Além dessa irregularidade, PMs ameaçaram ‘fazer uma visita’ a dois manifestantes durante abordagem e outro participante do protesto foi agredido no metrô
No lugar da tarjeta, que deve ser afixada por um velcro no colete dos policiais, um espaço vazio. Ou então, códigos impossíveis se serem compreendidos. O Regulamento de Uniformes da Polícia Militar do Estado de São Paulo (RUPM) prevê, em seu artigo 112, no capítulo IX que dispõe sobre a “identificação nominal”, o uso obrigatório de identificação do posto que atua e nome do agente ou o seu registro na corporação – o chamado nome de guerra. Mas durante o ato contra o aumento das tarifas do transporte público, nesta quinta-feira (11/01), a Ponte flagrou policiais da CAEP (Companhia de Ações Especiais da Polícia) retirando as plaquetas do traje próximo ao Terminal de ônibus Parque Dom Pedro II, na região central.
No primeiro protesto organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, policiais vão para o Parque Dom Pedro sem a identificação obrigatória. Nenhum deles explica o motivo. pic.twitter.com/t5EbdZf3oa
— Ponte Jornalismo (@pontejornalismo) 11 de janeiro de 2018
Para a advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal da ONG Artigo 19, Camila Marques, “esconder a identificação representa um cheque em branco para o cometimento de práticas violadoras de direitos, pois o policial sabe que será muito mais difícil que ele seja responsabilizado. Sem falar na mensagem intimidatória que passa ao manifestante, pois uma pessoa que vai a um protesto e vê que os policiais estão sem identificação certamente fica receosa e se sente insegura e isso vai na contramão do próprio dever da polícia que é proteger e garantir a segurança dos indivíduos”.
A norma é determinada pelo decreto nº. 28.057, de 29 de dezembro de 1987. A Lei Orgânica da Polícia Estadual paulista também prevê como transgressão disciplinar se o agente deixa de se identificar “quando solicitado ou quando as circunstâncias exigirem”. O Programa de Apoio Institucional às Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, elaborou uma cartilha sobre abordagem policial que pode ser consultada aqui e que aponta como um direito saber a identificação do policial.
“O funcionário público tem o dever constitucional de garantir a publicidade de todas as suas ações”, enfatiza a representante da Artigo 19. “A polícia precisa entender que faz parte de um Estado Democrático de Direito e que precisa ser controlada e debatida pela sociedade”, complementa.
A Polícia Militar foi questionada, por e-mail, sobre a identificação, mas até o momento não respondeu.
A manifestação começou às 18h no Theatro Municipal e seguiu até o Largo da Concórdia, no Brás, onde finalizou de forma pacífica. Depois que um grupo pulou as catracas na estação Brás da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) – que faz conexão com a estação de metrô de mesmo nome -, policiais militares fecharam o local e dispersaram os manifestantes com tiros de bala de borracha, bombas e gás lacrimogêneo após uma pessoa não identificada jogar uma garrafa plástica em direção aos agentes, que explodiu – o chamado “coquetel molotov”.
Manifestantes foram agredidos diante da estação. As balas de borracha e os estilhaços de bomba disparados pelos PMs também feriram três pessoas de um grupo de cinco amigos que não tinham relação com a manifestação. Eles foram atingidos quando tentavam entrar na estação Brás do metrô.
Após a dispersão, os jovens Victor Murta Longo e Jonathan Gustavo, ambos de 19 anos, seguiam pela Rua do Gasômetro para voltarem para casa, quando policiais da ROCAM os abordaram em motocicletas. Um agente parou Victor usando o veículo contra ele.
“Falei que não estava fazendo nada contra eles, me chamaram de ‘viado’, apertaram minha mão e dobraram meu dedo. Perguntaram onde eu moro e falaram que iam me fazer uma visita, que iam me matar”, denunciou. O amigo dele, Jonathan, disse que foi parado pelos policiais “porque eu estava com uma chave na mão”. “Eles [PMs] tiraram foto do meu RG, que era para eu parar de gritar ‘abaixo a repressão’ porque senão iam me pegar e matar”, contou.
A dupla foi liberada logo em seguida. Os PMs não permitiram que a imprensa acompanhasse mais de perto o momento da revista, como mostrado no vídeo.
O artigo 240 do Código de Processo Penal prevê que as revistas sejam realizadas quando houver “fundada suspeita”, ou seja, “o policial só pode abordar um indivíduo se tiver indícios suficientes de que aquela pessoa possui uma arma ou outro objeto ilícito, por exemplo”, explica advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal da ONG Artigo 19, Camila Marques. Não é ilegal policiais realizarem abordagens na rua sem mandado judicial. “[A fundada suspeita] não pode ser arbitrária, muito menos ser usada como instrumento intimidatório, como muitas vezes vemos”, destaca.
Minutos depois, outro grupo pulou as catracas da estação Pedro II, da Linha 2-Vermelha do Metrô. A reportagem registrou três homens não uniformizados que contiveram as pessoas junto aos seguranças do local. Um homem de camiseta branca passa a agredir e empurrar um rapaz para fora da catraca. Apenas um deles, de camiseta vermelha, se identificou como Sergio e funcionário à paisana da estatal. Ele colocou um jovem negro para fora da catraca, pegou sua mochila e passou a revirá-la. Outro homem, de camisa azul e tatuagem em um dos braços também retira outras pessoas e segura com uma “gravata” o jovem da mochila próximo à cabine da SSO (Sala de Supervisão Operacional) para revistá-lo e comprovar se ele era mesmo o dono do pertence.
A Ponte registrou o momento em que outro usuário discute com o homem que se identifica como Sergio sobre a conduta da revista da mochila. “O senhor se colocando como funcionário, puxando a mochila dele e abrir… Não pode fazer”. O suposto agente responde “Concordo com o senhor. Eu não fiz de forma velada, foi na frente de todo mundo”.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública enviou nota informando que “manifestantes arremessaram objetos, ferindo um policial militar no rosto, sendo necessária intervenção. Os policiais apreenderam também sete coquetéis molotov encontrados no Largo da Concordia. Os objetos foram apresentados no 8º DP (Brás). Sobre a identificação dos policiais, a PM informa que vai apurar a informação. Qualquer denúncia referente à atuação dos mesmos pode ser comunicada à Corregedoria para o esclarecimento dos fatos”.
A assessoria de imprensa do Metrô foi procurada para responder se esses homens sem uniforme da companhia pertencem à empresa, mas ainda não se pronunciou.