Fábio Gambale da Silva, Tyson Oliveira Bastiane, Silvano Clayton Reis, Sílvio André Conceição, Flávio Lapiana de Lima e Samuel Paes vão a júri popular acusados de terem matado Fernando Henrique e Paulo Henrique por motivo torpe, através de um meio cruel e com recurso que dificultou defesa
Seis dos sete policiais militares que mataram Fernando Henrique da Silva e Paulo Henrique Porto de Oliveira, seu amigo de infância, no Butantã, zona oeste de São Paulo, em 7 de setembro do ano passado, serão submetidos a julgamento por júri popular acusados de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima). Fernando foi atirado de um telhado antes de ser alvejado quatro vezes. Eles eram acusados de estar com uma moto que havia sido roubada antes e abandonada.
Fábio Gambale da Silva, Tyson Oliveira Bastiane, Silvano Clayton Reis, Sílvio André Conceição, Flávio Lapiana de Lima e Samuel Paes são os PMs que serão julgados. A policial militar Mariane de Morais Silva Figueiredo, que estava na ação, foi impronunciada e, assim, não será julgada. A juíza Giovanna Christina Colares, da 5ª Vara do Júri do Fórum Criminal Central, entendeu que ela não teve participação na morte das vítimas.
De acordo com a Justiça, os crimes de homicídio contra os suspeitos de roubo foram motivados, primeiramente, por eles terem desafiado o poder dos policiais militares, desrespeitando a ordem de parada. No entanto, segundo a juíza, os PMs foram cruéis por terem executado as vítimas de forma “fria e sádica” e utilizaram “recurso que dificultou a defesa das vítimas”, matando os rapazes “quando estavam absolutamente rendidos”.
A juíza determinou que os réus não poderão aguardar os julgamentos em liberdade. “A custódia cautelar dos acusados justifica-se, notadamente, para que reste garantida a ordem pública, já que se apuram nestes autos as mortes de dois civis praticadas por policiais militares, de quem a sociedade espera justamente a segurança e a ordem”, argumenta Giovanna Colares.
A defesa dos réus Tyson Oliveira Bastiane e Silvano Clayton dos Reis pleiteiam a absolvição sumária dos acusados. A defesa da ré Mariane de Morais Silva Figueiredo, por sua vez, requereu a impronúncia da acusada, o que foi aceito. A defesa do réu Sílvio André Conceição, em suas alegações finais, postulou sua impronúncia, o que não foi aceito. A defesa do réu Samuel Paes pugnou para que seja acolhida a tese de negativa da autoria com a absolvição do acusado. A defesa dos réus Flavio Lapiana de Lima e Fabio Gambale da Silva diz que seus clientes agiram por legítima defesa.
Em outubro do ano passado, o atual Ministro da Justiça, então secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse que “policiais envolvidos em homicídios são criminosos vestidos de farda” e que todos os PMs envolvidos no caso de Fernando e Paulo seriam expulsos da corporação, dependendo da conclusão do procedimento administrativo aberto pela Corregedoria da Polícia Militar.
Na mesma época, o comandante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, fez um alerta à tropa de policiais militares de SP: “Ocorrências forjadas estão levando nossos policiais para a cadeia”. O coronel também afirmou que, “para a Polícia Militar, os danos à imagem podem ser irrecuperáveis [por conta das ocorrências com tiroteio forjados e que resultam em mortes]. E para os policiais militares envolvidos os prejuízos financeiros, emocionais e familiares são incalculáveis”.
O homicídio de Fernando Henrique, segundo a Justiça:
Por volta das 14h37, na rua Maria Burgueta Marcondes Pestana, Butantã, os policiais militares Flávio Lapiana de Lima e Fábio Gambale da Silva, mataram Fernando Henrique da Silva ao jogá-lo do telhado de uma casa e efetuar contra ele disparos de arma de fogo, que lhe causaram as lesões corporais descritas em laudo de exame de corpo do delito, sendo a causa eficiente de sua morte. De acordo com a juíza Giovanna Colares, a ação ocorreu “por motivo torpe, valendo-se de crueldade e de recurso que dificultou a defesa da vítima”.
O policial militar Samuel Paes e outros dois policiais que aparecem nas imagens que revelaram o crime, não identificados, concorreram para a prática do homicídio do rapaz. Segundo a denúncia, a vítima tentava escapar da detenção correndo sobre os telhados de imóveis. Todavia, deparou-se com policiais, dois deles não identificados, que também estavam nos telhados dos imóveis da região buscando detê-la.
Surpreendido pelos policiais, Fernando Henrique teria se rendido. Assim, o policial Samuel Paes passou a revistar a vítima. Com Fernando, não havia nenhuma arma. Na sequência, o rapaz foi lançado de cima do telhado, de uma altura de aproximadamente três metros.
De acordo com a juíza, “no chão, os PMs Flávio Lapiana de Lima e Fábio Gambale da Silva cientes da condição de Fernando (desarmado, rendido), quando este caiu ao solo, efetuaram disparos contra Fernando Henrique, causando nele os ferimentos que foram a causa efetiva de sua morte”. Na imagens, os barulhos dos disparos ecoaram logo na sequência da queda.
Na sentença, a juíza Giovanna Christina Colares, apontou a seguinte fraude processual: Um dos PMs envolvidos, não identificado, alterou a posição do cadáver da vítima, além de tê-lo coberto com um amontoado de jornais a fim de beneficiar os policiais militares Flávio e Fábio. E, assim, consequentemente, induzir a erro o perito criminal, o Ministério Público e o Poder Judiciário.
