Vídeo mostra homem rendido sendo baleado pela PM em SP

Ação da polícia na comunidade de Paraisópolis, zona sul da cidade, acabou prendendo dois acusados de assassinato da PM Juliane dos Santos Duarte; Ricardo Vieira Diniz, o Boy, constava na lista de mais procurados pela Polícia Civil de SP

Vídeos gravados por moradores da comunidade de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, na noite desta terça-feira (12/7), mostram um homem sendo baleado por PMs. É possível ver três pessoas, uma delas mancando, com as mãos para o alto, em sinal de rendição, aparentando descer de um piso mais elevado. Um deles grita: “pode descer, senhor?” e outra voz, que parece ser de um PM, diz “levanta a mão”. Um dos três homens grita “é morador, senhor, é morador, não tenho nada a ver, não” e depois “tô descendo”, enquanto tem outras duas pessoas seguindo atrás. Em seguida, acontece um disparo. Um deles cai, gritando de dor. Outro fala “era morador, senhor, era morador”. Mais dois tiros são disparados, mas não é possível ver de quem parte e em qual direção. Um dos homens volta a gritar desesperado “me ajuda, me ajuda”.

Dois de sete acusados do sequestro, tortura e assassinato da PM Juliane dos Santos Duarte, em 2018, foram presos na mesma ação, dentro da comunidade onde ela foi morta. Felipe Oliveira da Silva, 30, conhecido como “Tirulipa”, e Ricardo Vieira Diniz, 30, o “Boy”, que figurava na lista de mais procurados da Polícia Civil de São Paulo. Ambos estavam com mandados de prisão em aberto.

De acordo com o boletim de ocorrência, o sargento Diego Ferreira Santos Santana, do 16º Batalhão Metropolitano da PM, relatou que estava em patrulhamento pela Rua Itamotinga, em Paraisópolis, por volta das 20h, quando ele e sua equipe viram “um indivíduo trajando roupas escuras, saindo de um bar e correndo para o interior de uma viela”. Os policiais saíram da viatura e foram atrás dele. Durante a incursão pelas vielas, o sargento afirma que se depararam com 15 pessoas em uma residência com dois pisos e “entradas distintas”. Com isso, ao terem sido vistos, diz, foram alvo de tiros e revidaram, momento em que “o grupo se dispersou e muitos deles fugiram pelas vielas da comunidade”.

À esquerda, foto da PM Juliane Duarte; à direita, frame de vídeo gravado por moradores mostrando três homens se rendendo em abordagem policial na favela de Paraisópolis | Fotos: reprodução

Nessa casa que se aproximaram, o PM disse que restaram três pessoas baleadas no andar de cima e “mandou que descessem e saíssem deitados com as mãos no chão”: Ricardo, que teria dito de início se chamar Caio, Vandelson Feitosa da Silva, 38, e Isaac Florentino Freitas, 37, — este último levado ao Hospital Universitário com um tiro na coxa — e os demais foram liberados do pronto socorro e presos. O documento cita ainda que outro policial que atendia o local, enquanto os colegas estavam no andar de cima da residência, teria ouvido uma voz “saindo de dentro de um bueiro”, viu um homem escondido, “alegando que estaria sequestrado, tendo um ferimento recente na perna aparentando ter sido ‘tiro de raspão'”, que depois foi identificado como Felipe Oliveira da Silva.

Em outro vídeo, agora com o resgate do Corpo de Bombeiros, é possível ouvir o homem falando com a voz embargada: “não tive nada a ver”. Uma mulher fala “Isaac, seja forte, Deus está contigo, amigo”. Moradores da comunidade disseram à Ponte que quando a polícia entrou na favela, começaram a atirar e houve correria. Mesmo em sinal de rendição, Isaac foi baleado. Confirmaram que ele é morador.

Segundo o boletim de ocorrência, foram apreendidos no piso superior do local 102.222 porções em saquinhos plásticos de substância branca, similar à cocaína, bem como 5.490 vidros de líquido similar a lança-perfume; duas pistolas calibre .380, uma delas roubada, com carregador com 12 munições, e outra com a numeração raspada, com carregador contendo 15 munições. A polícia diz também ter encontrado outro carregador de pistola, contendo 17 munições calibre.40, que estaria embaixo de Vandelson no momento da abordagem, além de cinco celulares. No térreo, havia ainda 14.955 invólucros de substância similar a maconha e quatro celulares.

