Polícias mataram 1 a cada 5 pessoas assassinadas em SP no 1º quadrimestre de 2024

Das 880 vítimas, 283 foram mortas por policiais de janeiro a abril deste ano. “Letalidade voltou a ser a forma da polícia combater”, diz pesquisadora

Ato da Coalizão Negra Por Direitos protesta contra a violência policial, em 4/12/19 | Foto: Sergio Silva/Ponte
Ato da Coalizão Negra Por Direitos protesta contra a violência policial, em 4/12/19 | Foto: Sergio Silva/Ponte

Uma a cada cinco pessoas assassinadas em São Paulo neste ano foi morta pela polícia. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP), das 880 vítimas, 263 tiveram como algozes agentes públicos. 

A maioria das mortes foi cometida por policiais em serviço — foram 222 registros em um começo de ano marcado pela letal Operação Verão, na Baixada Santista. Um grande número de forças policiais foram deslocadas até a região após a morte do soldado das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), Samuel Wesley Cosmo, em 2 de fevereiro. A resposta foi sangrenta: 56 pessoas morreram. 

Entre elas, o catador de latinhas José Marques Nunes da Silva, 45 anos, morto um dia depois do soldado da Rota. José levou tiros disparados por policiais militares na casa em que vivia em São Vicente, no litoral de São Paulo. À Ponte, a família contou que ele implorou para não morrer. 

O fim da operação foi anunciado nos primeiros dias de abril, refletindo uma queda significativa no número de mortes causadas pela polícia. Em abril, a polícia de São Paulo matou menos que nos meses anteriores. Foram 43 vítimas, quando em março o número foi de 73 e em fevereiro 88.

Contudo, comparando o primeiro quadrimestre deste ano com 2023, o aumento no número de mortes provocadas por policiais em serviço aumentou 101%. No ano passado, não houve no primeiro semestre operação nos mesmos moldes do registrado agora. 

Cenário diferente do segundo semestre de 2023, quando foi deflagrada a Operação Escudo. Também na Baixada Santista, a ação ocorreu após a morte do soldado da Rota Patrick Bastos dos Reis, em julho do ano passado. Patrick foi morto em serviço no Guarujá e, mesmo com a prisão de um suspeito de atirar contra ele, as tropas continuaram na região até setembro. 

Foram 26 mortes e uma série de denúncias de violações de direitos humanos. Em dezembro, dois policiais se tornaram réus pela morte de Rogério de Andrade Jesus, 50 anos, no contexto da operação. Segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), os policiais obstruíram a câmera corporal para não registrar a morte de Rogério cometida por um deles.

Ambas as operações, Verão e Escudo, são consideradas ações de vingança por especialistas, que acreditam que ações ancoradas na inteligência são mais eficientes e menos letais. Levantamento feito pela Ponte mostrou que a Operação Verão ocorrida na pandemia apreendeu três vezes mais drogas do que a realizada neste ano. O tradicional reforço policial na Baixada ganhou caráter de justiçamento neste ano, diferente do passado.

A pesquisadora do Instituto Sou da Paz Mayra Pinheiro avalia que as operações policiais favorecem o aumento das mortes por intervenção policial, conforme demonstrado nos números. Contudo, Mayra destaca que houve crescimento em abril na comparação com o ano passado, mesmo sem ações como a Verão e a Escudo em vigor. 

Esse crescimento pode ser interpretado como uma incorporação nas polícias da forma de governar de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário da segurança pública Guilherme Derrite. Ambos defenderam a atuação das polícias mesmo diante de denúncias de violações graves. 

Críticos ao uso de câmeras nas fardas, a dupla Tarcísio-Derrite lançou na semana passada um novo edital para a aquisição dos equipamentos. Especialistas ouvidos pela Ponte disseram que o documento apresentado desmonta a política de combate à letalidade policial implementada no programa Olho Vivo – que estabeleceu o uso de instrumentos importantes como a gravação ininterrupta do policiamento. 

“No último ano, nós vimos os esforços políticos feitos pelo secretário da segurança, onde a letalidade voltou a ser a forma da polícia combater”, diz a pesquisadora.

