Segundo o Ministério Público, sargento Eduardo Araujo executou Rogerio Andrade Jesus e soldado Augusto Oliveira o ajudou tapar as câmeras nas fardas para forjar cenário e apreensão de arma no Guarujá (SP)
O Tribunal de Justiça de São Paulo tornou dois policiais militares réus pela morte de Rogerio de Andrade Jesus, de 50 anos, no Guarujá, no litoral paulista, em 30 de julho, no segundo dia da Operação Escudo. A decisão é desta nesta terça-feira (19/12).
O sargento Eduardo Freitas de Araujo e o soldado Augusto Vinicius Santos de Oliveira, ambos da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), foram acusados de homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível), por recurso que impossibilitou a defesa da vítima e com abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo. Esses agravantes podem aumentar a pena, caso condenados, para 12 a 30 anos de prisão.
Segundo o Ministério Público estadual (MPSP), que fez a acusação, Eduardo Araujo disparou contra Rogério e Augusto Oliveira o auxiliou ao “obstruir sua câmera operacional portátil (COP) para que nada fosse filmado e em forjar a existência de uma arma de fogo que estaria na posse da vítima”.
A Promotoria de Justiça do Tribunal do Júri e do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do MPSP havia pedido que os PMs fossem completamente afastados das funções da corporação, tanto das ruas quanto de forma administrativa para responder ao processo.
Mas o juiz Edmilson Rosa dos Santos acatou parcialmente, determinando que a dupla ficasse fora das ruas e permanecesse em trabalho administrativo interno, por considerar medida “excessiva” pois não havia conduta “desabonadora” dos policiais, o procedimento administrativo disciplinar ainda não ter sido concluído, existir a presunção de inocência e “necessidade de se preservar a continuidade de serviços públicos essenciais”.
Por outro lado, Eduardo e Augusto não poderão trabalhar como policiais no Guarujá, não devem ter contato com as testemunhas ou vitimas do processo, devendo manter distância mínima de 300 metros delas e igualmente do local dos fatos.
Os promotores Marcio Leandro Figueroa, Danilo Orlando Pugliesi e Francine Pereira Sanches apontaram que, por volta das 7h27, a equipe de policiais estava fazendo um patrulhamento no Morro do Macaco, no bairro da Vila Izilda. Eduardo Araujo seguiu até o endereço de Rogério, após ter ter conversado com um vizinho que disse não saber quem morava naquela casa.
O sargento “se posicionou em frente à casa, onde ficou por cerca de 01 (um) minuto, tentando, sem sucesso, ver o que havia dentro, puxando, para tanto, a janela com a sua mão”. Eduardo se colocou ao lado da porta da casa da vítima enquanto o soldado se posicionou atrás dele. Outros dois policiais ficaram na retaguarda.
A partir da análise das câmeras nas fardas usadas pelos policiais, os promotores descreveram que Eduardo, ao conseguir visualizar o interior da casa de Rogério, abriu a porta, posicionou o fuzil com seu corpo e apontou para dentro da residência. “Passados cerca de 28 (vinte oito) segundos, Eduardo de Freitas Araújo, sem qualquer fato prévio que ensejasse imediata resposta e sem adotar qualquer outra forma para assegurar que o morador do local não se evadiria, ainda que ausente qualquer indício de flagrante delito, efetuou um disparo de fuzil, que atingiu a região torácica anterior da vítima, ocasionando a sua morte”, descreveram os promotores.
Depois de disparar, segundo a denúncia, o sargento entrou na casa e se colocou na posição lateral “de modo que a câmera corporal não captasse as imagens do ofendido alvejado e filmasse a inexistência da pistola atribuída ao ofendido”. O soldado Augusto Araujo também teria impedido que Rogério fosse captado pela sua câmera, entra na residência e “simula que apreendeu a pistola supostamente usada pelo ofendido, permanecendo com a câmera obstruída e, em determinado momento, após afirmar que desarmou a vítima, ficou em pé, imóvel, de frente a uma parede, escondendo o que se passava às suas costas”.
Eduardo “ainda evitando posicionar a câmera na direção da vítima, coloca um objeto sobre o armário, conduta captada pela sombra que se projeta na parede”. Depois, com as câmera registrando toda a ação, “vai em direção ao armário onde momentos antes havia deixado o objeto e recolhe um colete balístico, que posteriormente foi, além da pistola, atribuído como sendo de propriedade da vítima”.
Para o MPSP, o colete foi levado pelos policiais para ser “plantado” no local, já que as imagens indicam que o sargento colocou o colete embaixo da sua capa, “o que lhe causou um aumento de volume nas costas, fato que evidenciou não se tratar do seu equipamento padrão”. Os equipamentos também gravaram a capa de Eduardo aberta ao sair da residência.