A Ponte enviou as imagens para a Secretaria da Segurança Pública, cuja assessoria reiterou o conteúdo do boletim de ocorrência, apontando que o caso foi registrado como tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, associação criminosa, falsa identidade e captura de procurado, mas não comentaram os vídeos.

Caso PM Juliane

Negra, lésbica e periférica, a soldado Juliane dos Santos Duarte foi sequestrada, tortura e assassinada aos 27 anos, após desaparecer de um bar em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, e seu corpo ser encontrado no porta-malas de um carro em Jurubatuba, a mais oito quilômetros, quatro dias depois, em agosto de 2018. Ela tinha participado de um churrasco com amigos em seu primeiro dia de férias e foi ao Bar do Litrão, em Paraisópolis, já durante a madrugada, com outras duas amigas.

No bar, o celular de uma delas sumiu. A soldado, que estava à paisana, se identificou como PM e cobrou que o aparelho aparecesse. Minutos depois, quatro homens encapuzados apareceram e a levaram do bar. Testemunhas ouviram dois disparos do lado de fora, enquanto a policial era levada.

O Ministério Público Estadual indicou a participação de ao menos sete pessoas que atuaram no sequestro da policial no Bar do Litrão, na Rua Melchior Giola, dentro da comunidade. Elas a mantiveram três dias em cativeiro, segundo o MP, com sessões de tortura que incluíam o consumo forçado de cocaína e álcool até, por fim, culminar na execução da jovem.

Os acusados são Everaldo Severino da Silva Félix, o “Sem Fronteira”, apontado pelo MP como chefão do Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela Paraisópolis e que seria o mandante, preso poucas horas depois de o corpo da soldado ter sido encontrado; Everton Guimarães Mayer, o “Tom”, preso em dezembro de 2021 e um dos mais procurados pela Polícia Civil; Luiz Henrique de Souza Santos, chamado de “Tufão” ou “Luizinho”, Ricardo Vieira Diniz, o “Boy”, Felipe Carlos Santos de Macedo, o “Pururuca”, Elaine Cristina Oliveira Figueiredo, a “Neguinha”, e Felipe Oliveira da Silva, vulgo “Tirulipa” — que foi identificado por uma câmera de segurança dirigindo a moto de Juliane e é apontado como um dos quatro encapuzados que abordaram a policial no bar.

O processo está em segredo de justiça e na fase de audiências de instrução, ou seja, são elencadas provas, ouvidas testemunhas, para que seja avaliada a possibilidade dos acusados serem levados ou não a um júri popular. Em 2 de junho deste ano, a pedido da Defensoria Pública, que apareceu como representante de Everaldo, Everton, Felipe Silva, Felipe Macedo e Elaine, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu as liberdades provisórias. A defesa argumentou que os réus estavam presos há quase quatro anos “sem sequer haver decisão de pronúncia [de ser ou não levados a júri] em seu desfavor ou previsão mais concreta quanto ao prazo do encerramento da primeira fase do presente procedimento” e que, por isso, a prisão era ilegal por “excesso de prazo na formação da culpa”, o que foi concedido e estendido aos demais.

No entanto, o Ministério Público Estadual entrou com um recurso para impossibilitar a liberdade provisória, em 13 de junho, o que acabou sendo acatado e novos mandados de prisão foram expedidos. Pelo Diário Oficial da Justiça, consta que Elaine foi presa novamente, mas não localizamos informações sobre os demais, com exceção de Felipe Silva e Ricardo que foram presos nesta terça-feira (12/7).

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A Ponte procurou a assessoria da Polícia Civil, que disse que cabe ao Poder Judiciário responder, o qual, por sua vez, disse que não poderia fornecer informações já que o processo tramita em segredo de justiça. Já a assessoria do Ministério Público não retornou até a publicação.

Reportagem atualizada às 10h35, de 14/7/2022, para incluir respostas da SSP e do TJSP.

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