Arthur Stabile foi atingido duas vezes com spray de pimenta neste domingo (15) enquanto acompanhava ato que cobrava resposta do Estado sobre morte de jovem de 23 anos; entidades de classe como FENAJ e SJSP repudiam agressão
Apesar de ter sido cobrada repetidamente sobre agressão sofrida pelo repórter Arthur Stabile, 27 anos, da Ponte, a Prefeitura de Diadema (Grande SP) insiste em não se posicionar sobre ação do supervisor GCM Jorge Ribeiro Penna Teixeira, que jogou spray de pimenta duas vezes contra o jornalista que trabalhava na cobertura de um ato no domingo (15/11).
O repórter da Ponte acompanhava o ato contra a morte de Bruno Gomes de Lima Simon Fontes, morto em 10 de novembro, aos 23 anos, ao ser baleado “sem querer” no pescoço por um PM. Familiares e amigos organizaram a manifestação no Jardim Piraporinha, próximo à divisa da cidade com a capital paulista. O repórter está sendo acompanhado pela advogada Giane Álvares Ambrosio e irá registrar um boletim de ocorrência por abuso de autoridade contra o guarda.
Essa não foi a primeira vez que um jornalista da Ponte é agredido enquanto cumpria o exercício da profissão. Em janeiro de 2019, o fotojornalista Daniel Arroyo foi atingido por uma bala de borracha, na perna, enquanto cobria um ato contra o aumento da tarifa na Avenida Paulista. Onze meses depois, em dezembro do mesmo ano, a Polícia Militar tentou apreender imagens que Arroyo registrava de manifestação de moradores de Paraisópolis, revoltados com a morte de 9 jovens em ação da PM durante baile funk.
Arthur Stabile narrou como tudo aconteceu. Logo no começo do ato, disse o repórter, a Polícia Militar esteve na região e isso gerou revolta por parte dos manifestantes. “A família tava tentando fazer o meio campo entre a polícia e a galera, dizendo que ali, entre os policiais, não tinha nenhum dos policias que estavam na ação que matou o Bruno”.
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Até que, em um determinado momento, uma pedra foi jogada contra uma das viaturas da PM, quebrando o vidro traseiro do veículo. “Aí o clima ficou mais tenso”, lembrou Stabile. Nesse momento, Anselmo Simon Fuentes, tio do Bruno, tomou a rédea e disse esse tipo de comportamento era desrespeito em relação à família.
“Ficou aquela tensão, aí a polícia informou que manteria uma viatura, para fazer o acompanhamento para fazerem o ato e o resto iria embora, eram cerca de cinco a sete. Quando voltou a caminhada, tava tudo tranquilo”.
Depois de um tempo, contou o jornalista, o ato seguiu em uma rua e, na parte debaixo, fez uma curva em uma rua paralela. Algumas motos seguiam na frente da caminhada e Stabile acompanhava a cortejo ao lado de Katia Aparecida, mãe de Bruno, “que estava extremamente abalada”.
Ali outra confusão se iniciou. “Começamos a ouvir uma movimentação e barulho de bomba. Quando aconteceu isso, eu fui ver o que estava rolando, foi quando identifiquei que era a GCM e não a PM. Fui onde estava a treta e desceram de uma viatura da ROMU [Rondas Ostensivas Municipal] quatro ou cinco guardas”.
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Nesse momento, Stabile contou que seguiu com o celular, filmando, como estava fazendo anteriormente. “Até que um dos guardas pegou na minha mão e disse ‘você não vai filmar, deixa a gente trabalhar’. Eu respondi que era jornalista, que estava trabalhando, apontei o meu crachá. Mesmo assim ele falou para eu sair de lá. Abaixei o celular e depois voltei a gravar”.
A confusão que degringolou em agressões, continuou o jornalista, começou quando os guardas jogaram a viatura em cima de uma moto que tinha um casal, que não participava do ato. “Isso gerou toda a animosidade”.
Os manifestantes rezariam em homenagem ao jovem morto pela PM na esquina em que a morte aconteceu. Também foi ali que o tio de Bruno conversou com o supervisor Penna.
“As pessoas ficaram muito inconformadas pela ação da GCM, de jogar o carro contra a moto. Eu não cheguei a ver a versão oficial da Prefeitura de Diadema de que um guarda foi baleado e que quatro pessoas estavam ostentando armas. Eu não vi, estava a 500 m dessa situação quando ela aconteceu, então não tenho parâmetros [para falar disso]”, explicou Arthur Stabile.
“Os ânimos foram acalmando, até que um cara chegou e gritou ‘vocês são vermes’. O Penna se transtornou. Eu não estava gravando, mas estava acompanhando”, lembrou o jornalista.
“Quando vi a reação dele, tive tempo de puxar o celular, abrir e começar a gravar, que são as imagens que ele tá correndo até a pessoa e dando o primeiro spray de pimenta. Quando ele ataca a pessoa e volta, eu fico a uns dois metros dele. Tô filmando, de crachá e com a roupa totalmente diferente das pessoas que estavam no ato. Todo mundo de branco e eu completamente de preto. Ele bateu o olho, viu que eu estava gravando e já joga spray”.
