Polícia demorou 24 horas para buscar resquício de pólvora na mão de delegado

    Cientista forense afirma que perícia tardia pode atrapalhar investigação; “limpeza, lavagem ou contato com outros elementos prejudica o resultado do exame”

    Priscila Delgado e Paulo Bilynskyj | Foto: reprodução

    O principal exame que pode indicar se o delegado Paulo Bilynskyj, 33 anos, atirou ou não na cena do crime que resultou na morte da sua namorada a modelo Priscila Delgado, 27 anos, foi realizado 24 horas após os disparos no apartamento do policial, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A provável briga seguida de tiros ocorreu na quarta-feira passada (20/5).

    Segundo a Polícia Civil, o exame no delegado e instrutor de tiros, que trabalha no 101º DP (Jardim das Imbuias), na zona sul da capital paulista, foi realizado somente após ele passar por cirurgia. Por essa razão, no boletim de ocorrência havia o registro de que o exame não havia sido coletado. A análise que encontrou vestígios de pólvora na mão de Priscila foi realizada dentro do hospital em que ela foi socorrida e morreu.

    “A polícia trabalha com a hipótese, não fechada, de que houve uma tentativa de homicídio, seguida de suicídio“, afirmou o delegado Seccional de São Bernardo do Campo, Ronaldo Tossunian, em coletiva de imprensa nesta terça-feira (26/5). Contudo, as hipóteses de feminicídio, homicídio e legítima defesa não estão descartadas.

    A informação sobre a coleta tardia foi dada pelo delegado titular da 1ª Delegacia de Polícia de São Bernardo do Campo, Alberto José Mesquita Alves. “O pedido é o mesmo, só que nela nós conseguimos fazer enquanto ela estava no hospital. O perito imediatamente deixou o local e foi até o [hospital] Mario Covas. Ele estava em cirurgia. Ao final do mesmo dia, o perito voltou. Não conseguiu fazer, a pedido do médico, e foi feito no dia seguinte”.

    Questionado sobre o resultado do teste de Priscila ter saído quase que instantaneamente e o de delegado ainda não ter prazo definido, Mesquita Alves explicou que, no caso da mulher, a “perita conseguiu coletar no mesmo dia o material e ela já passou pelo exame. A perita que faz isso não é qualquer perita. É um perito específico para fazer o residuográfico”, pontuou.

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    Além dos resultados dos laudos periciais, os investigadores aguardam decisão da Justiça sobre o pedido de quebra do sigilo telefônico do delegado e seu depoimento, que deve ocorrer em breve, mas ainda sem data marcada.

    Diferentemente do caso da mulher, em que o resultado do exame para detectar vestígios de pólvora saiu em poucas horas, e chegou até mesmo a ser publicado no boletim de ocorrência, o de Paulo Bilynskyj ainda não ficou pronto.

    Na versão de Bilynskyj, ele estava tomando banho quando Priscila entrou no banheiro com uma arma e disparou em sua direção diversas vezes. O motivo seria mensagens que ela leu no celular dele.

    Durante a entrevista coletiva, que aconteceu na sede do Deic (Delegacia Especializada em Investigações Criminais), Mesquita Alves afirmou que o tempo decorrido entre o delegado ter sido baleado e a realização do exame residuográfico é um problema a depender dos procedimentos de limpeza a qual ele passou, mas não pelo tempo de 24 horas.

    Delegado Mesquita Alves (esquerda) e delegado Ronaldo Tossunian (direita) coordenam investigações sobre o caso | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    “O lapso temporal para a realização do exame não prejudica, só surge uma dúvida: qual foi a assepsia que foi feita e se essa assepsia vai prejudicar ou não”, afirmou. Neste momento, Ronaldo Tossunian, delegado seccional de São Bernardo do Campo, interrompeu a fala de Mesquita Alves demonstrando não temer que o exame residuográfico saia prejudicado. “Normalmente fica nos poros. O resíduo de pólvora normalmente fica”, completou.

    Diferente da afirmação do delegado, o cientista forense Sergio Hernández afirma que o exame residuográfico é um dos “mais sensíveis” em todo processo pericial e deve ser realizado em até seis horas após o fato em pessoas vivas, segundo o procedimento operacional padrão da perícia criminal.

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    “Após esse tempo, os resíduos desaparecem, posto que ficam na superfície da pele, não nos poros. Sendo assim, toda limpeza, lavagem ou contato das mãos com outros elementos vai prejudicar o resultado do exame residuográfico”.

    Hernández ainda explicou que “não é como a “tatuagem” [como é conhecido marca de tiro no corpo], que são grãos de pólvora incombusta que ficam alojados na derme, e que resistem ao passar por lavagem ou a uma limpeza da pele. Os resíduos de pólvora ficam alojados sobre a epiderme, sendo de fácil limpeza, lavagem ou retirada”.

    Quem também critica a demora na realização do exame residuográfico nas mãos do delegado Paulo Bilynskyj é o advogado da família da vítima, José Roberto Rodrigues da Rosa. “Se ele tinha condições de gravar um vídeo, porque não tinha condições de coletar o material residuográfico? Coletam na mão da vítima e não coletaram na mão dele? Será que os tiros foram disparados só por ela? Isso me preocupa”, argumentou.

