PM que matou jovem na porta de casa em SP é solto

Tanto Justiça militar quanto Justiça comum entendem que Marcos de Meira Santos deve responder ao processo em liberdade. Ele matou Mara Oliveira de Lima, 19 anos, ao atirar contra um suspeito durante perseguição a pé

A estudante Mara Oliveira de Lima, 19 anos, foi morta por um tiro da PM na porta de sua casa na zona sul da cidade de São Paulo | Foto: Arquivo pessoal

Para o Ministério Público do Estado de São Paulo, o PM Marcos de Meira Santos, 24 anos, policial militar da 3ª Companha do 16º Batalhão da Polícia Militar da capital, não teve intenção de matar a estudante Mara Oliveira de Lima, 19 anos, mas errou ao atirar em uma rua com civis num domingo a tarde. Apesar disso, o policial responde o processo em liberdade, após decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Tribunal de Justiça Militar.

A jovem morreu em frente a sua casa, no Campo Limpo, zona sul da cidade de São Paulo, em 7 de fevereiro, por volta das 14h, quando o PM Meira perseguia um suspeito e atirou em direção ao homem, atingindo Mara com um tiro na barriga. Apesar de ter sido socorrida, ela não aguentou e morreu no Hospital Campo Limpo.

No relatório de investigação, o delegado Thiago de Souza Delgado, do DHPP (Departamento Homicídios e Proteção à Pessoa), informou que a equipe ouviu testemunhas na viela Dois Irmãos, no Campo Limpo, local em que Mara foi morta pela PM, alegando que viram dois policiais correndo atrás de uma pessoa e ouviram alguns disparos efetuados pelos PMs. Mara foi atingida com um desses tiros.

O DHPP afirmou que o disparo que atingiu a jovem saiu da arma do PM Marcos de Meira Santos. No documento também constam fotos do local do crime, inclusive a visão que a monitora escolar Marina Oliveira Cordeiro, 21 anos, irmã mais velha de Mara, teve da ação da PM.

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Em 8 de fevereiro, o promotor Carlos Alberto Pereira Leitão Junior, do Ministério Público, se manifestou pela não manutenção da prisão em flagrante do PM Meira, considerando que, em uma primeira análise, era o caso de aplicar uma medida alternativa à prisão, como a fiança.

Disse, ainda, que era necessário esclarecer a “dinâmica real dos fatos” e a alegação de legítima defesa. O promotor também disse que “não pode ser desconsiderado que o averiguado prestou imediato socorro à vítima”, alegando que, por isso, não solicitaria a prisão cautelar do PM.

À esquerda, visão da cozinha da irmã de Mara. À direita, banco onde Mara estava sentada quando for morta | Fotos: DHPP

No mesmo dia, a juíza Thais Fortunato Bim, da Vara de Plantão do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liberdade provisória ao PM Meira, alegando que, mesmo com a gravidade do fato, o PM é réu primário e que as circunstâncias para a prisão em flagrante não eram suficientes.

“Consta nos autos que o policial militar indiciado visualizou indivíduo em via pública com um volume na cintura, o qual desobedeceu a ordem de parada e teria colocado a mão na cintura, como se estivesse portando arma de fogo, tendo então o indiciado [PM Meira] efetuado três disparos, por temer agressão injusta atingindo um dos disparos, a vítima Mara, que veio a falecer”, completou a juíza.

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Com isso, a juíza Thais defendeu a tese de que não era o caso de o PM seguir preso pelo crime, concedendo liberdade provisória e pedindo que, mensalmente, o PM compareça em juízo para justificar suas atividades, proibindo que o PM fique mais de oito dias longe de sua residência sem aviso prévio, obrigando que ele mantenha seu endereço atualizado e que ele fique dentro de casa no período noturno, das 22h às 6h, e nos dias de folga.

Contrariando a Justiça comum, o Tribunal de Justiça Militar, ainda no dia 8 de fevereiro, por meio do juiz Enio Luiz Rossetto, da 3ª Auditoria do TJM, mandou as autoridades policiais a efetuarem novamente a prisão do PM Meira e o encaminharem o policial para o Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte da cidade de São Paulo.

Para o juiz militar, após analisar o IPM (Inquérito Policial Militar), a prisão em flagrante deveria ser convertida em preventiva. O juiz classifica o crime como homicídio doloso com dolo eventual, ou seja, para ele o PM Meira não teve a intenção de matar, mas assumiu esse risco ao atirar contra o suspeito em uma via pública próximo de outras pessoas.

Mara deixou um filho de três anos | Foto: Arquivo pessoal

“A vítima atingida é civil. A liberdade do preso gera abalo à ordem pública e à conveniência da instrução criminal. Diante do exposto, requereu a conversão da prisão em flagrante para preventiva e remessa dos autos à Justiça Comum Estadual”, apontou o juiz Rossetto na decisão da audiência de custória do PM.

Após decisão do TJM, em 10 de fevereiro a promotora Renata Cristina de Oliveira Mayer, do MP-SP, denunciou o PM Meira. Para a promotora, ainda que o PM afirme legítima defesa, “as provas até o momento amealhadas colocam em séria dúvida a sua versão”.

