PM Leandro Queiroz de Lima indica disparo acidental e se nega a apresentar arma à Polícia Civil; Bruno Gomes de Lima Simon Fuentes, 23 anos, morreu na noite desta terça (10) em Diadema (SP)
“Acabei de enterrar ele”. A mensagem de Katia Aparecida de Lima à Ponte acontece minutos depois de seu filho Bruno Gomes de Lima Simon Fuentes, 23 anos, ser enterrado em Santo André, na Grande São Paulo, por volta de 16h desta quarta-feira (11/11). Um PM matou o motociclista durante abordagem na noite desta terça-feira (10/11) em Diadema, cidade vizinha, onde ele morava. Bruno levou um tiro no pescoço disparado pelo policial Leandro Queiroz de Lima. Segundo a versão oficial, Lima alega ter atirado sem querer.
Tudo teve início em um patrulhamento de rotina de Leandro, 25 anos, com seu parceiro de farda Kevin Costa da Silva, 22, na rua Pedro José de Rezende, no bairro Piraporinha. Bruno estava em uma moto Honda/GC 160, de cor cinza, junto de um amigo. Ele teria tampado a placa e fugido da viatura, de acordo com os policiais.
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Conforme a versão dada pelos PMs à delegada Valéria Andreza do Nascimento, do 3º DP de Diadema, o movimento deu início à uma breve perseguição, terminada com a queda dos dois homens ao fazer uma curva na esquina das rua Pedro José de Rezende e Leonardo Alves de Oliveira. O rapaz, que estaria dirigindo a moto, tentou fugir e entrou em luta com Leandro.
À Polícia Civil, o policial explicou que Bruno tentou desarma-lo. Os dois lutaram enquanto o PM segurava a arma em uma das mãos. Leandro conta que a pistola disparou e acertou Bruno no pescoço. O PM não detalha se o tiro foi ou não intencional, apenas diz que a arma disparou. Sem explicar se pediu socorro para o rapaz baleado, Leandro detalhou ter sido ferido no braço direito e no joelho durante a briga.
A família do rapaz conta outra versão. Segundo a mãe de Bruno, seu filho ia à casa de um amigo acompanhado de outro homem. Ele estava sem carteira e sem documentos e, por isso, teria tentado fugir. “Ficou com medo. Deram um tiro no pescoço dele, o tiro foi para executar ele logo. Não revistaram”, lamentou, em entrevista para a TV Globo. A mãe cobra que os PMs tivessem o levado à delegacia. “Fizesse o que quisesse, mas não mata meu filho”.
As marcas estão nos muros da Escola Humberto Marouellie Mendonça, em frente onde o rapaz caiu depois de baleado. Amigos escreveram mensagens por conta de sua morte, algumas em homenagem, dizendo que ele jamais será esquecido, outras cobrando resposta à morte do rapaz. “Diabo de farda”, diz uma delas. O local da morte fica a 650 metros da casa onde Bruno morava com a mãe.
Vizinhos da escola contam não terem ouvido o momento exato em que o acidente aconteceu, nem o barulho de quando o tiro foi disparado. “Eu tenho o sono pesado, não ouvi nada. Soube agora de manhã pela TV”, conta um homem.
A calçada seguia com a marca do sangue de Bruno. “Não vi porque minha mãe não me deixou sair. Não pode fazer uma situação dessa. Se está errado, leva para a delegacia, não pode matar”, diz uma mulher em conversa com a Ponte enquanto limpava a entrada de sua casa antes da forte chuva que atingiu a região do ABC Paulista na tarde desta quarta-feira (11/11).
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Para o tenente-coronel aposentado Adilson Paes de Souza, autor da tese de doutorado “O policial que mata: um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do Estado de São Paulo”, a versão dada pelos PMs no histórico da ocorrência é “pouco crível”.
“É uma fantasia muito mal engendrada. A pessoa entra em luta corporal com o policial e este, sem querer, dá um tiro no pescoço. Não tem nada verossímil”, analisa o policial da reserva, considerando a ação um “corporativismo retrógrado”.
