Jovem passeva depois do trabalho em sua moto quando foi morto pela polícia neste domingo (14), um dia após fazer 22 anos. “Ele não estava armado, era trabalhador e amado por todos no bairro”, diz mãe
O som estridente das motos, buzinas e da música alta que tocava na noite desta segunda-feira (15), em um protesto no bairro Vila Menck, em Osasco (Grande SP) contrastava com o choro silencioso de Elisangela Aparecida Nascimento, 38 anos, mãe de Caique Gabriel. Ela caminhava triste, segurando o capacete do filho, pelas subidas e descidas das ruas estreitas do bairro periférico, composto por pequenos comércios e muitas residências coladas uma às outras.
O jovem, que acabava de completar 22 anos no sábado (13), foi morto pelo policial militar Daniel Pereira dos Santos na noite de domingo (14) ao passear com a sua moto pelo bairro. A morte aconteceu na avenida Padre Guerino Ricciotti, por volta das 21h25.
De acordo com o boletim de ocorrência, os PMs Daniel Pereira dos Santos e Daniel Vitorino da Silva atendiam a uma ocorrência de duas pessoas na avenida, quando Caique Gabriel surgiu pilotando sua moto em alta velocidade.
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Naquele momento o policial Pereira solicitou a parada do jovem, que seguiu andando com a moto e que, segundo o BO, pretendia atropelar o policial.
Foi quando o PM efetuou um disparo de arma de fogo, atingindo Caique. O entregador caiu no chão a 200 metros de distância e, ainda de acordo com o documento, morreu imediatamente no local. Com ele teria sido encontrado um revólver calibre 32 e a moto possuía uma fita adesiva na placa. Além disso, Caique não era habilitado.
Dois dias depois, ao som do funk “Espera Eu Chegar”, que ficou conhecido após a morte de nove jovens em 2019 no Massacre de Paraisópolis, cerca de 150 pessoas andavam pelas ruas de Osasco ouvindo a música que diz: “Só de pensar que nunca mais eu vou te ver, dói. Que mundo é esse tão cruel que a gente vive? A covardia superando a pureza. O inimigo usa forças que oprimem. É, vai na paz, irmão, fica com Deus, eu sei que um dia vou te encontrar. Valeu menor, espera eu chegar.”
O ato teve início às 17h na rua Geraldo da Conceição e se encerrou por volta das 20h30 na mesma rua depois de passar pelas ruas do bairro e pela avenida Padre Guerino Ricciotti.
Além dos pedestres, grande parte deles jovens de até 25 anos, que carregavam faixas dizendo “Maldito sistema que ri enquanto a mãe chora de não ver seu filho mais aqui” e “Eles deviam cumprir e servir, não matar e destruir”, uma carreata também se formou pelo bairro, com ao menos 20 carros e 15 motos seguindo atrás dos manifestantes buzinando ininterruptamente.
As motocicletas soltavam o escapamento para o barulho ficar ainda mais alto. Nas janelas e varandas os vizinhos olhavam curiosos o que ocorria, além daqueles que iam para o portão gravar as cenas com seus celulares.
Com os olhos cheios de lágrimas, uma das irmãs de Caique, Gabriela Nascimento, 16 anos, desabafou: “Colocaram um plástico em cima dele, ele morreu com um tiro nas costas que chegou no tórax, não deixaram socorrer meu irmão. Uns 20 minutos depois que ele caiu não deixaram chegar perto. Deixaram ele morrer pedindo socorro”.
Em entrevista à Ponte, Elisangela Aparecida Nascimento, de 38 anos, mãe de Caique, lembra da última mensagem trocada com o filho primogênito. “Não cheguei a ver ele no aniversário, mas mandei mensagem. A última frase que ele escreveu para mim foi: ‘Te amo bebê’. Será que eu vou escutar essa frase de novo? Será que ele vai mandar mensagem para mim? Não vai, acabou, eles tiraram meu chão, meu filho, um pedaço de mim”, disse aos prantos.
Elisangela, que é mãe solo de sete filhos e trabalha como doméstica, disse que o filho trabalhava desde os 10 anos para ajudá-la. Ela engravidou jovem, aos 15 anos, e ganhou Caique aos 16. “Começou a trabalhar criança, em lava rápido, e adulto trabalhava como ajudante de caminhão em uma empresa, mas foi dispensado por conta da pandemia. Para não ficar parado, ele entrou nessa onda de entregar marmita, gostava muito de andar de moto. Meu filho era muito amigo, companheiro, ele tinha terminado os estudos. O sonho dele era acabar de construir a casinha dele, de arrumar a casinha. Ele já tinha comprado a moto, não era vagabundo como eles falaram”.
