Polícia fecha comércios e moradias na região da Luz, centro de São Paulo

    Operação policial lacrou moradias, reabertas com a chegada da Defensoria Pública e da Comissão de Direitos Humanos da OAB

    Comércios foram lacrados durante ação | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Uma ação do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) causou desespero em moradores da região da Luz, no centro de São Paulo, região conhecida como Cracolândia, na manhã desta quinta-feira (22/8).

    Por volta das 6h, os policiais civis do departamento entraram em hotéis de pensões da região atrás de 21 pessoas com mandados de prisão expedidos. Segundo informações da SSP (Secretaria da Segurança Pública), 17 pessoas foram detidas, dez por mandados e sete em flagrante. Ainda de acordo com a SSP, além das prisões, foram apreendidos 21 quilos de drogas entre maconha, cocaína, crack, haxixe e lança-perfume, bem como três armas, cinco celulares e R$ 800.

    Os moradores da região relatam que, assim que a Polícia Civil saiu do local, funcionários da Prefeitura chegaram para emparedar comércios sem alvará de funcionamento. Mas, além dos comércios, moradias também foram lacradas.

    No momento em que as moradias começaram a ser emparedadas, moradores acionaram a Defensoria Pública e a Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Depois de muita conversa, os locais que também servem como moradia foram parcialmente abertos.

    Viatura da Polícia Militar transitou durante a manhã na região | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Um funcionário da Defensoria Pública que pediu para não ser identificado relatou como o setor agiu na região. “Recebemos a notificação de que estava havendo uma operação policial seguida de remoções de pessoas com fechamento de alguns imóveis e viemos para ver o que estava acontecendo. Conversamos com a prefeitura regional da Sé para liberar uma passagem para que as pessoas pudessem ter acesso às moradias. Agora estamos cobrando a questão do atendimento habitacional, de saúde e também de assistência social”.

    Em entrevista à Ponte, uma moradora que está na região há mais de 10 anos, mas não quis se identificar, conta que, além de trabalhar no local, também mora ali com o filho de 5 anos. Para ela, a violência maior da ação de hoje foi ver a sua casa lacrada.

    “Eu saí 6h30 para levar meu filho para a escola e quando eu cheguei o meu comércio já estava lacrado. Eu tentei convencer o moço da Prefeitura para pelo menos tirar as minhas coisas. Ele me autorizou, mas quando eu vim tirar as coisas os GMCs (Guardas Civis Metropolitanos) falaram que não ficariam o dia inteiro esperando eu fazer a mudança e lacraram. Eu moro aqui, trabalho aqui, tenho um filho de 5 anos que estuda aqui perto. Depois que os direitos humanos chegaram e conseguiram reabrir de novo a minha casa. Eu sou cadastrada e estou esperando uma resposta da moradia definitiva”, conta.

    Moradora se emociona ao ter seu comércio, que também é seu lar, reaberto | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Outra moradora, que também preferiu não se identificar, relatou que durante a revista de seu quarto, onde mora com o marido e dois filhos, um de 6 e outro de 12 anos, teve seu dinheiro apreendido. “Foi a Polícia Civil, foi a Polícia Civil que levou. Eles estavam mascarados e invadiram a minha casa. Eu tinha saído para trabalhar e o meu marido estava em casa. Eles entraram mesmo meu marido falando que tinha criança na casa. Xingaram ele, falaram que iam agredir ele e mandaram ele sair de dentro de casa. Só deixaram as moedas de cinco e dez centavos, levaram até as moedas de um real. Isso não pode acontecer”, conta.

