Prefeitura e PM distorcem decisão do STF para censurar ato a favor da democracia em Botucatu (SP)

Autoridades alegaram que peça assinada por Alexandre de Moraes para barrar suposta manifestação golpista na quarta (11) impediria ato programado para acontecer neste sábado (14)

Flyer do evento em Botucatu (SP) que seria realizado neste fim de semana | Foto: Reprodução

Fazendo uma interpretação enviesada de uma determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, as autoridades de segurança pública da cidade de Botucatu, no interior paulista, impediram que partidos de esquerda realizassem uma manifestação em favor da democracia e contra a tentativa de golpe de Estado ocorrida em Brasília no dia 8 de janeiro.

Diferente do que aconteceu em inúmeras de cidades do país, onde milhares saíram às ruas para repudiar os atos terroristas um dia após o vandalismo na capital federal, a militância progressita de Botucatu alega que não houve tempo hábil para mobilizar as pessoas na segunda-feira (9/1) e definiram que fariam um evento cultural em uma das praças da cidade no sábado (14/1), no final da manhã.

Como sempre fizeram nos últimos anos, sem que houvesse nenhuma negativa anterior, as presidentes municipais de PT, PSOL e PCdoB foram até o 12º Batalhão de Polícia Militar do Interior (BPM/M) na sexta-feira (13/1) para uma reunião de praxe onde seria definido o esquema de segurança da manifestação. Pela primeira vez, ouviram que o evento não poderia ocorrer.

“A gente informou às autoridades sobre o nosso ato porque não queríamos confrontos nem animosidades. Fomos chamadas para um reunião no batalhão da PM onde nos foi dito que a ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] 519 proibia qualquer ato público e se a gente fizesse a manifestação poderíamos ser multados e levados para delegacia”, informa a presidente do PSOL em Botucatu, Thalita Tavares.

Na ata, consta que participaram da reunião, além de Thalita, o secretário municipal de segurança Marcelo Emílio, o comandante da guarda municipal Leandro Destro, os capitães Cunha e Alves, do 12º BPM/M, o tenente Leandro, a presidente municipal do PT Janete Cantolli, a presidente do PCdoB em Botucatu Aparecida Franco. No documento consta que os agentes de segurança apelam para a determinação do Ministro Alexandre de Moraes, citando parcialmente a decisão do magistrado.

“Foi comentado o teor da ADPF 519, inclusive sendo entregue uma cópia para as senhoras presentes. Tal documento versa sobre a decisão do STF e dá outros providências quando da interdição e bloqueios de vias públicas e rodovias, bem como ocupação de espaços e prédios públicos em todo território nacional, executando-se a prisão daqueles que realizarem o citado ato”, diz um trecho da ata da reunião realizada no batalhão da PM em Botucatu.

Porém, tanto os PMs quantos os servidores da prefeitura não citam que a determinação do ministro Alexandre de Moraes, respondendo a um pedido do Advogado Geral da União (AGU), se referia espeficiamente a ações antidemocráticas que estavam sendo chamadas pelas redes sociais par acontecerem na quarta-feira (11/1), após os ataques ao Congresso, STF e Palácio do Planalto.

“Trata-se de requerimento apresentado pelo advogado-geral da união, em que informa a mobilização em redes sociais de grupos antidemocráticos, com o intuito de organizar, promover e divulgar a ‘MEGA MANIFESTAÇÃO NACIONAL – PELA RETOMADA DO PODER’, a ocorrer em todo o território nacional, especialmente nas capitais dos estados, nesta data, 11/01/2023, às 18h. Em vista do exposto, defiro integralmente os pedidos formulados pelo advogado-geral da união para determinar às autoridades públicas de todos os níveis federativos, em especial os órgãos de segurança pública, que adotem as providências necessárias para impedir quaisquer tentativas de ocupação ou bloqueio de vias públicas ou rodovias, bem como de espaços e prédios públicos em todo o território nacional, notadamente – mas não só – nos locais indicados na postagem ‘mega manifestação nacional – pela retomada do poder’, reproduzida no requerimento da AGU determinar a proibição de interrupção ou embaraço à liberdade de tráfego em todo território nacional”, determinou o ministro.

A presidente do PT na cidade diz acreditar que as autoridades da cidade se precipitaram na interpretação da determinação do ministro do STF. Janete Cantolli afirma que as manifestações de rua no município continuarão acontecendo, mas quer manter a boa relação que tem com os representantes da segurança pública local.

“A gente quer ir para rua, o partido está analisando o que houve aqui em Botucatu para dar um posicionamento. A gente teve que recuar neste momento em que não queremos qualquer tipo de atrito e isso a militância teve que compreender. Éramos três mulheres negras naquele ambiente e sem uma base jurídica para rebater o que nos foi reportado”, explica Janete.

Lembrando que um dos ônibus que foi detido em Brasília com pessoas que participaram do ato terrorista saiu de Botucatu, Thalita Tavares teme que a interpretação da norma feita pelas área de segurança da cidade possa se tornar uma prerrogativa para impedir que movimentos sociais saiam às ruas para se manifestar.

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“Esse tipo de leitura das determinações é muito prejudicial, principalmente ocorrendo no estado de São Paulo, que tem um governo [Tarcísio de Freitas, do Republicanos] eleito pelo bolsonarismo. Prejudica todo mundo. Reuniões políticas fazem parte da democracia, o que é totalmente oposto ao que a gente viu em Brasília.

Outro lado

A prefeitura de Botucatu, por meio de nota, afirma que o motivo do cancelamento do evento foi a imposição da determinação do STF. “Com base da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, Presidente do STF [na verdade quem preside o STF é a ministra Rosa Weber], houve uma reunião pacífica entre os organizadores do evento e a Polícia Militar e a Guarda Municipal, orientando sobre o conteúdo da decisão, e a partir disso, entendendo a situação, os organizadores optaram por cancelar o evento no formato que inicialmente foi proposto”. 

A Ponte entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), que não respondeu aos questionamentos da reportagem.

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