Policiais civis fazem ato público em SP após desgaste com Tarcísio

    Mobilização no Largo São Francisco foi convocada pelo Fórum Resiste PC-SP após governador privilegiar militares em grupo para discutir lei da Polícia Civil. Grupo também pede reajuste de salários, hoje abaixo das corporações de outros estados

    Coordenador do Fórum Resiste PC-SP, delegado André Pereira evitou críticas a Tarcísio apesar de insatisfação da categoria e disse esperar diálogo em revisão da lei orgânica | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Policiais civis realizaram na tarde desta segunda-feira (17/2), no Centro de São Paulo, um ato público por valorização da categoria em meio ao processo de revisão de sua lei orgânica, em que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) teve um novo desgaste com a categoria.

    Conforme a Ponte mostrou, Tarcísio gerou insatisfação ao privilegiar militares em um grupo criado para discutir a regulamentação no âmbito estadual da Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (Lei 14.735/2023). Os direitos, deveres e garantias dos policiais civis paulistas são regidos atualmente por uma lei estadual em vigor desde 1979. Ela deverá ser atualizada para se adequar à nova norma federal.

    O ato foi convocado pelo Resiste PC-SP, fórum que reúne 15 associações e sindicatos das diferentes carreiras da Polícia Civil paulista, como delegados, investigadores e escrivães. Apesar da insatisfação, a entidade evitou criticar diretamente o governador.

    Leia mais: Policial civil aposentado busca reparação após relatar abuso em abordagem da PM

    O fórum também optou por não realizar uma passeata ou convocar as bases sindicais para o encontro, mas apenas líderes das entidades associadas — o ato ocorreu no Largo São Francisco, a cerca de 100 metros da sede da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

    ”Houve um ruído, sim. Para nós, isso está superado. O grupo está funcionando, e nós fomos recebidos no Palácio dos Bandeirantes na semana passada para expressarmos nossas necessidades. No entanto, o que pretendemos é não apenas sermos ouvidos, mas termos a abertura para dialogar com o governador por meio desse grupo”, disse, à Ponte, o delegado André Pereira, coordenador do Fórum Resiste PC-SP.

    Também tiveram a palavra no ato o deputado federal Mário Palumbo (MDB-SP), o deputado estadual Paulo Reis (PT-SP) e o vereador de São Paulo Márcio Kenji (Podemos), todos eles egressos da Polícia Civil paulista. Os parlamentares adotaram tom mais crítico a Tarcísio.

    ‘Emparedar o governo’

    “Para vencer, tem que ter exército. Em 2008, nós tivemos resultados práticos porque o exército foi para a frente do palácio do governo. Enfrentamos bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, mas o exército estava lá. Só isso empareda o governo, então nós temos que emparedar o governo, ter mobilização e unidade”, disse Reis, fazendo menção a um protesto de 17 anos atrás, em que 25 pessoas ficaram feridas em meio a um confronto entre a Polícia Civil e a Polícia Militar.

    “Sei que os delegados, investigadores e escrivães que estão na ativa não podem falar, mas eu posso. Não tenho medo de falar, e se tiver de falar na cara do secretário ou do governador, vou agir da mesma forma. Infelizmente, deveriam estar aqui todos os parlamentares que são policiais civis, mas eles têm outros interesses, não vão desagradar o governo. Eu não vou julgar, mas é triste”, disse Palumbo.

    Leia mais: Tarcísio privilegia militares na revisão de lei orgânica da Polícia Civil

    Os integrantes do fórum reivindicam, além de participação direta na revisão do texto, a adequação dos salários dos policiais, hoje abaixo das corporações de outros estados. Eles cobram também a regulamentação da carga horária, já que fazem atualmente horas extras não remuneradas, e a reformulação dos planos de carreira, a fim de garantir maior celeridade nas promoções.

    Os policiais reivindicam de Tarcísio, ainda, a criação de um Fundo Especial da Polícia Civil, instrumento previsto na lei orgânica para garantir investimentos e valorização remuneratória da corporação.

    Desgate com nomeação de PM

    Na resolução que criou o grupo de trabalho da nova lei orgânica, publicada na edição de 9 de janeiro do Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOE-SP), ficou definido que os trabalhos seriam coordenados não por um integrante da Polícia Civil, mas por um policial militar: o escolhido foi o coronel da reserva Paulo Mauricio Maculevicius Ferreira, hoje chefe de gabinete do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PL).

    No dia 14 de janeiro, em nova publicação no DOE-SP, o governo recuou da escolha de Maculevicius, que ainda integra o grupo, e passou a coordenação dos trabalhos para o secretário-executivo da Casa Civil, Fraide Sales. O novo escolhido não tem, ainda assim, relação com a Polícia Civil — ele é engenheiro de comunicações formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e coronel da reserva do Exército.

    Ainda participam do grupo outras seis pessoas: o secretário-executivo da Secretaria de Gestão e Governo Digital (SGGD), Leonardo Sultani; a advogada Vivianne Wanderley Araújo Tenório, assessora do gabinete do secretário-chefe da Casa Civil; os delegados Múcio Mattos Monteiro de Alvarenga e Marcelo de Lima Lessa, como representantes da Polícia Civil; e os delegados Luiz Fernando Camargo da Cunha Lima e Milena Massuco Suegama, ambos membros da Assessoria Policial Civil, da SSP-SP.

    O grupo, portanto, não contempla outras carreiras da corporação que não sejam a de delegado.

    Ato ocorreu no Largo São Francisco, a cerca de 100 metros da sede da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Privilégios salariais e desvio de funções

    Já no primeiro ano de governo, Tarcísio causou insatisfação ao conceder aumentos salariais para a Polícia Militar em percentuais maiores do que os da Polícia Civil. No caso da PM, os aumentos variaram de 13,71% a 34,24%. Entre os policiais civis, o melhor reajuste foi de 24,64%, para escrivães e investigadores de polícia de terceira classe. Já para a Polícia Científica, o maior índice foi de 24,09%, para médicos-legistas e peritos criminais também de terceira classe.

    Além da questão salarial, tem causado desconforto o que os policiais civis consideram como violações de prerrogativas em favor da PM. No ano passado, Tarcísio propôs que a Polícia Militar passasse a registrar termos circunstanciados, uma atribuição da Polícia Civil, conforme mostrou a Ponte.

    Leia mais: Policial civil registra queixa por abuso de autoridade contra PMs da Rocam

    Com o capitão reformado da PM Guilherme Derrite à frente da SSP-SP, a Polícia Militar também tem protagonizado cada vez mais o que a corporação chama de ações de inteligência, avançando sobre a atribuição da Polícia Civil de realizar investigações policiais. Um exemplo foi a operação “Fim da Linha”, em abril do ano passado, deflagrada contra a suposta atuação do PCC no transporte público de São Paulo. Na ocasião, a PM realizou seis prisões e cumpriu 52 mandados de busca e apreensão, enquanto a Polícia Civil não participou da ação contra os investigados.

    ”A gente entende que os primeiros dois anos [de governo Tarcísio] trouxe diversos problemas para ambas as instituições. No entanto, o que temos para falar é sobre a Polícia Civil, que tem suas prerrogativas definidas pela Constituição e pelas leis. Quando a gente viu algum tipo de invasão de nossas competências, a gente teve de reagir de maneira enérgica”, afirma o coordenador do Resiste PC-SP.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    Inscrever-se
    Notifique me de
    0 Comentários
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários

    mais lidas

    0
    Deixe seu comentáriox
    Sobre a sua privacidade

    Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.