Pressão popular garantiu condenação de assassino de George Floyd, diz pesquisadora

    Yanilda Gonzáles, da Universidade de Chicago, acredita que condenação de policial que matou George Floyd demorará para trazer frutos no combate à violência. “Prisão eventual de policiais não vai inibir violência policial”, diz Joel Luiz, do Instituto de Defesa da População Negra

    Protesto nos Estados Unidos em 2020 contra a violência policial | Foto: Exército dos EUA/Sargento Mary Junell

    Nesta terça-feira (20/4) a Justiça norte-americana condenou o policial Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd. Ao mesmo tempo em Columbus, cidade do estado de Ohio, a adolescente de 16 anos chamada Ma’Khia Bryant foi morta a tiros por um policial branco. Nesta quarta-feira (21), Andrew Brown Jr foi baleado e morto por um agente do estado da Carolina do Norte.

    Uma semana antes de Ma’Khia e Brown Jr, Daunte Wright, jovem negro de 20 anos, foi morto por um policial em Brooklyn Center, cidade próxima a Minneapolis, onde Floyd morreu em maio de 2020 depois de Chauvin passar quase 10 minutos ajoelhado sobre seu pescoço. 

    A morte de Floyd, homem negro de 45 anos, provocou protestos intensamente midiatizados em diversos estados dos EUA por semanas consecutivas. Como resultado das acusações dos crimes de homicídio em segundo grau, homicídio em terceiro grau e homicídio culposo, o ex-policial pode receber pena máxima de 75 anos de prisão, a pena será anunciada dentro de até dois meses. 

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    A punição, no entanto, não é vista como única solução para o combate à violência policial que é igualmente ou mais grave no Brasil.

    Além disso, as mortes consecutivas expõem que o racismo não se combate somente com a privação de liberdade individual, acreditam o advogado Joel Luiz, fundador do Instituto de Defesa da População Negra, e Yanilda Maria Gonzáles, professora dominicana da Escola de Serviço Social da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, que estuda há dez anos a dinâmica das polícias de Brasil, Argentina e Colômbia, ambos ouvidos pela Ponte

    Para Yanilda, ainda é cedo para afirmar que o julgamento de Derek Chauvin trará consequências na forma como a polícia trabalha nos Estados Unidos e que o discurso que justifica a violência policial contra Ma’Khia, já é observado nos EUA. “O fato de que ao mesmo tempo em que o juiz lia o veredito do caso Floyd e a polícia assassinava uma menina de 16 anos demonstra o racismo persistente no país”.

    Os impactos do julgamento do caso Floyd e a prisão como solução

    Reconhecer que o julgamento do policial no caso de George Floyd foi uma vitória necessária, na visão de Yanilda. Por outro lado, ela diz que é preciso esperar para ver se vão surgir novas legislações em relação ao uso da força por policiais. “Agora estamos vendo algumas cidades com reformas para diminuir o uso da força letal por parte da polícia”.

    Por enquanto um projeto de lei de reforma da polícia, que leva o nome de Floyd, tramita no Congresso norte-americano. O projeto foi aprovado em março na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos e agora deve ser votado pelo Senado, mas segue paralisado. Entre outras coisas, o texto prevê a limitação de equipamentos militares na polícia, a proibição de estrangulamento e a criação de um registro nacional de policiais demitidos por abuso de poder.

    Nesse sentido, as prisões de policiais que usam a violência contra a população negra não é uma resposta eficaz para acabar com esse problema, como aponta Joel Luiz. “A prisão de policiais é uma resposta populista e midiática para um problema muito mais amplo e complexo. Assim como o aumento de pena não reduz a incidência de crimes e pesquisas apontam isso, a prisão eventual de policiais não vai inibir uma prática que é fruto de um conjunto de questões”, diz.

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    Joel avalia que a impunidade é uma dessas questões, mas não a única. “Certamente a impunidade é uma delas, fato é que, ao não processar, julgar e condenar, o Estado, o Ministério Público e o Judiciário legitimam essa atuação. Mas também há uma cultura da violência, em determinados espaços e corpos”.

    No olhar do advogado, a cultura é arraigada no racismo estrutural, “que tem a sua base em uma história autoritária do país que precisa ser enfrentada”.

    Para enfrentar isso, na visão dele é preciso rediscutir o papel da polícia: “Para quem ela serve, como ela serve e onde ela serve, de modo que a atuação da polícia seja a mesma em todos os espaços da cidade e que ela não varie a depender do bairro, da raça, ou do sexo de uma pessoa”.

     Ex-policial Derek Chauvin condenado pela morte de George Floyd | Foto: Minnesota Department of Corrections

    A pressão popular e a cobertura da mídia

    Durante o mês de maio de 2020, telejornais do mundo todo exibiram intensamente as manifestações do movimento Black Lives Matter, que protestava contra a violência policial nos EUA. Aos poucos os protestos cresceram e se espalharam pelo país, seguindo durante semanas. Para a professora da Universidade de Chicago, isso fez toda a diferença. “Acho que foi fundamental, minha pesquisa e de outros acadêmicos demonstram a importância da mobilização popular para ter a possibilidade de reformar a polícia e de uma condenação em casos de violência policial”, argumenta.

    Para ela, nesse caso, as manifestações de grupos de todas as idades e de diferentes comunidades gerou uma pressão para os promotores realmente convencerem os jurados pela condenação do policial. “Aqui nos Estados Unidos os promotores são eleitos, então é possível que, ao notarem as pressões populares, não só na cidade de Minneapolis, mas também no país inteiro, eles sentiram essa pressão e estão pensando na eleição do ano que vem”.