Os promotores afirmam que as câmeras não registraram como as drogas apreendidas foram localizadas e que a bala que atingiu Rogério não foi encontrada pela perícia feita pela Polícia Científica, o que dificultou “traçar a trajetória do disparo e a posição do ofendido quando foi atingido”.
Para eles, os policiais agiram com o objetivo de vingar a morte do soldado Patrick Reis, que também integrava a Rota e cujo assassinato desencadeou a Operação Escudo, em 28 de julho.
No boletim de ocorrência, o sargento Eduardo disse que viu “um indivíduo armado com uma pistola” e “verbalizou imediatamente para ele largar a arma, mas ele não largou” e deu um disparo de fuzil 762. O soldado Augusto disse que ouviu o colega dizer “polícia, larga a arma, larga a arma” e na sequência um disparo de arma de fogo, mas não conseguiu ver o homem porque estava atrás do sargento e que depois do disparo viu Rogério com uma arma e a pegou. O sargento disse que acionou o resgate, mas “demorou uns 50 minutos para o Samu chegar, pois é área de comunidade”. Essas versões não teriam se sustentando, segundo o MP.
Por outro lado, o órgão pediu o arquivamento do caso em relação aos outros dois policiais que integravam a equipe: os soldados Augusto Vinicius Santos de Oliveira e Vitor Nigro Vendetti Pereira. Os promotores entenderam que eles não participaram do homicídio nem contribuíram para dissimular a cena, pois estavam distantes, em posição de retaguarda e não havia indícios de que participaram dos crimes, o que foi acatado pelo juiz.
A morte de Rogerio aconteceu no segundo dia da Operação Escudo. Após 40 dias, a operação deixou 28 mortos na Baixada Santista.
Além disso, em meio às mortes da operação, moradores denunciaram execuções, tortura, ameaças, invasões e derrubada de casas pela Operação, apresentadas em relatório preliminar do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que é vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Houve ainda denúncia internacional de organizações ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), celebração de policiais pelas mortes, protestos encabeçados por movimentos sociais pedindo o fim da operação e prisões de pessoas majoritariamente negras sem antecedentes que não cometeram crimes violentos.
De acordo com nota da assessoria nesta terça-feira, o MPSP também pediu o arquivamento da investigação referente a outra morte, “uma vez que a investigação demonstrou que o óbito decorreu de confronto entre os PMs e a vítima, em situação de legítima defesa evidenciada pelas câmeras corporais portadas pelos policiais”. Os detalhes desse caso não foram divulgados.
O Gaesp afirma que também havia aberto 25 procedimentos investigatórios criminais (PICs) para apurar as mortes na operação, além de um inquérito civil (IC) “a respeito do cometimento de atos que eventualmente possam se caracterizar como lesivos aos Direitos Humanos”. Segundo a nota, nesse IC, os promotores fizeram, em setembro, uma recomendação ao secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite e ao comandante-geral da PM coronel Cassio Araujo de Freitas “para que determinassem e assegurassem que todos os policiais militares envolvidos na referida operação portassem câmeras corporais, ainda que os equipamentos não estivessem vinculados às tropas em sua rotina ordinária, ou que utilizassem efetivo proveniente de batalhões que já estivessem contemplados no Programa Olho Vivo, de modo a adequar a ação policial a parâmetros já consignados em precedentes nacionais e internacionais”.
O que diz a polícia
A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública sobre a denúncia. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta encaminhou a seguinte nota:
A SSP analisa a denúncia oferecida pelo Ministério Público e acatada pela Justiça contra dois policiais que participaram da Operação Escudo.
O caso está sendo apurado por meio de um inquérito policial instaurado pela Polícia Civil, por meio de Inquérito Policial Militar (IPM) e procedimento investigatório do Ministério Público, que decorre da força-tarefa constituída para acompanhar a Operação Escudo.
A pasta entende que a promotoria exerce seu papel legal de apresentar uma denúncia-crime mesmo que baseada em indícios, que podem ou não ser confirmados ao final do processo legal. Contudo, é importante salientar que a própria força-tarefa do MP já se pronunciou contrária a outras denúncias contra policiais que participaram da mesma Operação Escudo.
A pasta reforça que a existência da denúncia não desqualifica a operação, que em 40 dias prendeu 976 suspeitos, dos quais 388 eram procurados da Justiça, apreendeu 119 armas e quase uma tonelada de drogas.
Sobre afastamento dos policiais citados, a SSP vai cumprir a determinação judicial.
Reportagem atualizada às 19h24, de 19/12/2023, para incluir resposta da SSP.
Correções
Diferentemente do que estava escrito antes, a decisão não é de 14 de dezembro e sim desta terça-feira (19). O texto do magistrado tem a informação errada ao final, mas na margem do documento dos autos digitais (e na denúncia do Ministério Público) é indicada a data correta. A informação foi corrigida às 19h11, de 19/12/2023.