A pesquisadora defende ser necessário pensar formas de controle da atividade policial, como as Comissões de Mitigação de Risco. A normativa que estabelece essas comissões diz que elas visam o aprimoramento, sendo formadas quando ocorrem casos de letalidade policial. São coletadas informações e checadas se os procedimentos operacionais foram seguidos e, caso seja necessário, há o encaminhamento para um treinamento. 

Polícia abusiva

Em abril, houve redução nos homicídios e estabilidade nas mortes cometidas por policiais de folga. Apesar disso, o indicador apontado por especialistas para medir o uso de força excessiva está acima do considerado ideal.

Em relação aos policiais de folga, houve certa estabilidade em comparação com o retrospecto. Foram notificadas 41 mortes, o mesmo quantitativo de 2023 e de 2022 para o período.

Abril é o mês com menos homicídios dolosos da série histórica divulgada pela SSP-SP (que começa em 2013. No mês, foram registrados 194 homicídios. É o menor número do ano (uma queda de 17% em relação ao mês de março, por exemplo). Se comparado ao mês de abril do ano passado, a queda foi de 16%.

Para especialistas em segurança pública, um indicador que mede o uso excessivo da força é comparar homicídios dolosos e mortes praticadas pela polícia. Segundo estudos de Ignacio Cano, o ideal é a proporção de 10%, e Paul Chevigny sugere que índice maior de 7% é considerado abusivo.

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Considerando os dados de abril deste ano, a taxa é de 23%. O número é maior que nos últimos três anos, quando foram registrados 20,2%, 13,3% e 12,5%, respectivamente. 

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou a SSP-SP solicitando entrevista com um porta-voz para repercutir os dados. Também foi solicitada uma posição da pasta quanto aos dados. Não houve retorno em relação à entrevista. 

Em nota, a SSP disse não ser correto comparar os homicídios dolosos com as mortes pela polícia, por serem ocorrências de naturezas completamente distintas. “As mortes em confronto são consequência direta da reação violenta dos criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado”, escreveu.

A pasta também disse que investe na capacitação de policiais, na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas para reduzir a letalidade policial.

Veja nota na íntegra 

A SSP esclarece que não é correto comparar os dados de homicídios dolosos com as mortes em decorrência de intervenção policial (MDIP), pois são ocorrências de naturezas completamente distintas. As mortes em confronto são consequência direta da reação violenta dos criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado. Em muitos casos, os suspeitos optam pelo confronto, colocando em risco tanto a população quanto os participantes da ação. Mesmo assim, todos os casos de MDIPs são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário. Além disso, a pasta investe permanentemente na capacitação dos policiais, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, e em políticas públicas para reduzir a letalidade policial. Os cursos ao efetivo são constantemente aprimorados e comissões direcionadas à análise dos procedimentos revisam e aprimoram os treinamentos, bem como as estruturas investigativas.

Para garantir a segurança dos policiais, por sua vez, a SSP investe em treinamentos constantes para que as técnicas de abordagem sejam aperfeiçoadas e o risco para o policial, diminuído. As mortes são investigadas pela Polícia Civil e por uma divisão especializada da Corregedoria da PM.

Crimes violentos

A SSP tem concentrado esforços para combater todas as modalidades criminosas no estado, incluindo crimes contra a vida ou cometidos com o emprego de violência. Para isso, as polícias paulistas atuam de forma integrada e os índices criminais são continuamente monitorados para criar políticas públicas de enfrentamento, reorientar e reforçar o policiamento nas ruas, e intensificar investigações e operações policiais. Tais esforços, permitiram ao estado registrar menos de 200 homicídios em um mês de abril em 24 anos e o recuo de 10,1% e 10,5% nos casos e vítimas deste crime, respectivamente, no quadrimestre. Somado a isso, os latrocínios – roubos seguidos de morte —  registraram dois casos a menos no mês passado, enquanto os feminicídios tiveram o recuo de três ocorrências na mesma análise.

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