei lá, ele falou ‘o que você quer?’ e eu disse que fui para resolver, ele já foi me puxando pelo braço lá para dentro [da residência, dizendo] ‘não vamo ficar fora por causa dos vizinhos'”, conta. “Quando eu entro para dentro, ele tranca o portão. Ela vai para lavanderia e diz que os dois que têm que conversar”.
A partir desse trecho, o celular começa a gravar o áudio, em que Julio diz várias vezes “segue sua vida”, eles começam uma discussão em que a esposa acaba aparecendo depois questionando onde Ana tinha se encontrado com Julio em uma ocasião específica e ela começa a mexer no celular, momento em que Edna puxa o aparelho dela e começa a confusão.
Ana afirma que tentou buscar o celular, mas o policial deu um mata-leão nela e, em seguida, Edna apareceu com um pedaço de madeira e começou a agredi-la. “Ele colocou a mão na minha boca para eu não gritar, eu mordi o dedo dele”, denuncia. Depois, tentaram expulsá-la da casa, mas ela disse que sairia quando devolvessem o celular. “Ele colocou o celular na mesa e quando eu fui pegar, ele me empurrou.”
Em seguida, ela pegou a pistola dele que estava ao lado, correu, mas foi impedida e afirma que foi enforcada por ele e que perdeu a consciência por alguns instantes. No áudio, ela grita por socorro e diz que vai desmaiar. Ele devolve o aparelho que foi quebrado por esposa e a tira para fora da residência. Ana foi amparada por uma vizinha e no mesmo dia registrou boletim de ocorrência por lesão corporal.
Ela representou contra os dois pelo crime de lesão corporal na delegacia de Piquete três dias depois e fez exame de corpo de delito. “Eu nunca imaginei que ele fosse fazer isso, é difícil até de ouvir o áudio e lembrar”, afirma. Ana disse que pediu medida protetiva, mas ainda não teve retorno. “Eu recebi três ligações de número desconhecido e privado, então eu acho que era ele porque era assim que ele se comunicava”.
A Ponte questionou a assessoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que respondeu que esse tipo de pedido tramita em sigilo, por isso não teria como consultar. A regra é de que seja concedida em até 48 horas.
A reportagem procurou Julio e Edna, por mensagem e por telefone. Edna atendeu à ligação dizendo que desconhece a vítima e negou que tenha a agredido. “Vou ligar para o meu advogado para apurar sobre isso porque eu não tenho conhecimento”, declarou. Já o policial não respondeu nem atendeu às ligações.
O que diz a polícia
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública sobre a apuração do caso, que encaminhou a seguinte nota:
O caso segue sendo investigado, sob sigilo, pela Polícia Civil de Piquete. A autoridade policial realiza diligências e trabalha para o total esclarecimento dos fatos.