Polícia tem como saber quem atirou em fotógrafo da Ponte, afirma tenente-coronel

Ministério Público foi “conivente” ao pedir arquivamento de inquérito sobre disparo de bala de borracha no repórter fotográfico Daniel Arroyo, diz Adilson Paes de Souza, doutor em psicologia e PM da reserva. “É possível identificar quem atirou, mas não houve interesse.”

PM que atirou em Daniel: polícia e MP concluíram que é impossível saber quem ele é | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

O Ministério Público Estadual de São Paulo e a Polícia Civil poderiam, se quisessem, descobrir quem é o homem que aparece na foto acima: o policial militar da Caep (Companhia de Ações Especiais) que, em 16 de janeiro de 2019, armado com uma escopeta calibre 12, disparou um tiro de bala de borracha contra o joelho direito do repórter fotográfico da Ponte Daniel Arroyo, durante a cobertura de um ato do Movimento Passe Livre.

A análise é do doutor em psicologia, mestre em direitos humanos e tenente-coronel da reserva da PM Adilson Paes de Souza, autor do livro O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares. “Era possível ter tido mais esforço de investigação e identificar quem atirou no repórter, mas não houve interesse”, afirma.

Falta de interesse

Em vez disso, o delegado Dimitrius Coelho Batista, do 78º DP (Jardins) concluiu o inquérito em fevereiro de 2019 sem identificar o autor do disparo. O caso voltou à delegacia após pedido do Ministério Público para que Arroyo fosse ouvido pela delegada Denise Orlandini do Prado, momento em que o fotógrafo encaminhou as imagens do policial que atirou nele e, mesmo assim, não houve outras diligências para identificá-lo. A promotora Regiane Vinche Zampar Guimarães Pereira pediu o arquivamento do inquérito, afirmando que não havia dados para identificar o autor do crime. O pedido foi acatado pelo juiz José Fernando Setinberg em março deste ano. 

Ao pedir o arquivamento, o Ministério Público paulista mostrou-se “conivente” com a violência policial, na visão de Adilson. “O Ministério Público deixa de exercer o controle externo da atividade policial e a proteção da sociedade que o compete contra os desmandos dos agentes de autoridade, sendo conivente com isso”, afirma o doutor em psicologia.

Para Adilson, o que faltou, na verdade, foi interesse em buscar as informações, já que no inquérito da Polícia Civil não aparece qualquer solicitação à Polícia Militar sobre informações relacionadas ao dia dos fatos nem realização de perícia das fotos do atirador fornecidas pelo fotógrafo da Ponte. E não faltam registros e informações que poderiam ser averiguados, segundo ele.

“Dentro da norma da PM para a bala de borracha tem todo um rol de procedimentos que devem ser adotados [previstos no Procedimento Operacional Padrão (POP) 5.12, revelado pela Ponte]: quem deu o disparo deveria ter registro por escrito do fato, elaborado um boletim de ocorrência da Polícia Militar dizendo que houve um disparo e a circunstância, ter prestado socorro à vítima, além de que se tem controle dessa identificação alfanumérica e na área é possível determinar quais policiais de qual batalhão estavam lá”, aponta.

Nenhum dos procedimentos prescritos pela própria PM para o uso de bala de borracha (veja acima) foram seguidos pelo PM da Caep que atirou em Daniel, nem pelos seus superiores. Para começar, a PM não poderia atirar em jornalistas, já que o procedimento prevê o uso de bala de borracha apenas para um “agressor ativo, certo e específico”, que esteja colocando em risco outras pessoas.

Atendimento por conta

E não parou por aí. Logo após levar o tiro, o fotógrafo se dirigiu aos oficiais da PM presentes na repressão ao ato. “Comandante, desculpa incomodar vocês, mas, ó, sou imprensa, estou identificado e tomei um tiro de bala de borracha”, disse então. No vídeo, é possível ver que os policiais fazem questão de olhar para o outro lado. Ninguém se ofereceu para socorrê-lo nem isolou a área, como preveem as normas policiais. Sozinho, Daniel Arroyo se dirigiu até um hospital particular no bairro do Ipiranga, na zona sul, onde foi atendido.

As fotos do policial que baleou o repórter só foram anexadas ao inquérito policial porque a promotora pediu. Mesmo assim, a delegada se limitou a anexar as fotos nos autos, sem indicar qualquer perícia ou investigação a respeito. Depois da delegada que nada fez, veio a promotora que tudo aceitou e nada mais pediu.

“A vítima acostou aos autos as fotografias dos averiguados, contudo, analisando as referidas imagens, não verifiquei, nas vestes dos averiguados, a existência de dados de identificação que pudessem ensejar o esclarecimento da autoria delitiva, razão pela qual a diligência restou prejudicada”, alegou a promotora ao pedir o arquivamento do inquérito.

O arquivamento do inquérito foi repudiado pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital), pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

Além do inquérito na Polícia Civil, o fotojornalista foi ouvido no mês passado para apuração na Polícia Militar, mas a reportagem não teve acesso a essa investigação. Em seu depoimento no Inquérito Policial Militar, Daniel Arroyo relatou que o capitão Daniel Lourenço Kimura, que foi responsável pela oitiva, disse que o policial não teve a intenção de atirar nele e sim em um manifestante que tentou retirar um amigo que estava em poder da Caep, mesmo sem apontar quem seria o tal PM e se tinha sido identificado.

O que diz o governador

A Ponte pediu um posicionamento para a assessoria do governador João Doria (PSDB) e aguarda uma resposta.

O que diz a promotora

A Ponte pediu um posicionamento à promotora Regiane Vinche Zampar Guimarães Pereira, por meio da assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual, e aguarda uma resposta.

O que diz a polícia

A Ponte pediu um posicionamento sobre a investigação na Polícia Civil e na Polícia Militar à Secretaria da Segurança Pública. A In Press, assessoria terceirizada da pasta, disse que “caso foi investigado pelo 78° DP e relatado à Justiça. Mais questionamentos devem ser encaminhado ao judiciário”.

ERRATA: diferentemente do que estava escrito, a delegada Denise Orlandini do Prado não foi a autora do relatório final de 2019 e sim o delegado Dimitrius Coelho Batista. A resposta da Secretaria de Segurança Pública também foi acrescentada à reportagem. As alterações foram realizadas às 12h52, de 8/8/2023.

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