O primeiro jato de spray de pimenta atingiu o repórter no lado esquerdo do rosto, na testa e na mão, que segurava o celular. “Como eu não senti o efeito imediato, o spray bateu em mim e não ardeu, eu continuei. Fui atrás dele gravando o que ele ia fazer. Ele foi atrás, aleatoriamente, de outras pessoas para usar o spray, sem explicação. Tinha gente com criança ali, uma senhora caiu no chão depois dessa ação precisando de socorro”.
Apesar disso, o supervisor Penna atingiu novamente o repórter da Ponte. “Ele me vê novamente, eu já tinha falado que era imprensa, falei mais uma vez, apontei o crachá e ele novamente jogou spray de pimenta. Nessa segunda foi quando eu comecei a sentir um pouco o efeito. Eu peguei um pouco de ar e fui falar com ele”.
Mesmo atingido novamente, Arthur Stabile continuou fazendo o seu trabalho, foi atrás do guarda questionar a versão dada pelos GCMs sobre o guarda que fora baleado. “Quando ele viu a gravação, ele disse que não iria falar. Eu respondi que, se eu gravei a ação errada, vou gravar agora. Aí ele se acalmou e falou um pouco, dando a versão de que o guarda estava no hospital, versão que a prefeitura corrobora nas duas notas”.
Em nota, a Prefeitura de Diadema afirma que a ação teve início quando manifestantes “passou a ostilizar [sic] os policiais da GCM arremeçando [sic] objetos” contra os guardas, que pediram apoio. Ainda de acordo com a versão oficial, um GCM “visualizou quatro indivíduos ostentando arma de fogo no meio dos manifestantes e ouviu-se um estampido”. Foi nessa hora que um dos guardas informou ter sido atingido por um tiro na perna.
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“As equipes que chegaram em apoio utilizaram de instrumentos de menor potencial ofensivo, conforme preceitos da Lei 13.060 para dissuadir os manifestantes e garantir a segurança do local de votação. Foi registrado boletim de ocorrência no 3º DP”, informa a nota do prefeito Lauro Michels.
Arthur Stabile contou que, só depois que parou de gravar, o supervisor Penna disse que não sabia que ele era jornalista e pediu desculpa. “Só isso, não passou disso, não perguntou o que podia fazer para amenizar o dano, não ofereceu nenhum tipo de socorro. Nem para mim nem para as outras pessoas. Ele atacou com spray de pimenta sem se importar com quem foi atingido”.
O spray de pimenta só começou a fazer efeito no jornalista depois de 15 minutos dessa última conversa com o guarda. “Pedi água para uma família que morava ali na frente, me deram vinagre também, mas não adiantou. Pedi para usar o banheiro e decidi tirar a lente de contato. Foi a pior coisa que eu fiz, foi como se eu tivesse tomado facadas no olho. A minha sorte é que nesse dia eu tinha levado meus óculos, que eu não costumo levar, se não eu tinha ficado completamente sem visão no trabalho”.
O sentimento que fica da ação, lamentou Stabile, é a de isolamento. “Só tinha eu de jornalista, se acontecesse algo comigo ia ser a minha versão contra a dos GCMs. Eu me senti isolado, sem apoio. Até senti que o caso em si não repercutiu, fiquei um pouco decepcionado em relação a isso. Só senti respaldo da Ponte“.
“Eu precisava tomar um tiro para alguém tomar uma atitude? Eu não duvido que ele atirasse quando ele virou, se ele teve essa reação com o spray de pimenta, eu questiono como ele reagiria se tivesse outro elemento na mão”, apontou.
“As pessoas estavam muito alteradas, de fato, mas porque foi o Estado que matou a pessoa pela qual elas estavam protestando e era o Estado que estava tentando impedir que eles fizessem isso. Era uma segunda violência. A PM entendeu o que estava rolando, mesmo tendo o vidro da viatura quebrado, mesmo sendo confrontada. A GCM não teve nada disso, chegou para acabar com a situação, já chegaram com bala de borracha, com bomba e depois com o spray de pimenta”, diz o jornalista.
Repercussão
A gravidade da agressão chamou atenção de organizações da classe como a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o SJSP (Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo).
Em nota, a Abraji aponta que procurou a Prefeitura de Diadema, que afirmou que manteve os guardas na instituição para garantir a segurança do processo eleitoral na seção da Escola Municipal Humberto Marouelli Mendonça, no bairro de Piraporinha.
Também em nota, a Fenaj e o SJSP se solidarizam e exigiram da administração municipal de Diadema a devida apuração e responsabilização sobre os fatos. “Além da truculência contra os manifestantes, uma violação ao direito de manifestação, a agressão ao repórter se trata de cerceamento do trabalho jornalístico, e por isso um sério atentado à democracia”
Por e-mail, a Prefeitura de Diadema informou que a Corregedoria da GCM está apurando os fatos e que, após a análise, o órgão tomará as medidas cabíveis para o caso.
ATUALIZAÇÃO: Esta reportagem foi atualizada às 12h50 do dia 18/11/2020 para incluir o posicionamento da Prefeitura de Diadema.
ATUALIZAÇÃO: Esta reportagem foi atualizada às 14h28 do dia 18/11/2020 para incluir o nome completo do GCM supervisor da ação.
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