    O cientista forense ainda pontuou as roupas utilizadas por ambos devem ser preservadas, ainda mais num caso em que o exame residuográfico em uma das partes foi produzido tardiamente. “Por esse motivo, as vestes do atirador e também da vítima se transformam em vestígios de muita importância pericial, posto que, assim como as mãos, são suscetíveis de que resíduos de tiro fiquem alojadas nelas”.

    Ambos os delegados contaram que as investigações ainda estão no início e aguardam os resultados dos laudos periciais para saber com precisão o trajeto dos disparos e as partes atingidas das vítimas. Segundo o delegado Mesquita Alves, Priscila foi atingida por um único tiro na altura do peito. Ele disse que soube pelo médico legista que o tiro atingiu o coração da mulher. Já Paulo Bilynskyj foi atingido seis vezes. “Não temos o trajeto do projétil. Não tem essa angulação, se foi frontal ou lateral”.

    O delegado que investiga o caso ainda contou que a mulher foi encontrada pelos PMs “em um corredor da casa que faz a ligação com outros cômodos”, e não no banheiro como havia sido aventado anteriormente.
    Mesquita Alves também confirmou que a mulher tinha experiência no manuseio de arma, já que tinha feito um curso com o próprio Paulo, no entanto, não soube precisar qual o tipo de conhecimento a mulher tinha sobre armas.

    Durante a coletiva, ambos os delegados concordaram que tiro no peito não é algo incomum em suicídios femininos. “Normalmente, suicídio de mulher não é tiro na cabeça”, afirmou o delegado seccional Ronaldo Tossunian.

    “Não há dúvida de que ela tentou matá-lo”

    À Ponte, a advogada Priscila Silveira, defensora do delegado Paulo Bilynskyj, afirmou que tem visitado o homem diariamente no Hospital Mario Covas, em Santo André, unidade para onde ele foi encaminhado após os primeiros procedimentos em um hospital particular ao lado de sua residência.

    Segundo Priscila, o policial corre o risco de perder o dedo de uma das mãos, após ter sido atingido por um dos seis disparos. Ele ainda está com dois drenos no abdômen e um outro no tórax, além de duas costelas quebradas e pneumonia bilateral.

    A defensora explicou que Paulo Bilynskyj quer prestar depoimento tão logo tenha alta do hospital, e que não tem dúvida de que Priscila tentou matar o delegado. “Vamos aguardar a perícia, aguardar a fala dele. Ele foi alvejado seis vezes por ela. A perícia vai afirmar melhor. As pessoas estão falando que ele se deu seis tiros, isso é um absurdo. Não tem como uma pessoa se dar seis tiros. Ela tentou matá-lo. Acho que não há dúvida nesse sentido”, sustentou.

    A defesa do delegado e instrutor de tiros ainda deve pedir que seja juntado ao inquérito prescrições médicas e remédios encontrados nos pertences de Priscila Delgado. “Receitas e medicamentos. A mãe falou que ela era uma menina calma. Eu não posso falar se era calma ou não, mas tem uma receita de um antidepressivo cavalar”.

    A advogada Priscila Silveira também afirmou à reportagem que a imagem armamentista que as pessoas possuem de Paulo Bilynskyj devido sua atividade profissional não pode ser um fator para associá-lo como um homem violento. “Ao que tem se pregado, ao que tange a profissão dele, ele é um professor, colecionador, atirador e delegado de polícia e isso não é presunção de qualquer tipo de violência. Isso não é indicativo de pessoa violenta”, completou.

    “Não acreditamos na tese de suicídio”

    Já o advogado criminalista José Roberto Rodrigues da Rosa, que defende os interesses da vítima Priscila Delgado, não acredita que a mulher tenha disparado contra si mesma.

    “Não acreditamos na tese de suicídio. A família quer a verdade. Só a verdade. Se a verdade está nas palavras do doutor Paulo Bilynskyj, eles vão ficar em luto, chorar, mas vão seguir adiante porque é a vida. Mas, se ele colaborou para o disparo, nós vamos até o final para pedir a responsabilidade penal dele”, sustentou.

    Segundo o advogado, suas “considerações têm por base o discurso da família, que disse não ter notado nada de diferente. A família tem mensagens dela dizendo que estava bem. Em momento algum ela deixou transparecer que ela tinha algum problema dessa natureza, que pudesse causar aflição”.

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    Rodrigues da Rosa ainda refutou a tese da defensora do delegado de apresentar receitas e medicamentos que a mulher estaria tomando para serem incorporados ao inquérito. “A advogada entregou para a autoridade policial um medicamento que Priscila estaria tomando [segundo o defensor, Venlafaxina] e que causaria ideação suicida. Procurei me inteirar e descobri que o medicamento é receitado para acalmar a ansiedade, então, o efeito é totalmente ao contrário, ele deixa a pessoa ansiosa mais zen”, explicou.

    O criminalista contou que os familiares da vítima não tinham conhecimento de que ela tomasse algum medicamento. “Não sabemos se a receita é verdadeira, ninguém soube que ela procurou um médico no dia 24 de abril, em Curitiba”, finalizou.

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