Silvia Ramos, da Rede de Observatórios da Segurança, questiona se postagens representam cultura da corporação; PM fala em regulamentar uso das redes sociais
Um policial militar, que atua em uma UPP no Morro do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, posta uma foto armado ao lado de uma placa colocada por moradores da favela: “Luto: não abriremos por alguns dias”. Na postagem no seu Instagram, ele coloca um emoticon sorrindo. Na legenda, a frase “morreu mais um ganso”.
Em outra imagem, o mesmo policial, que usa o nome Gomes Predador, é registrado com uma arma e uma faca na mão. Na legenda, a citação de “guerra urbana”. Outro policial, que usa o nome Arthur Neto, e também atua na mesma área, além de dezenas de fotos ostentando suas armas, foi fotografado ao lado de mais dois colegas de trabalho, rindo, ao lado de uma pichação de “vai morre UPP”.
Postagens como essa, de exaltação da violência, brutalidade e preconceito sobre as favelas, apesar de serem “extremamente chocantes, revoltantes e nauseantes”, são “altamente repetitivas”. É o que afirma a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança Pública, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes.
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O questionamento que fica, continua a cientista social, é entender se a corporação da Polícia Militar apoia esse tipo de mensagem. “É impressionante que a corporação não tenha uma política de orientação para esses policiais. Se fossem profissionais de qualquer outra empresa, as empresas ficariam muito preocupadas de ter a sua imagem de empresa associada aos seus funcionários [dessa forma]”.
Ramos questiona se postagens como essas, em que policiais usam fardas e símbolos da PM para propagar “exaltação da violência, do preconceito e do racismo”, representam indivíduos ou a cultura corporação. “É isso que moradores de favelas, que convivem com esses policiais diariamente, em situações de UPP e patrulhamento, se perguntam”, aponta.
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Em nota enviada à Ponte, a assessoria da Polícia Militar informou que “em virtude do aumento expressivo no compartilhamento de conteúdo por parte de policiais militares” notaram a necessidade de “regulamentar a participação do efetivo policial no mundo virtual a fim de evitar distorções em relação ao posicionamento oficial da corporação”.
“O intuito da norma é tão somente o alinhamento institucional, que o policial militar não promova assuntos que possam induzir o público a pensar ser uma manifestação oficial da Corporação, sem prévia autorização”, aponta a PM em nota.
A PM também afirma que “respeita integralmente o direito constitucional de livre manifestação de pensamento” e que essa medida vem para reafirmar o Regulamento Disciplinar, por isso “é preciso autorização prévia para falar pela Instituição”.
Violência policial durante a pandemia
Durante a pandemia do coronavírus, a PM continuou matando nas favelas cariocas. Em maio, segundo o Instituto de Segurança Pública, foram registradas 129 mortes. Isso impulsionou a decisão do STF que proibiu operações policiais nas favelas, após a morte João Pedro, 14 anos, executado com um tiro de fuzil pelas costas durante operação policial no Salgueiro, em São Gonçalo.
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Após a decisão do Supremo, que tinha como objetivo parar a escalada de mortes durante o isolamento social, junho registrou o menor índice mensal desde dezembro de 2015: foram registradas 34 mortes. A queda é de 74% em relação ao mês anterior.
A queda nas mortes provocadas em ações das polícias não produziu aumento da criminalidade. O número de homicídios dolosos ficou em 256 (273 no mês de maio), crimes violentos letais e intencionais foi de 260 (279 em maio) e roubo de carga fechou o mês de junho em 404 (455 em maio).