Detento ligado ao PCC afirma que durante sete meses foi agredido todos os dias por presos da facção rival Cerol Fininho, na Penitenciária de Andradina (SP), com a conivência de funcionários
Edivaldo Rogério Magoga, 49 anos, se recusa a voltar para o inferno. Foragido desde 21 de março, ele contou à Ponte, em entrevista por telefone, que pretende se entregar à justiça, mas quer garantias da Secretaria da Administração Penitenciária do governo Rodrigo Garcia (PSDB) de que não será torturado nem morto pelos outros presos.
Isso porque Edivaldo relata que na Penitenciária de Andradina (SP) passou sete meses sofrendo ameaças e agressões diárias, inclusive abusos sexuais, com a conivência de funcionários. Tudo isso porque a administração penitenciária o teria colocado numa prisão dominada por uma facção rival da sua.
Edivaldo, que teve sua primeira passagem pelo sistema prisonal em 2005, cumpria pena por estelionato quando foi levado para Andradina, onde relata ter vivido os piores momentos da sua vida. Ele é ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC), mas a penitenciária seria o território de uma facção rival, a Cerol Fininho. Formada por acusados de crimes supostamente não aceitos pelo PCC, como estupro e homicídios de familiares, a Cerol Fininho teria como marca registrada a brutalidade dos assassinatos que comete dentro das prisões.
“Ao chegar, eu disse ao diretor que não entraria naquele local por se tratar de uma cadeia de presos rivais ao PCC. Apanhei muito, logo na entrada. Nunca na minha vida tinha apanhado na cara, em nenhuma penitenciária. Um agente penitenciário chamado Thiago falou para os outros presos que eu era do PCC e fui enviado por engano e que eles podiam me bater, só não podia matar”, relata Edivaldo.
“Todia eu levava murro nas costas e tapa na cara dos presos. O pessoal da diretoria ficava dizendo que ia jogar mais cadeia em mim e que eu não ia conseguir a minha provisória. Eles fazem questão de mostrar a lona que usarem para matar uns integrantes do PCC asfixiados. Colocaram os presos dentro um cubículo no sol e cobriram com essa mesma lona. Diziam que iam fazer o mesmo comigo”, relata.
Faltando menos de nove meses para o fim da sua pena, Edivaldo recebeu o benefício da saída temporária em 15 de março deste ano e deveria retornar no dia 21 para o Centro de Ressocialização de Birigui (SP), porém desde então não retornou mais ao sistema prisional por temer pela própria vida. Ele afirma que está disposto a cumprir o tempo de detenção que ainda resta, desde que seja em uma unidade onde não corra riscos.
“Eu volto se for para cumprir pena em Dracena, onde eu conheço as pessoas e nunca tive nenhum problema. Não me sinto seguro em outro lugar. Esses caras da Cerol Fininho são conhecidos por pularem de cadeia em cadeia. Chegam em um lugar, matam, vão para o castigo [celas isoladas] e depois são transferidos. Eles podem pegar mil anos de cadeia que não estão nem aí. Eles são ruins. É o pior tipo de gente que existe. Já falaram que se eu for para Birigui eles me jogarão da marquise”, comenta Edivaldo.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos pela Pontíficia Universidade Católica de São PAulo (PUC-SP) e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, as circunstâncias indicam uma possível omissão por parte do sistema prisional diante da violência que teria sido praticada contra Edivaldo.
“A lei de tortura prevê que as autoridades que se omitem também respondem pelo crime. Nessa denúncia do detento, a Polícia Civil e a Corregedoria do sistema penitenciário precisam instaurar investigações sobre as práticas de torturas cometidas pelo diretor e funcionários do presídio e também por outros detentos. E por prevaricação por parte do diretor e funcionários, que estão se omitindo diante das reclamações do detento. Além das infrações disciplinares do diretor e funcionários, por não estarem garantindo a integridade física e psicológica do preso”, declara Ariel.
Apuração
Edivaldo conta que não tem certeza de por qual motivo foi levado para um presídio dominado por uma facção rival da sua, mas diz suspeitar de “um problema com uma mulher” na cidade de Presidente Prudente (SP), que era parente de um agente prisional.
Mesmo foragido, fez um pedido para a Ouvidoria da Secretaria de Administração Penitenciária para retornar ao sistema prisional, desde que tivesse garantias por parte do Estado que não iria mais para o presídio de Andradina, onde, segundo ele, corre o risco de ser assassinado. Na resposta ao e-mail, a que a Ponte teve acesso, a SAP pede para que Edivaldo se apresente em uma unidade policial e diz que não pode garantir que ele vá para outro presídio em um primeiro momento.
“O senhor se apresenta à autoridade policial e podemos nos comprometer a acompanhar para qual unidade prisional o senhor dará entrada. Assim que isso acontecer, já entraremos em contato com a unidade para que a SAP possa avaliar o seu caso e tentar evitar que o senhor não seja transferido novamente para Andradina”, diz um trecho da mensagem, enviada a Edivaldo no começo de abril.
O Conselho Nacional de Justiça foi comunicado por Edivaldo das supostas violações que teriam ocorrido em Andradina e do seu desejo de não retornar ao local. O CNJ, então, pediu explicações à SAP. No pedido feito no dia 26 de abril, o juiz Fernando Baldi Marchetti, do Tribunal de Justiça de São Paulo, deu prazo de cinco dias para que a Secretaria apresente explicações sobre as denúncias.
Em resposta ao poder judiciário, no dia 28 de abril o diretor técnico do presídio de Andradina, Jair Silva da Costa, escreveu negando que Edivaldo tenha sofrido qualquer tipo de violência dentro da unidade prisional e afirmando que ele nunca chegou a comunicar as agressões ou pedir qualquer tipo de proteção.
“Conforme podemos constatar em sua Ficha Qualificativa, durante seu período nesta Unidade Prisional habitou o Pavilhão II, não tendo solicitado em nenhum momento M.P.S.P. (Medida Preventiva de Seguro Pessoal), bem como quando foi ouvido acerca do seu pedido de transferência, declarou que ‘não tem nada contra a Diretoria desta Unidade e nem contra seu corpo funcional'”, comunicou à justiça o diretor do presídio.
O que diz o governo
Em nota, A Secretaria de Administração Penitenciária nega que tenha havido maus tratos contra Edivaldo e que ele deveria ter se reapresentado no presídio de Birigui e que não mais ficaria em Andradina.
“A Secretaria da Administração Penitenciária informa que as acusações são descabidas. O detento deveria ter se apresentado no Centro de Ressocialização de Birigui, unidade para qual foi transferido após a sua saída temporária, e não na Penitenciária de Andradina, ao contrário do que consta nas alegações. Além disso, não há registro de pedido de transferência para a penitenciária de Dracena. Ele já solicitou anteriormente transferência para a Penitenciária I de Lavínia, alegando que teria melhor convívio naquela unidade. Entretanto, o seu pedido foi negado, pois foi verificado que ele já havia passado pelo local e não obteve convívio com os demais detentos, solicitando medida protetiva de seguro pessoal na época em que esteve no local. O detento nunca registrou qualquer denúncia contra a direção e servidores da Penitenciária de Andradina e nunca solicitou medida protetiva de seguro pessoal para essa unidade prisional”, diz o comunicado.
(*) Atualizada em 04/5, às 16h37, para acrescentar o posicionamento da Secretaria de Administração Penitenciária.