PMs do Carandiru não podem ter indulto pois cometeram crime mediante grave ameaça, diz MP

Ministério Público recorreu de acórdão do TJ-SP que extinguiu as penas dos 74 condenados pelo massacre na Casa de Detenção de São Paulo, em 1992

Protesto de 2016 em SP pediu justiça para familiares de vítimas do massacre | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) recorreu do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que extinguiu, na quarta-feira (2/10), as penas de todos os policiais condenados pelo massacre do Carandiru.

As penas foram extintas porque o órgão especial do TJ-SP considerou constitucional o indulto concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos agentes em 2022. A 4ª Câmara ratificou a decisão do Órgão Especial do TJ-SP que, em agosto, tinha considerado constitucional o indulto dado por Bolsonaro. O relator do caso foi o desembargador Roberto Porto.

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No embargo de declaração — recurso específico para esclarecer contradição ou omissão —, o promotor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes pede que seja anulada a decisão sob argumento de que os policiais envolvidos não são alvo do indulto já que cometeram crimes mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa. Mauricio também solicitou que o MP-SP possa apresentar manifestação prévia ao julgamento da apelação e apresentar sustentação oral em uma possível sessão presencial ou tele-presencial de julgamento das apelações.

Ao todo, 74 policiais militares foram condenados pelas mortes de 111 presos após rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em 1992. Os júris ocorreram entre 2013 e 2014. Mesmo condenados, os policiais receberam autorização para aguardar a conclusão do processo em liberdade. Somadas, as penas chegam a 624 anos de prisão. Cinco dos 74 condenados já morreram.

O TJ-SP chegou a anular as condenações e determinar novos julgamentos por entender que a acusação não conseguiu apontar exatamente a culpa de cada policial. A decisão foi revertida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, as condenações dadas pelo júri são definitivas e não podem mais ser revertidas. 

“Perdão” constitucional?

O perdão presidencial foi concedido aos agentes da segurança pública que “no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de 30 anos, contados da data de publicação deste decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.

O massacre do Carandiru só foi considerado crime hediondo dois anos após a chacina, o que abriu brecha para que os policiais fossem beneficiados pelo indulto. Em janeiro de 2023, o caso foi remetido à 4ª Câmara de Direito Criminal que, em um primeiro momento, suspendeu os efeitos do indulto até que o STF discutisse sua constitucionalidade.

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Ainda em 2022, a Procuradoria Geral da República (PGR) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF contra o indulto de Bolsonaro — mas ainda não há data para o julgamento. 

A então presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, suspendeu, em liminar, trechos do indulto que perdoavam os agentes de segurança pública envolvidos no massacre. A decisão tinha validade até que o relator do caso, ministro Luiz Fux, analisasse o tema levado ao STF por meio da ADI.

Em junho do mesmo ano, Fux acatou um pedido feito pela Associação Fundo de Auxílio Mútuo dos Militares do Estado de São Paulo (AFAM) e determinou que o Órgão Especial do TJ-SP prosseguisse com o julgamento, independentemente da avaliação do Supremo. No STF, a ADI está parada desde junho esperando uma posição de Luiz Fux. 

Caso o entendimento do STF seja diferente do TJ-SP, abre-se espaço para uma batalha jurídica sobre a validade do indulto, o que pode postergar ainda mais um desfecho.

Para Maíra Zapater, professora de direito penal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ainda não é possível responder o que irá acontecer caso o STF julgue inconstitucional o recurso.

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O correto, argumenta Maíra, seria que o julgamento do STF tivesse ocorrido antes do TJ-SP tomar qualquer decisão. Ela explica que se o Supremo disser que o indulto não vale, essa decisão do TJ também não valeu e as pessoas não estão indultadas. “Por outro lado, esses policiais também são réus e têm direito à defesa e o direito é uma aplicação de uma norma que favoreça essa defesa”, lembra a professora. “Então, como é que a gente vai reverter uma decisão de extinção da punibilidade com base numa decisão, ainda que do Supremo Tribunal Federal? É uma pergunta que fica em aberto.” 

Apagamento 

Para o educador Maurício Monteiro, sobrevivente do massacre e representante da Frente de Sobreviventes do Cárcere, a decisão é outra tentativa de apagamento. Para ele, a proximidade entre o aniversário de 32 anos do massacre e a decisão do TJ-SP não é coincidência. “É um recado que eles querem mandar, mas nós como sociedade não devemos aceitar”, defende. 

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Também sobrevivente do massacre, o pastor Sidney Sales chama a decisão de “escandalosa e inacreditável”. Ele lembra que os presos mortos estavam sob responsabilidade do Estado e ainda tem esperança de que STF determine a responsabilização dos PMs. “Acredito ainda na ‘Justiça do STF’, que não deixará isso passar impune”, acredita. 

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