    A moradora, que está há quase dois anos no Hotel Avaré, relata que ações como essa atrapalham o dia a dia de quem mora nos hotéis e pensões da região. “A maioria é trabalhador e criança. Pagamos para morar aqui, a gente é ser humano. Se eu sair daqui eu vou para onde com duas crianças? Isso atrasa tudo. Como que pegamos as coisas das crianças para elas irem para a escola? O policial ainda falou para mim que aqui era área de tráfico [de drogas]. Se for por isso, não vamos morar em lugar nenhum, porque em todo lugar tem tráfico. A não ser que eu vá morar nos Jardins ou no Morumbi, mas eu não tenho condições para pagar”, desabafa à Ponte.

    Um dos hotéis lacrados irregularmente | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Segundo a SSP, a ação foi resultado de quase sete meses de investigação que permitiu identificar os responsáveis pela venda de drogas no local. Apesar de ser uma operação da Polícia Civil, por meio do Denarc, como afirma a pasta em nota, a GCM (Guarda Civil Metropolitana), cuja responsável é a Prefeitura de São Paulo, permaneceu na região durante toda a manhã e viaturas da PM (Polícia Militar) também estiveram no local.

    Enquanto passava um grupo de GCMs, uma moradora desabafou à reportagem. “Nós também somos sociedade. Estamos pedindo socorro. Também trabalhamos e contribuímos. Eu moro aqui há 32 anos, tenho muitas marcas das ações da polícia aqui. Eles não entram aqui de boa, não ficam com essas carinhas que estão agora. Eu passo por isso há muitos e muitos anos”, exclama.

    Viatura da GCM permaneceu no local durante toda a operação | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Para Arnobio Rocha, do Núcleo de Ações Emergenciais e Defesa de Direitos Ameaçados da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que esteve no local, as ações violam direitos. “Temos acompanhado algumas dessas situações da Cracolândia com muita preocupação. As violações maiores são em relação a moradia, acesso à educação e à saúde. Isso piora sensivelmente com as operações das forças de segurança pública. O que acontece aqui é uma espécie de limpeza que deixa tudo com cara de praça de guerra”, conta.

    Apesar de envolver uma questão criminal, para Arnobio, a ação de hoje criminaliza também os moradores. “Esses mandados são feitos pela manhã onde eles entram nos locais de moradia e todas as pessoas passam a ser suspeitas, sendo expulsas de seus locais. Logo em seguida a Prefeitura vem lacrando os comércios, que muitas vezes também são os locais de moradia”, diz.

    O integrante da OAB finaliza criticando as ações da prefeitura que, para ele, só transferem o problema de um local da cidade para o outro. “Nessa região existiam três equipamentos de atendimento onde os moradores em situação de rua iam tomar banho, tomar uma sopa quente e, principalmente nessa época de frio, servia como abrigo momentâneo, mas dois deles já foram fechados. O terceiro está sendo fechado aos poucos. A Prefeitura quer compulsoriamente que as pessoas saiam daqui para irem para a região da zona norte da cidade, perto do Tietê, onde estão sendo construídas habitações populares. Você transfere de um local para outro o problema, mas isso não resolve o problema”, aponta Arnobio à Ponte.

    Quem também esteve no local durante as ações de emparedamento foi a ONG (Organização não-Governamental) A Craco Resiste. “Com ações como essa, a Prefeitura quer falar que está acabando com a Cracolândia. Desde a prefeitura do [João] Dória [atual governador de SP] eles vêm repetindo isso. É por isso que vemos esse esvaziamento das políticas públicas aqui no território. Isso caminha em conjunto com a especulação imobiliária. É só olhar que dá para ver os prédios novos aqui da região”, disse Juliana Valente, integrante da Craco, em entrevista à Ponte.

    Ariel Machado, que também integra a Craco Resiste, enxerga que a região conhecida como Cracolândia é responsabilidade do Estado. “Sobre o fechamento de serviços é importante responsabilizar o Estado porque foram eles que concentraram esses serviços aqui. As pessoas já estavam aqui e eles confinaram essas pessoas aqui. Agora estão desarticulando toda essa estrutura que o próprio Estado criou para legitimar tirar as pessoas daqui”, argumenta.

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