Policial é transfóbica em abordagem: ‘quer ser mulher tem que trocar nome na certidão’

Jovens trans relataram que presenciaram atropelamento na rua e chamaram a PM, no domingo (30), em Osasco (Grande SP); “trataram a gente no masculino e espirraram spray de pimenta em outras trans”, diz vítima

Uma policial mulher foi gravada agindo de forma transfóbica em uma abordagem em Osasco (Grande São Paulo). Ela pede para as pessoas, que não aparecem na gravação, se afastarem e diz “se você quer saber de ler, vá estudar, quer que eu chame de mulher, vá trocar o nome na certidão, vá por no RG o nome de mulher”. Em seguida, termina: “por enquanto é homem, ‘rapa’ fora daqui”.

De acordo com as promotoras de eventos Alice Vitorini, 19, e Luna Nunes, 22, que divulgou as imagens, o caso aconteceu no domingo (30/1), um dia após o Dia da Visibilidade Trans no Brasil. Ela conta que estava com um grupo de ao menos 10 amigos, que contavam com jovens trans, e que o vídeo foi gravado por um deles. “A gente foi para uma tabacaria e saímos para tomar um ar lá fora e a gente viu um cara agredir uma moça, colocou ela dentro do carro e bateu nela, a gente separou quando viu a situação”, conta Alice.

“Ela saiu, ele subiu e, na volta, quando ele fez o retorno com o carro em alta velocidade, tinha um casal de moto e ele atropelou eles, jogaram eles longe, a gente foi prestar socorro, chamar a ambulância, chamar a polícia”, prossegue. Segundo ela, o atropelamento aconteceu na Avenida Presidente Médici. “Quando os policiais chegaram, já começaram a zoar com a gente, a cometer transfobia, tratar no modo masculino”.

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De acordo com Luna, os policiais “olhavam de cima a baixo, davam risada e debocham” delas. “Como cidadã, eu fiz a minha parte de chamar a ambulância, prestar socorro, e a gente voltou para onde a gente estava”. Ela afirma que no caminho viram o homem que teria atropelado o casal e tentaram avisar os policiais. “A gente falou para os policiais e eles deram risada mais uma vez e eu falei ‘eles não estão nem ligando porque a gente é travesti'”, diz. “Estavam mandando a gente ir buscar o cara, eu disse que não era o meu trabalho, disse que como cidadã, a gente espera que eles nos defenda”, complementou Alice.

Em seguida, segundo elas, apareceu a policial militar. “Ela veio de forma totalmente transfóbica e eu disse ‘eu posso falar por mim porque eu tenho estudo, e o que define uma mulher ou um homem não é nada de documento porque homem e mulher são construção social”, lembra Alice. “Eu disse que ‘você, por ser militar, deveria ter o estudo, e ela veio super grossa, perguntando se eu tinha o nome social feito, eu falei que eu tenho, as meninas não têm ainda, mas não é um documento que vai definir se elas são mulher ou não”.

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Ela relata que outra amiga do grupo chegou perto da policial que teria dito “sai de perto de mim, chega perto de mim novo que eu te dou um ‘rodo'”. “Ela mandou as meninas saírem, que aparece no vídeo, elas se afastaram, depois entrou na viatura, veio com spray de pimenta”, prossegue Alice. Ao fundo das imagens, é possível ver uma equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) atendendo uma ocorrência. “As meninas estavam voltando para a tabacaria e a policial pegou o spray de pimenta e jogou em cima das meninas, sem motivo, simplesmente por transfobia”.

Elas conseguiram identificar as viaturas M-14416 e M-14413, o que indica que os policiais são do 14º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano.

As jovens afirmam que pretendem formalizar o caso ainda nesta semana. A vereadora de São Paulo Erika Hilton (PSOL) oficiou a Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Militar e a Corregedoria da Corporação nesta segunda-feira (31/1) solicitando apuração do caso. “Não aceitaremos violência institucional contra as nossas. Temos memória e queremos justiça”, declarou em seu Twitter.

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Dossiê da Antra (Associação Nacional de Transexuais e Travestis) apontou que em 2021 houve 158 casos de violações de direitos humanos contra essa população no Brasil, sendo que cinco delas foram praticadas por agentes das forças de segurança pública. A entidade também pediu providências. “Agentes do estado não podem ser responsáveis por violar os direitos das pessoas trans e submeter nossa população a esse tipo de violência e constrangimento”, manifestou-se.

O que diz a polícia

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública e a Polícia Militar sobre o caso, além de questionar sobre normativas a respeito de abordagem a população LGBT+. A In Press, assessoria terceirizada da pasta, encaminhou a seguinte nota:

A Polícia Militar informa que um procedimento interno foi instaurado para analisar a conduta da policial citada. A agente também será reorientada.

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