A morte de Caique Gabriel chocou os moradores do bairro, como afirmou uma das vizinhas próximas do jovem ,que preferiu não se identificar. “Eu conhecia ele, minha família conhecia, era um menino bom, um menino trabalhador que não roubava que não fez nada de errado, só trabalhava para realizar o sonho dele. Infelizmente a vida dele foi interrompida por covardia dos policiais, negaram socorro a ele. Abalou todo mundo do bairro, todo mundo conhecia ele, era um menino muito querido e isso não pode se calar, a gente pede justiça”.
“Ele estava comemorando o aniversário dele e fugiu dos policiais porque estava com medo pela moto não estar no nome dele ainda e ele recebeu um tiro por trás, caiu pediu socorro e eles não deixaram as pessoas se aproximarem dele. É um absurdo, nós somos brasileiros, nós somos trabalhadores, assim como foi o filho dela, poderia ter sido meu filho, o filho de qualquer um, pedimos justiça em nome dele”, finaliza a vizinha, revoltada.
O BO diz que o óbito foi confirmado pelo socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). O caso foi registrado no plantão do 10° DP (Osasco) como morte decorrente de intervenção policial, porte ilegal de arma, dirigir sem carteira nacional de habilitação e apreensão de veículo.
A versão do BO, no entanto, é contestada pela família e vizinhos do jovem. De acordo com Elisângela, o filho ficou agonizando e pedindo socorro no chão por cerca de 50 minutos, enquanto mais de 50 pessoas se aglomeravam em volta de Caique. “Na hora que recebi a notícia eu estava trabalhando. Minha filha ligou para mim dizendo que ele tinha tomado um tiro e mandou eu ir pro local. Ele estava vivo, ficou 50 minutos agonizando, ele pediu socorro acho que duas vezes, mas não conseguia mais falar. Uma colega nossa chegou perto dele e disse que ele estava com um olho aberto e outro fechado e o policial tirou ela de perto. O tiro foi nas costas e chegou até o peito, parece que subiu e atravessou”.
A mãe de Caique também alega que a arma encontrada com o entregador foi colocada pelos policiais para criminalizá-lo, no momento em que a tropa de choque da PM esteve no local e jogou bombas para afastar as pessoas do corpo naquela noite. “Jogaram bombas, levantaram a manta e jogaram um revólver embaixo da manta. Mudaram o corpo dele, ele estava de camiseta, deitado de lado e depois ele estava todo estirado no chão e sem camisa. Não o levaram para o hospital, quando eu cheguei lá não deixaram eu chegar perto, disseram que eu não podia botar a mão no meu filho, me proibiram, nem perícia dele teve, só tiraram uma foto”.
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Erika Aparecida de Lima, tia de Caique, reitera que o jovem não tinha arma. “Ele não estava com nenhuma arma, até porque ele nunca pegou em uma arma, eles que atiraram pelas costas. Os policiais jogaram bombas para assustar a população, todos correram, quando voltamos e vimos que a perícia chegou, vimos que o senhor que fez a perícia saiu com uma arma em um saco”.
Ela lembra dos bons momentos com o sobrinho. “A última vez que eu vi ele foi na sexta-feira, ele morava aqui no quintal de casa. Sempre que descia da casa dele, passava aqui no quintal, passava na minha mãe e dava benção pra ela, falava ‘E aí Nu, o que tem de bom para nós? Faz um suco para nós’. Sempre que descia nós conversavamos um pouco. O Caique era um menino super de boa, sempre nos tratava bem, o que ele tinha, dividia com a gente”.
Elisangela lamenta a perda de um filho, que também era seu companheiro. “Ele me ajudava muito, para comprar um gás, além dos meus filhos tenho sobrinhos para cuidar, não ia deixar ninguém na rua. Esses policiais vão me ajudar com cesta básica? Não vão. Eles tiraram um pedaço de mim, tiraram o filho que estava me ajudando”.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, todas as circunstâncias relacionadas aos fatos estão sendo apuradas pelo 7º DP de Osasco e pela Polícia Militar, que instaurou o IPM (Inquérito Policial Militar). “Um revólver calibre 32 foi localizado com o suspeito e apreendido para perícia, assim como as armas dos PMs envolvidos. Diligências estão em andamento para esclarecer os fatos”, diz a nota da assessoria de imprensa terceirizada InPress.
A SSP não respondeu às seguintes questões:
1) Qual risco Caique, sozinho em uma moto, poderia causar aos PMs para que ele fosse executado com um tiro?
2) Segundo familiares de Caique e pessoas que estavam próximas ao local, o jovem pediu socorro mas não foi atendido. Qual horário o socorro chegou?
3) O policial militar que efetuou o disparo foi afastado das atividades?
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