    “Essa pressão popular vai ser importante no futuro, para realmente conseguirmos ver uma mudança institucionalizada, de políticas nas condutas das polícias, para que os políticos realmente mudem as leis que protegem os policiais”, reitera.

    A pesquisadora também acha que o fato de a morte de George Floyd acontecer no contexto da pandemia foi um dos motivos do despertar dos norte-americanos. “Todos estavam em casa, assistindo televisão, acho que foi um choque para a população assistir durante 9 minutos e meio, uma pessoa sendo assassinada daquele jeito. Essa combinação de fatores levou a essa reação tão forte”. 

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    Além da mídia, ela aponta que a pandemia teve um impacto maior sobre a população negra. “A Covid-19 expôs o racismo estrutural, pois são as pessoas negras aqui nos Estados Unidos que estão sofrendo mais mortes pela doença, foi impossível ignorar, junto com essa sequência de casos de violência contra pessoas negras, foi um momento realmente único”.

    Joel Luiz, entretanto, nota incoerências na forma como a imprensa brasileira tratou o caso Floyd. “Logo após o assassinato dele fizemos alguns atos aqui no Rio, em que eu estive na organização. Em uma das entrevistas para a GloboNews, o rapaz perguntou se foi o caso de George Floyd que nos motivou a fazer aquele ato, isso demonstra um total desconhecimento da imprensa”.

    O advogado foi às ruas quando Ághata Felix, de 8 anos, foi morta em outubro de 2019 no Complexo do Alemão, na capital carioca, após ser alvejada por um PM, mas a cobertura midiática não foi a mesma. “Fizemos o mesmo tipo de ato no Complexo do Alemão e esse ato não teve nenhuma visibilidade na mídia. Entretanto, o ato que fizemos na janela histórica do caso George Floyd, teve uma cobertura midiática muito mais ampla e difundida”, lembra.

    Ágatha Félix, morta pela polícia no Rio de Janeiro, aos 8 anos, em 2019 | Foto: Reprodução Facebook

    O representante do Instituto de Defesa da População Negra entende que isso acontece porque no Brasil há uma cultura em que o que vem do exterior é supervalorizado. “A nossa própria síndrome de vira-lata, há uma cultura de não falar por si, de esperar e reproduzir questões que estão vindo de fora e tudo que vem de fora ‘é legal’. Enfim, há todo um contexto histórico para a mídia cobrir de maneira diferente uma morte nos Estados Unidos e uma morte de um brasileiro, quando as duas são realizadas por agentes do Estado e motivadas por uma mesma raiz racista na constituição dessas duas sociedades”.

    Diferenças e semelhanças da violência policial nos EUA e no Brasil

    A pesquisadora Yanilda Maria vê diversos paralelos em ambos os países quando se trata de violência policial. “Uma coisa que podemos observar em relação a violência policial nos dois países é que ela tem um forte caráter racializado. Nos Estados Unidos, cerca de 13% da população é negra, mas são cerca de 30% das vítimas de violência policial. No Brasil, já sabemos, que mais de 50% da população se identifica como negra e são cerca de 70% das vítimas de violência policial. Então é uma situação muito mais grave no Brasil”, diz.

    Movimentos negros ocupam Avenida Paulista em ato ’80 tiros em nós’, no dia 14/4, em repúdio à morte do músico Evaldo Rosa, no Rio | Foto: Rosa Caldeira/Ponte Jornalismo

    Entre as diferenças, ela explica que, nos EUA, “com certeza os policiais negros são uma pequena minoria nas forças polícias do país”. Segundo ela, há pesquisas que demonstram que policiais negros dos EUA “usam menos força e fazem menos abordagens do que policiais brancos”.

    Outra coisa que em comum é a impunidade para quem pratica violência policial, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. “É pouco comum ver casos de violência policial serem investigados. Das mil pessoas que foram mortas pela polícia nos Estados Unidos no ano passado, são muito poucos os que vão ver o resultado que veio no caso Floyd. E no Brasil a mesma coisa, das milhares de pessoas que são mortas pela polícia a cada ano, quantos desses casos serão arquivados?”, questiona.

    O movimento negro atualmente nos dois países

    Há décadas que a comunidade negra no Brasil e nos Estados Unidos estão mobilizadas, mas segundo Yanilda houve uma mudança no ano passado, nos Estados Unidos, no perfil das pessoas que protestam. “Não sei se será uma mudança permanente, mas notamos uma maior representatividade nas manifestações contra a violência policial, observamos manifestações de pessoas de todas as etnicidades do país, não era só o povo negro que saiu às ruas, estava todo mundo na rua”.

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    Já no Brasil, a pesquisadora não vê a mesma ação da população. “Eu acho que essa é uma diferença com o Brasil, nós não observamos uma coalizão multirracial. Isso seria necessário para realmente ter uma mudança no caso do Brasil, e obviamente tem uma comunicação que está acontecendo entre o movimento negro nos Estados Unidos e no no Brasil. Eu acho que tem uma troca de experiências muito interessante”. 

    Por fim, Yanilda Maria avalia que o uso do discurso sobre genocídio no movimento negro brasileiro tem sido positivo. “Todas as formas de violência estrutural, do Estado que a população negra sofre no Brasil se encaixa a esse conceito de genocídio. Nos Estados Unidos ainda não há essa estratégia do movimento negro e poderia ser também útil aqui”.

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