Adilson entende existir na história um “reforço à impunidade” pelo fato de os PMs responderem em liberdade. “Os policiais deveriam ser presos em flagrante delito por homicídio qualificado mesmo no batalhão”, define.
Corporação se nega a apresentar arma do crime
Outros policiais participaram da ocorrência depois da luta corporal entre Leandro e Bruno e do tiro que atingiu o motoqueiro fatalmente. Ricardo Costa Augusto Magalhães Gallego e Jefferson Novais dos Santos aparecem no boletim de ocorrência como “condutor” e “testemunha”, respectivamente.
No entanto, o superior dos quatro policiais do 24º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), identificado como Tenente Rojas, esteve na cena do crime, mas não compareceu à delegacia para apresentar o crime. Segundo consta no documento, a PM se negou a entregar a arma usada por Leandro.
Delegada responsável por registrar a ocorrência, Valéria explica ter pedido a ida do tenente à delegacia para prestar “maiores esclarecimentos” sobre a arma não ter sido levada ao DP, mas isso não aconteceu.
A justificativa dada pelos PMs presentes é de que a arma foi apreendida pelo Comando do 24º Batalhão por se tratar de um “crime militar” e, assim, seria de responsabilidade dos militares investigarem.
No documento, a policial civil argumenta ser uma quebra da Resolução 40/2015 da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, que determina aos PMs preservarem a ocorrência até a chegada de um delegado. Este, sim, deve apreender os objetos ligados à perícia.
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Em 9 de julho de 2020, o juiz militar Ronaldo João Roth aceitou um habeas corpus da entidade Defenda PM, que promete livrar de investigações policiais que matarem em serviço, e autorizou a Polícia Militar a prender estas provas na cena do crime.
Segundo Roth, mortes de civis em ações de PMs se tratam de crimes militares e, por conta disso, são os militares os responsáveis pela investigação e julgamento destes crimes.
“Em outras palavras, a Resolução SSP 40/15 não se aplica aos procedimentos legais disciplinados no CPPM (Código de Processo Penal Militar), em especial não esvazia, não altera e muito menos revoga o artigo 12”, defende o texto.
O juiz cita artigo do Código de Processo Penal Militar que põe na função da PM “apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com o fato” ao se constatar um crime militar.
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O tenente-coronel Adilson Paes de Souza considera a interpretação equivocada. “[Este caso] é efeito da liminar do Roth, que gera mais impunidade. Mesmo sendo na investigação da PM, se fosse para ela responsável por adotar essas investigações, a única decisão cabível era a prisão por flagrante delito”, afirma.
A delegada Raquel Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Policia Civil do Estado de São Paulo, classifica a não apresentação da arma usada pelo PM na morte de Bruno como uma “usurpação de poder”. Segundo ela, a conduta dos PMs violou “gravemente” o artigo 125 da Constituição.
“Confere à [Polícia] Civil e justiça estadual atribuições de investigar e julgar crimes contra a vida praticados contra civis. Existe um não cumprimento legal da lei. É rasgar a Constituição, violar os direitos humanos e uma ação que quebra totalmente o estado democrático de direito”, afirma a delegada.
Raquel diz que os PMs cometeram os crimes de usurpação da função pública (artigo 328 do Código de Processo Penal) e abuso de autoridade. “A ação compromete de forma muito grave a persecução penal e criminal pela falta da imparcialidade. Coloca em risco a segurança da população”.
A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública), comandada pelo general João Camilo Pires de Campos no governo de João Doria (PSDB), sobre a ocorrência com a morte de Bruno Gomes de Lima Simon Fuentes.
A pasta explicou que “todas as circunstâncias relativas aos fatos são investigadas pelo SHPP (Setor de Homicídios E Proteção à Pessoa) de Diadema, órgão da Polícia Civil.
“A Polícia Militar também instaurou inquérito policial para apurar o caso e a Corregedoria da corporação acompanha o andamento do procedimento”, finaliza.
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