“Guardas civis não possuem autonomia para cuidar de ocupação de um terreno particular”, explica especialista. “A gente não anda armado, não temos escudo, só queremos moradia”, lamenta moradora.
Um terreno, que estava abandonado há 20 anos, foi ocupado por cerca de 100 famílias na última sexta-feira (13/11) em Cajamar, município de São Paulo. Apesar de ser um terreno particular, a Prefeitura de Cajamar, sob comando de Danilo Joan (PSD), reeleito no domingo (15/11) com 82% dos votos, enviou a tropa de choque da Guarda Civil Municipal, responsável pela segurança do patrimônio público, para desocupar o local.
Naquele mesmo dia, as famílias, com a ajuda Movimento Luta Popular, havia ocupado o terreno na Rua Tatuí, no Jardim Paraíso, surgindo, assim, a Ocupação Terra da Liberdade.
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Após poucas horas, receberam a primeira visita da GCM, que, segundo Irene Guimarães, advogada que acompanha o Luta Popular, portava armas letais e menos letais. “A GCM chegou com um contingente enorme com o objetivo de remover as famílias a força. Chegaram agindo com truculência, agredindo os moradores, mas as famílias estavam firmes e organizadas”, contou Irene.
Nesse primeiro dia, continua a advogada, a GCM chegou a dar voz de prisão para Josimery Matos Paixão, outra advogada que auxilia o movimento. Mas, mesmo assim, a resistência continuou. “A PM foi chamada, foi ao local e disse que não tinham nada para fazer ali porque uma remoção só poderia ser feita com uma liminar de reintegração de posse”, apontou Irene Guimarães.
“O terreno estava abandonado há mais de 20 anos sem cumprir qualquer função social, é um terreno particular que tem uma parte que é ZEIS [Zona Especial de Interesse Social], exatamente para moradia de população de baixa renda”, explicou.
No sábado houve outra ação da GCM, também truculenta. Dessa vez os guardas foram acompanhados de um fiscal da Prefeitura de Cajamar, que entregou um documento aos advogados apontando que, no terreno, “estaria sendo feito um parcelamento irregular do solo e que era necessário fazer a remoção imediata”. Esse documento, explicou Irene Guimarães, era irregular, já que não era judicial, procedimento padrão para reintegração de posse.
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“Uma ocupação não é um loteamento irregular, ocupação é outra forma de ocupação do solo”, protesta a advogada. “Eles trataram a situação como se fosse uma empreiteira, em uma cidade que tem um monte de grandes empreendimentos que estão irregulares, inclusive muitos deles violando as normas ambientais”, denunciou.
Imediatamente os advogados voluntários oficializaram o Ministério Público, informando sobre a “atuação ilegal da GCM, que estava agindo em nome do proprietário privado, querendo fazer uma remoção forçada”.
“Fizemos um recurso a essa notificação totalmente ilegal, que sequer apontou qual o artigo e legislação que estaria sendo infringida. Não cabe à GCM agir pelo patrimônio privado, ela cuida do patrimônio público”, pontuou Irene Guimarães.
No domingo (15/11), Irene e mais dois advogados do movimento foram recebidos na Prefeitura. A advogada conta que foi decidido com o fiscal que haveria uma discussão para regularizar a situação das famílias, mas não foi o que aconteceu. Chegando lá, o fiscal avisou que a reunião, na verdade, aconteceria na parte da tarde com o departamento de Departamento de Habitação, da Secretaria de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano.
“Quando chegamos, pediram para deixarmos os celulares do lado de fora da sala, em uma caixinha”, lembrou Irene. “Entramos na reunião e não houve nenhuma perspectiva de diálogo. Nesse horário que estávamos lá reunidos foi o horário em que eles foram fazer a ação. Eles organizaram a situação para organizar a ilegalidade deles da melhor forma possível”.
Na segunda-feira (16/11), a Prefeitura enviou, mais uma vez, a Guarda Civil Municipal ao local. Dessa vez, para cumprir a desocupação. “A Prefeitura usou o poder de polícia para fiscalizar o uso e ocupação do solo para fazer uma ação ilegal”, definiu Irene.
“Ainda se fosse um loteamento irregular, o que não é o caso, é uma ocupação, o procedimento previsto pela própria administração municipal é fazer uma notificação, dar um prazo, a primeira penalidade é uma multa e só por último tem a remoção, inclusive com prazo e acordos. Mas nada disso foi feito”, explicou.
Apesar de ilegal e da falta de acordo, as famílias decidiram sair do local de forma pacífica. “Na hora que eles chegam, eles não perguntam quem é o responsável e o que a gente tá fazendo aqui. Eles querem agredir, mostrar poder. Se o prefeito tivesse poder, cada um aqui tinha uma moradia. Sozinho somos poucos, mas se reunir todo mundo, o povo consegue, o povo ganha”, afirmou uma das moradoras.
“A gente não anda armado, não temos escudo, só queremos moradia. Não podíamos bater de frente”, completou outra moradora, lembrando que “ninguém mora em uma lona porque é legal, moram porque precisam”.
Irene afirmou à Ponte que as famílias saíram do local sem nenhum tipo de auxílio da Prefeitura. “Algumas famílias foram acolhidas por outras ocupações, de forma temporária, outros foram para casa de parentes e outros, sinceramente, não se sabe para onde foram”.
“Em tempos de pandemia, em que a orientação é ficar em casa, o despejo foi feito porque, na real, não há qualquer preocupação com a vida dessas pessoas, mas garantir interesse dos proprietários de terras e grileiros”, finaliza.
‘As guardas civis foram criadas para defender o patrimônio público’
A advogada Rosangela Maria Rivelli Cardoso analisou o caso à pedido da Ponte. Para ela, “uma notificação feita por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, incompetente, não poderia ser usada para uma desocupação de área, feita por cidadãos que, legitimamente, lutam para garantir seu direito constitucional à moradia”.
Para que a desocupação fosse feita, continua Rosangela, era necessário um processo legal, “com a sentença final, imitindo o ‘proprietário’ na posse do imóvel, razão da sua desocupação”.
A advogada também avaliou que “as guardas civis foram criadas para defender o patrimônio público” e por isso “não possuem autonomia para cuidar de questões tão importantes como a ocupação de um terreno particular, por militantes do movimento de moradia”.
Outro lado
Por e-mail, o Departamento de Comunicação e Imprensa da Prefeitura Municipal de Cajamar informou a GCM foi chamada pelo Departamento de Fiscalização “a fim de manter a ordem pública”.
A situação, explicou a Prefeitura, “não trata-se de reintegração de posse e sim de parcelamento irregular do solo, em desconformidade com a legislação. Tendo isso acarretado a ação de notificação preliminar pelo Departamento de Fiscalização do Município a fim de evitar novas ocupações e invasões irregulares”.
Sobre a ação da GCM, a Prefeitura argumentou que “em momento algum houve excessos ou uso de forças, conforme corroboram testemunhas, vizinhos e a própria imprensa que acompanhou a ação”.
Os planos do prefeito para habitação, continuou a Prefeitura, é “dar continuidade ao Programa Casa Legal com entrega de 6000 títulos de propriedade e a construção de 500 a 1000 unidades habitacionais destinadas às famílias residentes em áreas de riscos e já inclusas no cadastro do Departamento de Habitação de Cajamar”.
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