O homicídio de Paulo Henrique, segundo a Justiça:
Por volta das 14h27, na rua Maria Burgueta Marcondes Pestana, Butantã, os policiais militares Sílvio André Conceição e Mariane de Moraes Silva Figueiredo exigiram que Paulo Henrique parasse de fugir. Sílvio sacou sua arma de fogo e efetuou um disparo, que não atingiu o rapaz, mas fez com que ele se entregasse.
Após a rendição, chegaram ao local os policiais militares Tyson Bastiane e Silvano Clayton dos Reis. Paulo foi algemado pela policial Mariana, que passou a procurar por uma arma pela região. Neste momento, os outros policiais decidiram matar o rapaz. Assim, desalgemaram a vítima e, na sequência, levaram-na até uma esquina, fazendo com que ficasse sentada no chão, de costas para um muro. Neste momento, Tyson sacou sua arma de fogo e efetuou dois disparos contra a vítima que estava cercada e vigiada.
De acordo com a juíza Giovanna Colares, a ação também ocorreu “por motivo torpe, valendo-se de crueldade e de recurso que dificultou a defesa da vítima”.
Na sentença, a magistrada apontou a seguinte fraude processual: Pesa contra os policiais Tyson Oliveira Bastiane, Silvano Clayton dos Reis e Sílvio André Conceição o agravante da fraude processual, na ação que matou Paulo Henrique. De acordo com a juíza Giovanna Colares, eles “inovaram fraudulenta e artificiosamente o estado de coisa, com o fim de induzir a erro o perito criminal, o Ministério Público e o juiz”.
Segundo a denúncia, após os disparos efetuados contra Paulo Henrique, os PMs, com o intuito de forjar versão de legítima defesa, alteraram a cena dos fatos. Silvano dirigiu-se até sua viatura, pegou um pistola calibre .380, retornou para a esquina onde estava Paulo Henrique e a colocou em suas mãos. Tyson e Sílvio acompanharam tudo e nada fizeram. A juíza considerou a ação “fantasiosa”.
Quem era Fernando Henrique?
Fernando Henrique da Silva, de 18 anos, o Fê, é vítima da PM (Polícia Militar) desde antes de ter nascido. Fruto de um estupro praticado por um sargento da PM de Minas Gerais, ficou nacionalmente conhecido ao morrer, sendo atirado por um homem da corporação paulista de um telhado, no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, no feriado de 7 de setembro. Fernando e seu amigo de infância Paulo Henrique Porto de Oliveira, 23, o Paulinho, foram executados, mesmo desarmados.
Filha e neta de policiais de Minas Gerais, a dona de casa Cleusa Glória da Silva tinha o sonho de ser policial militar. “Era o sonho do meu pai também”, diz. Há 18 anos, ao sofrer uma violência sexual de um sargento da PM, se mudou para São Paulo com o seu Fê nos braços. “Ele morreu sem saber disso. Que ele era fruto de estupro”. Aqui, tentou ser PM, mas não conseguiu. Tendo que sustentar a criança recém-nascida, passou a fazer bicos de doméstica. Depois, teve mais três filhos. E o trabalho teve que aumentar ainda mais.
O jovem Fernando passou a infância criado à beira da rodovia Raposo Tavares, na zona oeste da cidade. O garoto estudava o 3º ano do ensino médio quando foi morto. Mas já era formado em um curso técnico de gastronomia e falava aos familiares: “se não der certo ser bombeiro, viro cozinheiro”. Apesar do sonho de seguir a carreira militar – como quase toda sua família seguiu -, decidiu acompanhar os amigos do bairro, que se reuniam – e se reúnem – toda tarde e noite em uma praça na frente de sua casa. Entrou no tráfico. Vendia maconha e cocaína. Ganhava o dobro de um salário mínimo e não tinha que passar pelas dificuldades que todo trabalhador enfrenta, como transporte público ineficiente, por exemplo. Mas o destino, que parecia fácil, se virou contra ele. Foi preso e acabou morto.
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A polícia na praça? Segundo os que ainda estão por ali, só aparece para pegar o dinheiro do tráfico. “A gente dá a fita [o dinheiro] pra eles [policiais] e eles não embaçam na nossa”, diz um rapaz que não será identificado por medidas de segurança. Mas Fernando não contava que sua própria mãe o denunciaria. “Eu chamei a polícia pra prender o meu filho quando ele tinha 17. Você imagina o meu desespero? Pra uma mãe chamar os caras pra perder o próprio filho, é muito amor. Eu queria que ele aprendesse. Tentei dar uma lição pra ele. Mas, infelizmente, a gente não consegue ficar 24 horas com o filho. A gente tem que trazer comida pra dentro de casa. Ele fez a escolha dele. Agora, quem sofre é a gente”, diz Cleusa. “Por favor, se você for divulgar essa nossa conversa, coloca pros meninos que tão nessa vida que saiam. Porque dá pra sair”, pede.
Fernando ficou seis meses preso na Fundação Casa de Franco da Rocha por tráfico de drogas, após a denúncia da mãe. Ao sair, fez alguns trabalhos como servente de pedreiro. Não tinha filhos, mas estava construindo um barraco na mesma região onde morava para viver com a namorada, com quem pretendia constituir uma família. “Moço, hoje eu não tenho paz. Aqueles monstros daqueles policiais me tiraram a vida. Eles tinham que prender o Fernando. Isso se provassem que ele tinha feito algo. Se batessem, eu até apoiaria. Porque seria uma lição pro Fê. Eles não tinham o direito de jogar meu filho lá de cima. Foi muita crueldade. Imagina você, como pai, vendo seu filho atirado de um telhado por um policial, que a gente sempre foi ensinado que estão ali pra proteger. É muita dor. É muito dolorido”. “Enquanto eu tiver viva, vou cobrar Justiça. Eles não vão me calar. Eu não vou deixar que esses assassinos fiquem fora da prisão”, afirma Cleusa.