Pessoas em situação de rua tiveram as barracas derrubadas em ação de equipes da zeladoria urbana e da GCM na manhã desta segunda-feira (4); moradores da praça Princesa Isabel reclamam que não conseguiram retirar pertences a tempo
A Praça Princesa Isabel, para onde migrou a área pejorativamente chamada de “Cracolândia*” no centro da cidade de São Paulo, amanheceu esta segunda-feira (4/4) com uma ação da Prefeitura de São Paulo para a remover a população em situação de rua ali instalada. A ação começou por volta das 8h.
“Perdemos tudo”, lamenta Vanderson Conceição, 34 anos, morador da praça que só conseguiu carregar o cachorro com os dois filhotes em uma caixa. “Eles chegaram arrancando e levando tudo. Para alguns, deu tempo de guardar os documentos, mas outros perderam tudo. Não falaram para levar a gente para lugar nenhum, para ‘limpar’ a praça e depois para a gente voltar sem nada. Não sobrou uma colher para comer, levaram a comida que eu tinha, não sobrou nem o arroz”. Ele, assim como outras pessoas em situação de rua, acabaram ficando entre a Avenida Rio Branco ou até mesmo na calçada para aguardar a ação. “A gente não tem para onde ir, o jeito é voltar para a praça”, completou a vendedora de balas Margarette Sttoppa, 42.
Geraldo Teixeira, 62, também dá uma dimensão do drama: “Eu morava aqui há 8 meses. Eu tenho 62 anos, tenho HIV, tenho pressão [alta], diabetes, hérnia de disco. Qual firma vai querer eu para trabalhar? Tem que trabalhar com reciclagem. Fui levar minha carroça, quando voltei já estavam derrubando tudo. Falaram que iam limpar só a sujeira, mas estão derrubando tudo. Depois dessa ‘limpeza’ ou as pessoas vão voltar pra cá ou vai lá para baixo [Praça Julio Prestes], a ‘Cracolândia vai voltar de novo”. Ele afirma que não quer ir para abrigos da Prefeitura porque “têm percevejos, pulgas”.
O coronel Marcelo Salles, subprefeito da Sé, responsável pela área, diz que foram feitos 1.800 atendimentos na semana passada e que as pessoas na praça já haviam sido avisadas da ação. “A Secretaria Municipal de Assistência Social (Smads) cientificou aqueles que estavam aqui, foram feitos 233 encaminhamentos de pessoas para centros de acolhimento e hotéis disponibilizados pela Prefeitura. A maioria das pessoas já tinha saído. Já retiramos 35 toneladas de lixo que estavam espalhados aqui. Vamos continuar com calma, tranquilidade, não houve nenhum tipo de problema grave. Retiramos três árvores que estavam condenadas, queimaram a base delas, e tiveram que ser suprimidas e vamos compensar. Vamos lavar com sabão e as pessoas virão pra cá. Só não pode ter montagem de barraca fixa, como diz o decreto 59.246/2020“, diz, ao mencionar a norma que estabelece os procedimentos da zeladoria urbana com pessoas em situação de rua e determina que objetos pessoais não sejam recolhidos.
Segundo ele, a ação das equipes vai até as 18h do dia e as pessoas poderão retornar à praça, mas não montar barracas. “Essas ações serão frequentes na região, devem acontecer uma vez por dia”, declarou. O coronel negou que a derrubada das barracas tenha sido uma determinação que partiu do então governador João Doria (PSDB), que declarou na semana passada que ordenou a Polícia Civil e a GCM as remoções, assim como fez na megaoperação de 2017, e que renunciou ao cargo na última sexta-feira (1). “A Guarda Civil diz que havia 45% das pessoas que estavam antes aqui. A última avaliação é de que em média havia 232 pessoas aqui. Essas reuniões do projeto Redenção já acontecem há mais de um ano. É um trabalho delicado, tem que ser feito com muita calma”.
Integrantes da Pastoral do Povo da Rua também estavam acompanhando as ações para evitar que as remoções ocorressem com violência. No local, a Ponte visualizou diversas viaturas da GCM, caminhões da zeladoria, além de retroescavadeiras. Policiais militares estavam no cruzamento da praça com a Rua Helvétia, onde parte do fluxo, aglomeração de uso e venda de drogas, se concentrava anteriormente. Até a publicação deste texto, por volta das 13h, ainda havia a presença de pessoas do chamado “fluxo” e com barracas montadas.
Padre Julio Lancellotti, que integra a Pastoral e chegou no local por volta das 12h40, criticou a ação da Prefeitura e chamou de “higienista”.
(*) A Ponte evita usar a expressão “Cracolândia” para se referir a regiões ocupadas por pessoas pobres no bairro da Luz, em São Paulo, ou em outros locais, por considerá-la imprecisa e preconceituosa. As pesquisas mais amplas sobre o tema, como a Pesquisa Nacional sobre o Crack feita pela Fiocruz em 2016, apontam que as causas da situação de vida dessas pessoas estão muito mais relacionadas com a pobreza e a exclusão social do que com o uso de alguma substância. Entenda: ‘Repórteres que falam em Cracolândia são uma fraude’, diz Carl Hart.