Policiais são acusados de matar e plantar arma em quarto infantil na Chacina do Jacarezinho

Força-Tarefa do Ministério Público denunciou Douglas Siqueira e Anderson Pereira pela morte de Omar Pereira da Silva, um dos 27 civis mortos em massacre ocorrido em maio deste ano, o mais letal no Rio de Janeiro

Cena do massacre do Jacarezinho
Operação policial no Jacarezinho deixou 28 pessoas mortas em 06 de maio | Foto: Reprodução/Joel Luiz Costa/Twitter

Com um tiro no pé, desarmado e encurralado em um quarto de uma criança de nove anos, Omar Pereira da Silva,21, foi morto pela Polícia Civil na operação mais letal da capital fluminense, em maio deste ano, que deixou 27 civis e um investigador mortos na comunidade do Jacarezinho. Depois, retiraram o corpo da casa antes da chegada da perícia e apresentaram na delegacia uma pistola e um carregador atribuídos falsamente ao homem, alega o Ministério Público do Rio de Janeiro, que denunciou dois agentes: um pelo homicídio doloso (quando há intenção de matar) e fraude processual e outro apenas por fraude processual.

A denúncia, feita ao 2° Tribunal do Júri da Capital, é decorrente de apuração paralela da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada da Capital, que instituiu uma força-tarefa para apurar as circunstâncias da chacina. Os nomes dos acusados não foram divulgados. A Ponte solicitou a íntegra do documento, mas a assessoria do órgão disse que não tinha, apesar de citar trecho do mesmo no release. Mais tarde, a reportagem teve acesso à denúncia na qual consta que Douglas de Lucena Peixoto Siqueira atirou em Omar e Anderson Silveira Pereira o ajudou a carregá-lo.

De acordo com a nota do órgão, os policiais civis também colocaram uma granada no local do crime a fim de “forjar um cenário de excludente de ilicitude”. A Promotoria solicita o afastamento dos policiais de suas funções públicas, no que diz respeito a participação em operações policiais.

A assessoria do MPRJ também aponta que essa é a primeira denúncia oferecida contra agentes de segurança, em decorrência de ação policial, desde a decisão proferida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como ADPF das Favelas. A determinação proibiu, em junho de 2020, a realização de operações policiais em comunidades durante a pandemia, salvo em casos excepcionais e com comunicação imediata ao Ministério Público.

No caso da chacina de Jacarezinho, a Polícia Civil informou à imprensa que a operação, denominada Exceptis e que contou com 294 policiais, incluindo agentes da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), aconteceu às 6h e que o órgão foi notificado. Entretanto, em nota divulgada na ocasião, o MPRJ afirmou que ficou sabendo da operação às 9h, três horas depois do início da incursão.

A corporação também tinha afirmado que a operação visava coibir aliciamento de menores ao tráfico de drogas, embora reportagens tenham revelado que em nenhum momento a investigação mencionasse esse tipo de crime. A Defensoria Pública e outras entidades de direitos humanos enfatizaram que houve descumprimento da decisão do STF.

Laudos feitos pela Polícia Científica indicaram que não houve preservação dos espaços, prejudicando a coleta de vestígios, e que havia sinal de arrastamento de corpos em algumas casas, como na que Omar foi morto. Ele teria invadido o local para se esconder quando os agentes foram atrás dele. O jovem tinha uma condenação por roubo, foi colocado em liberdade em março de 2019 e, como a maioria das vítimas, era negro. Ao site The Intercept Brasil, o morador do imóvel e pai da criança de nove anos disse que o quarto da menina ficou todo ensanguentado, que ficou “traumatizada”, e confirmou que Omar não estava armado, mas baleado no dedão do pé, sendo que os policiais invadiram a residência em seguida e o mandaram sair. “Quando eu fui sair com a minha filha, eu estava na sala e eles executaram o rapaz”, declarou.

Na época da operação, imagens feitas por moradores e também pela imprensa flagraram policiais carregando corpos sem nenhum tipo de preservação dos locais onde os tiros aconteceram. A corporação alegou que transportou as vítimas aos hospitais porque ainda estariam com vida. Presos na operação disseram ter sido obrigados a carregar corpos.

Laudos necroscópicos indicaram que os 27 homens foram atingidos por pelo menos 73 tiros no total, sendo que um dos mortos, John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30, foi baleado na barriga a curta distância. Isso é evidenciado, segundo a perícia, por haver uma “zona de tatuagem dispersa, sugestiva de que o disparo tenha ocorrido entre 60cm e 70cm”. Ele também foi baleado no meio das costas e, na ocasião, estava dentro de uma casa com outros seis homens, todos negros.

A perícia também apontou que cinco vítimas foram alvejadas pelas costas: Isaac Pinheiro de Oliveira, 22, Rodrigo Paula de Barros, 31, Cleyton da Silva Freitas de Lima, 26, e Jonathan Araújo da Silva, 18, Wagner Luiz de Magalhães Fagundes, 38. Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23, foi o mais atingido, com seis disparos, nas regiões do tórax, abdômen, braço e punho.

A Ponte perguntou à assessoria do MPRJ sobre a apuração das outras 26 mortes, mas não teve resposta.

Também procuramos a Defensoria Pública a respeito do caso cuja assessoria informou que realizou, “desde o primeiro momento, uma atuação multidisciplinar de atendimentos jurídico, psicossocial e de comunicação com as famílias atingidas” e que muitas das informações colhidas pelo órgão foram utilizadas na denúncia da Promotoria.

O que diz a polícia

Questionada a respeito da denúncia bem como da investigação das demais mortes, a corporação encaminhou a seguinte nota:

A Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) informa que o inquérito que apura o fato está sendo finalizado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que acabou de receber do Ministério Público (MP) as oitivas de testemunhas e aguarda o laudo de confronto para encaminhar o relatório final ao órgão. Os policiais foram denunciados em procedimento próprio do MP, antes de finalizada a investigação no inquérito policial. A Polícia Civil só irá se manifestar no mérito após análise de todos os depoimentos e a chegada dos laudos periciais.

A reportagem não localizou contatos dos dois agentes nem possíveis defesas.

O que diz o TJ

À Ponte, a assessoria do tribunal disse que ainda não foi gerado número de processo para confirmar se a denúncia do Ministério Público foi ou não aceita.

Reportagem atualizada às 18h14, de 15/10/2021, para incluir os nomes dos agentes.

Atualização às 19h52, de 15/10/2021, para adicionar posicionamento da Defensoria Pública.

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