“O crime praticado pelo denunciado é extremamente grave e demonstram uma agressividade exacerbada de sua parte, na medida em que, sem nem mesmo ter certeza que o suposto volume que o individuo trazia na cintura era uma arma de fogo, passou a efetuar disparos contra ele em uma via pública movimentada e no meio da tarde de um domingo”, completou a promotora Mayer.

Foto da carteira funcional do PM Meira anexada ao processo

Segundo relatado pelo PM Meira e pelo PM Oneilton Alves de Souza, 32 anos, que também participou da ação, eles atendiam uma ocorrência quando viram um homem com “volume suspeito na cintura” e “acreditando que poderia se tratar de uma arma resolveram pela abordagem”. O PM Meira desceu da viatura e o suspeito teria fugido para o beco, fazendo menção de que sacaria o objeto que estava na cintura e o PM efetuou três disparos, um deles atingiu Mara.

A monitora escolar Marina Oliveira Cordeiro, 21 anos, irmã mais velha de Mara, porém, conta outra versão. Marina estava na cozinha, fazendo almoço, quando um primo disse que a PM estava na rua. “Olhei pela janela, vi os policiais parando o carro, o passageiro desceu e foi na direção desse menino. O menino saiu correndo e o policial atirou. Minha irmã tava sentada na frente de casa. Eu vi o clarão, o barulho e a fumaça”, disse à Ponte em 9 de fevereiro.

“Saí da janela e fiquei gritando a minha irmã porque achei estranho ela não entrar em casa. Eu fiquei desesperada, gritando o nome dela. Aí quando eu vi, minha irmã tava sentada, com a mão na barriga. Eu saí correndo e fui chamar a minha mãe. O menino não estava armado, só estava com o celular na mão”, completou.

Segundo o IPM, do 16º Batalhão da PM da capital paulista, assinado pelo tenente Tiago Silva Gurdos, o PM Meira não tinha intenção de atingir Mara, mas “no entendimento deste oficial agiu com imperícia caracterizando a culpa do agente”.

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Em 15 de fevereiro, porém, o TJM concedeu o direito ao PM em responder o processo em liberdade. O alvará de soltura foi concedido pelo juiz relator Orlando Eduardo Geraldi após a defesa do policial, feita pelos advogados Cleiton Leal Guedes e Décio Alexandre da Silva, que solicitaram que Meira respondesse em liberdade já que em nenhum momento as testemunhas relataram qualquer ameaça e que as testemunhas afirmam que o suspeito não parou quando o PM solicitou. O policial segue solto desde então.

A juíza Marcela Raia de Sant’Anna recebeu a denúncia em 15 de fevereiro. Na decisão, a magistrada aceitou a denúncia contra o PM Meira, “diante da prova da materialidade do crime e indícios de autoria”. Porém, a juíza afirmou que “o réu é primário, sem antecedentes criminais e a dinâmica dos fatos será melhor esclarecida no curso da instrução processual, não havendo razões, por ora, para a decretação da prisão preventiva”.

À Ponte, a cozinheira Flanilda Oliveira de Lima, 36 anos, mãe de Mara, questiona o entendimento divergente da Justiça comum e da militar. “É estranho, porque uma quer soltar e a outra quer prender se é tudo justiça? Não consigo compreender isso. Uma enxerga que ele fez o mal e a outra não”.

Dona Flanilda afirma que só quer justiça pela morte da filha mais nova. “A gente só espera por justiça. Espero que não fique impune, porque a minha filha é só mais uma vítima do Estado. Quantas Maras vão morrer mais? Quantos adolescentes vão morrer na mão de policiais despreparados?”, questiona.

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“Nada vai trazer minha filha de volta. Os domingos já não são iguais, é difícil. Vai chegando domingo, se aproximando a hora e aí vem a lembrança de tudo que aconteceu. Meu neto pergunta dela. Tá sendo muito doloroso”, finaliza.

Outro lado

Questionadas sobre a permanência do PM Marcos de Meira Santos, as assessorias da Secretaria da Segurança Pública e da Polícia Militar informaram que o posicionamento era o mesmo enviado no dia 10/2, quando disseram que “o policial militar autor do disparo foi preso em flagrante. O caso é investigado pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa. Diligências estão em andamento para apurar todas as circunstâncias da ocorrência. A Polícia Militar também apura o caso”.

SSP e PM não responderam ao pedido de entrevista com o PM Meira e também não responderam as seguintes perguntas:

1) O PM permanecerá na corporação mesmo após o pedido de prisão feito pelo TJM?
2) É prática da PM atirar em ruas estreitas com civis na rua?
3) Se o suspeito correu para o caminho oposto dos PMs, a prática é atirar mesmo assim e não tentar imobiliza-lo?
4) Por qual motivo o delegado descartou a versão da irmã da vítima, morta sem motivo na porta de casa, e registrou o caso como legítima defesa?
5) Qual será a reparação do Estado para a família de Mara?

Também procuramos por e-mail o advogado Cleiton Leal Guedes, responsável pela defesa do PM Marcos de Meira Santos, por duas vezes, a primeira no dia 9/2 e a segunda no dia 22/2, e aguardamos retorno.

ERRATA: Uma versão anterior desta reportagem explicava erroneamente o coneito de homicídio doloso. O erro foi corrigido às 15h28 do dia 24/2/2021.

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