Presidente do Sindicato dos Delegados de SP ataca atletas trans

Delegada Raquel Gallinati afirma que mulheres trans promovem a ‘exclusão de mulheres do esporte feminino’. Declaração é ‘cissexista e transfóbica’, segundo especialistas. No Brasil, transfobia é crime desde 2019

Delegada Raquel Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de SP, em postagem no Instagram

A presidente do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo, Raquel Gallinati, fez uma postagem no Instagram na qual afirma que atletas trans “tiram o espaço que nos levou décadas de muito luta” e que promovem a “exclusão de mulheres do esporte feminino”. Na postagem, feita sobre a imagem de uma notícia do ano passado, da Gazeta do Povo, sobre os recordes da nadadora norte-americana Lia Thomas, a delegada chama os defensores da inclusão de pessoas trans no ambiente esportivo de “uma minoria de falsos ativistas”.

“É uma fala cissexista e transfóbica”, define o professor de educação física e pesquisador Leonardo Morjan Britto Peçanha, ouvido pela Ponte. Leonardo, que é doutorando em saúde coletiva pelo Instituto Fernandes Figueira e um dos autores do livro Transmaculinidades negras, rechaça a tese de favorecimento físico por parte de atletas trans em relação a atletas cisgênero. Para ele, este tipo de discurso transfóbico vem à tona somente quando pessoas trans começam a ganhar destaque dentro do esporte.

Postagem da delegada no Instagram, sobre notícia do ano passado

“Quando a Laurel Hurbbard [atleta neozelandesa do levantamento de peso] participou das Olimpíadas no ano passado, ninguém achou ruim porque ela foi eliminada ainda na primeira fase e tinha mulheres cis melhores que ela. O que acontece com a Lia Thomas é o que ocorre com todo atleta trans que se destacam, que é a transfobia”, argumenta Peçanha.

De acordo com o jornalista Caê Vasconcelos, o post da deledafa Raquel Gallinati tenta passar a ideia de que pessoas trans estão invisibilizando as lutas feitas pelas mulheres ao longo dos anos, mas o feminismo deve incluir as mulheres trans.

“A gente não pede o apagamento das pautas do feminismo, mas que se entenda que os corpos trans também precisam estar contemplados nessa luta. Essa postagem foi transfóbica, não tem outra palavra para dizer em relação isso”, define o jornalista.

No Brasil, a transfobia é considerada crime desde 2019, quando o STF equiparou todas as formas de LGBTIfobia ao delito de racismo, previsto na lei 7.716, de 2019. A pena vai de um a três anos de reclusão.

À Ponte, a delegada disse que não é transfóbica e afirmou “entender e respeitar as lutas das minorias”, apenas não aceitando o que ela entende ser uma imposição. “As mulheres estão a cada dia mais perdendo espaço com uma falsa sensação de igualdade que foi imposta goela abaixo. Para solucionar uma injustiça social, você não pode destruir, de uma forma tão rasa e superficial, outros direitos com tamanha desproporcionalidade. A nossa atleta olímpica Ana Paula vem alertando há muito tempo que esses problemas estão acontecendo no esporte e todo mundo está calado em relação a isso”, diz Raquel Gallinati. 

A delegada ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da deputada federal Carla Zambelli, em foto postada nesta semana | Foto: Instagram

A Ana Paula a quem a delegada se refere é a ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, colunista da rádio Jovem Pan, que ataca a vacinação de Covid 19 em adolescentes, já associou a criminalidade com pessoas negras e, no ano passado, participou do protesto de Sete de Setembro pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal carregando a bandeira de Gadsden (“Don’t tread on me”), símbolo da extrema-direita norte-americana. Na última quinta-feira (17), a ex-jogadora fez uma postagem transfóbica no Twitter, também sobre a nadadora Lia Thomas.

“Décadas de luta das mulheres caem por água abaixo quando a gente sabe que pessoas que têm biotipo e carga biológica favorecidas, com uma composição muscular superior a das mulheres, independente do uso de hormônio ou não, trocam de categorias e passam a competir com mulheres”, conclui a delegada.

Pessoas trans nos esportes

Desde 2003, o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabeleceu que pessoas trans podem participar de competições oficiais. No final do ano passado, a entidade montou um grupo para avaliar quais fatores são necessários para que alguém que passou por redesignação sexual possa disputar campeonatos e torneios.

Nas novas mudanças feitas pelo COI percebe-se uma disparidade de gênero. Homens trans não têm nenhuma restrição para competir. Já as mulheres precisam obedecer várias regras para que possam exercer o seu direito de participar de competições esportivas. 

Entre elas estão fazer uma declaração de próprio punho de que pertencem ao sexo feminino, não podendo alterar essa declaração ao longo de quatro anos. Além disso, seus níveis de testosterona não ultrapassem 10 nmol/L (nanomol por litro) nos doze meses anteriores à sua primeira competição e pelo restante do tempo em que competir. Durante todas as suas carreiras, as atletas trans serão monitoradas pelo Comitê Olímpico Internacional.

“Quando se fala em mulheres trans no esporte, sempre as colocam em algum lugar de vantagem. O senso comum olha o corpo delas como um cópia do corpos cisgênero de um homem, não entendo o impacto que a reposição hormonal causa nessas pessoas e em seus corpos”, avalia o professor Leonardo Peçanha.

“Tem que se entender que ninguém faz transição de gênero apenas para competir. A reposição hormonal também não só por uma questão estética, mas funcional. Então, elas sempre devem estar compatíveis com o nível de hormônios de alguém do sexo feminino”, reforça o professor.

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