A cantora e liderança dos movimentos por moradia conta os próximos passos depois de sair da cadeia, onde ficou 109 dias detida no que considera ‘prisão política’
“Ser presa não é legal”. Assim começa o bate papo de Janice Ferreira da Silva, 35 anos, a Preta, com a Ponte na Casa Marielle, ponto cultural e de resistência na cidade de São Paulo. Para ela, falar dos quase quatro meses em que ocupou uma cela na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte da capital, não é uma tarefa fácil. Preta prefere falar do trabalho como cantora e produtora cultural, dos dias de luta por moradia que vive há 20 anos. Agora, os dias de cárcere foram transformados em canção: em 2020, Preta lança seu primeiro álbum, com produção da artista Maria Gadú.
A cantora deu nome à campanha para libertar as lideranças de movimentos de moradia, presas em junho deste ano acusada de extorsão. Com frase como “Liberdade Pretas” e “Preta Livre”, artistas e personalidades se mobilizaram nas redes sociais e em shows durante os mais de 100 dias que Ferreira ficou presa. Preta foi presa junto com o irmão Sidney. Ambos são filhos de Carmen Silva, referência na luta por moradia na cidade. Elas integram o MSTC (Movimento Sem Teto Do Centro), responsável pela Ocupação 9 de Julho. Mãe e filha nasceram em Salvador, na Bahia, mas foi em São Paulo que construíram a vida.
Na década de 1980, Carmen precisou deixar tudo para trás e fugir para capital paulista. A matriarca se arrepende de ter deixado os 8 filhos para trás para fugir das agressões físicas do homem com quem havia se casado. Preta, à época, tinha 15 anos. Foi ela quem cuidou dos irmãos pequenos quando a mãe precisou escolher a vida. “Eu sempre soube que meu pai batia na minha mãe. Então eu compreendi por que ela fez isso, não foi por que ela fez, foi por que ela foi obrigada”, diz Preta à Ponte.
Quando chegou na capital paulista, Carmen encontrou na militância por moradia o seu propósito de vida. Em 1992, ela trouxe os filhos para São Paulo. Passados 20 anos, mãe e filha foram separadas por mais de 100 dias justamente por essa luta: Carmen, Preta e Sidney foram acusados de extorsão e organização criminosa pelas atividades realizadas na Ocupação 9 de Julho.
Preta e Carmen respondem em liberdade ao processo. Enquanto isso, elas tentam retomar suas vidas e seguir com os planos e sonhos. Carmen se orgulha da filha, que sempre teve o sonho de ser cantora. “Preta foi uma das primeiras a ter diploma universitário, ela é uma jovem negra que sempre teve um sonho, o de cantar, e que cresceu no ativismo, que cresceu vendo que podemos fazer muito mais por outras pessoas também”, define a mãe.
[…] reuniões e assembleias foram ali na Juta, quando as mulheres negras e nordestinas lutavam por moradia. Também foi na Juta que teve contato com o movimento cultural, onde viu o surgimento de nomes […]