PMs estacionam em calçadas e atrapalham mobilidade de pessoas com deficiência

Policiais que atrapalham a mobilidade, principalmente de pessoas com deficiência, se tornaram uma cena comum no centro de São Paulo: ‘a polícia não respeita a acessibilidade”, denuncia cadeirante

Viaturas da PM estacionadas sobre guia rebaixada na Avenida Duque de Caxias, no centro de São Paulo.
Viaturas da PM estacionadas sobre guia rebaixada na Avenida Duque de Caxias, no centro de São Paulo | Foto: Luciana Trindade

Policiais militares que estacionam suas viaturas sobre as calçadas, em guias rebaixadas, ou em cima de ciclovias, atrapalhando a mobilidade de quem anda a pé ou de bicicleta, mas principalmente das pessoas com deficiência, se tornaram uma cena comum nas ruas do centro da cidade de São Paulo.

Cansada de ver cenas como essa todos os dias, a ativista e cadeirante Luciana Trindade decidiu denunciar em suas redes sociais, na última sexta-feira (9/12), a presença de um automóvel da PM estacionada em uma guia rebaixada na Avenida Duque de Caxias. Durante a gravação, Luciana diz que todos os dias há uma viatura parada no mesmo local. “Todo dia é isso, eu já falei com o comandante da Polícia Militar aqui do centro de São Paulo”, conta.

À Ponte, Luciana explicou que os PMs lhe disseram que haviam recebido ordens para estacionar no local. “O policial informou para minha mãe, que me acompanhava, que existe uma orientação para que eles fiquem estacionados em cima da guia rebaixada. Quando eu fui confirmar com o policial, ele não quis conversar porque eu estava gravando.”

A ativista relata que já conversou sobre esse problema com o capitão da PM Walter de Lucas Filho, comandante da 2ª Companhia do 7º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (7º BPM/M), mas nada mudou. “Falei com o comandante Lucas, também mandei Whatsapp para ele e a resposta foi de que ele iria conversar comigo, mas que agora no mês de novembro e dezembro ele estaria de férias. Não tem outra pessoa que responda por esse comando, que possa ouvir as demandas das pessoas?”, questiona.

Segundo Luciana, situações como essa se repetem há mais de um ano também com viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e em outros locais do centro, como na Avenida Rio Branco, na Praça da República e no bairro de Santa Cecília.

Nesse cenário, ela denuncia que o uso das guias rebaixadas para estacionar as viaturas soma-se a outras dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, que já sofrem com calçadas esburacadas e mal sinalizadas. “Tem muitos buracos, sem piso tátil para quem é pessoa com deficiência visual, e aí, quando você encontra um veículo estacionado em cima da calçada, obstruindo a sua passagem, você percebe o quanto é negligenciada essa questão da acessibilidade pelo poder público”, reclama.

No caso das pessoas que possuem deficiência visual, o problema é ainda pior. “Aquele limite da guia rebaixada é o limite para poder atravessar a rua, e aí, com o carro parado em cima, a pessoa tem que buscar outra alternativa. Essa pessoa está completamente vulnerável. Quando você não consegue subir pela calçada, você tem que ir pelo meio da rua. A segurança vale mais do que a minha vida?”, pergunta.

Em 2020, a Ponte já havia denunciado uma outra infração de trânsito cometida com regularidade pelos policiais militares no centro de São Paulo: parar com a viatura em cima de ciclovias.

Assim como Luciana, outros pedestres têm denunciado nas redes a presença de viaturas estacionadas em calçadas e guias rebaixadas.

O inciso IX do artigo 181 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que estacionar em guia rebaixada é considerado infração. A penalidade é a multa no valor de R$ 195,23. Já o artigo 29 da mesma legislação regula se os policiais podem estacionar em calçadas. O CTB diz que “a prerrogativa de livre estacionamento será aplicada somente quando os veículos estiverem identificados por dispositivos regulamentares de iluminação intermitente”. 

Élio Jovart Bueno de Camargo, membro da Câmara Temática da Mobilidade a Pé, do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, instância de participação social da Secretaria de Mobilidade e Trânsito da Prefeitura de São Paulo, aponta que a polícia está violando o direito de ir e vir dos cidadãos. “Eles interpretam a livre circulação, estacionamento e parada de modo absoluto: não querem parar em qualquer lugar da via para não atrapalhar o trânsito e então param sobre as calçadas, atrapalhando os pedestres e cadeirantes, e obrigam que estes saiam para a via, colocando-se em perigo”, aponta.

Após as postagens, Luciana afirma ter recebido críticas. “Estão dizendo que eu estou atacando a Polícia Militar. As pessoas não estão entendendo que na verdade eu só quero passar. Eu não quero ter que ficar toda hora pedindo para a polícia retirar o carro de cima da guia rebaixada para eu passar.”

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Oliver Cauã Cauê França Scarcelli, diretor do coletivo Cidadeapé, disse que em 25 de outubro a PM alegou que marcaria uma reunião, mas até o momento não foi agendada. “A gente vê que não tem boa vontade”, lamenta. 

De acordo com Cauã, a situação se repete também na Avenida Paulista. “Eles ficam muitas vezes em cima do piso tátil prejudicando a mobilidade dos pedestres com deficiência visual e aqueles que têm mobilidade mais reduzida. Poderiam fazer uma coisa simples, que é mudar a forma como estaciona o veículo, ou estacioná-lo ao lado, numa vaga de carro.”

O que diz a polícia

Procuradas pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a Prefeitura de São Paulo, do prefeito Ricardo Nunes (MDB), não responderam aos questionamentos enviados. A reportagem também questionou o PM Walter de Lucas Filho via Whatsapp, mas não obteve retorno.

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