Professor de futebol foi preso por roubo, mas estava em casa na hora do crime

    Wilton Oliveira da Costa foi preso em maio por um crime ocorrido em janeiro de 2018, no Rio de Janeiro; campanha #SinhaLivre pede a liberdade dele

    Wilton Oliveira da Costa, 33 anos, foi preso em 12 de maio, mas estava no trabalho no horário do crime | Foto: reprodução/Twitter

    Wilton Oliveira da Costa, 33 anos, conhecido como Sinha, está no penúltimo ano de Educação Física. Cria do Novo Engenho, dá aulas de futebol para crianças no Morro do Encontro, no Complexo do Lins, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, quando não está trabalhando como jardineiro no Hospital Federal de Andaraí, também na zona norte.

    Em 12 de maio de 2020, porém, a sua rotina mudou completamente: Wilton foi preso por um roubo que aconteceu em 25 de janeiro de 2018, às 17h20, na rua Visconde de Santa Isabel, 355. Segundo o registro de GPS do celular, neste horário ele estava em casa.

    Uma campanha no Twitter com a tag #SinhaLivre recebeu inúmeras postagens, quando amigos de Wilton trouxeram o caso à tona. O motivo é a aproximação do julgamento de um habeas corpus, que acontecerá na terça-feira (23/6) às 10h da manhã. Uma hora antes, às 9h, familiares e amigos pretendem realizar um ato intitulado #SinhaLivre.

    Wilton é acusado de um roubo com arma de fogo ao lado de mais duas pessoas. Segundo a denúncia do MPERJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro), feita em 6 de novembro de 2018, a vítima foi surpreendida por um veículo com três pessoas armadas, que teriam saltado do carro e anunciado o assalto. Os assaltantes teriam ameaçado a vítima de morte.

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    Os outros dois réus foram presos pelo crime, mas absolvidos em 30 de julho de 2019, pelo juiz Marcel Laguna Duque Estrada, do TJERJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro). Segundo o juiz, não havia provas contra os acusados e a vítima não os reconheceu. Mesmo assim, em maio de 2020, Wilton foi preso pelo crime, e agora está no presídio Ary Franco, no bairro de Água Santa, considerada a pior prisão em tempos de coronavírus do Rio de Janeiro, como mostrou reportagem da Agência Pública.

    A distância do local do crime para o local onde Wilton estava, percorrida a pé, é de 17 minutos. Naquela tarde, ele saiu do trabalho às 16h05 e foi para o ponto de ônibus, onde embarcou às 16h22. Às 17h26 estava em sua casa.

    Registro do celular de Wilton no dia do crime que ele é acusado

    A família suspeita que um irmão de Wilton, William Oliveira da Costa, 27 anos, usava seus documentos e, por isso, há mais seis processos de roubo em seu nome. Os demais processos não foram para frente pois os juízes entenderam que não havia provas contra Wilton.

    “O irmão dele cometia delitos, era do tráfico, mas descobrimos isso muito tarde, porque ele morreu em fevereiro desse ano em uma operação policial”, explica a boleira Marcelle Oliveira de Souza, 30 anos, esposa de Wilton.

    A família se queixa que Wilton foi reconhecido apenas por foto, procedimento irregular de acordo com o artigo 226 do código do Processo Penal, que determina que “a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida”. Tudo isso para evitar qualquer indução.

    “Eles tinham a mesma estatura, a mesma fisionomia, eram muitos parecidos. Até os nomes eram parecido, o nome do irmão era Willian Oliveira da Costa”, continua Marcelle.

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    A suspeita começou, explica a companheira de Wilton, porque, na delegacia, o marido foi registrado como desempregado. “Ele sempre trabalhou com carteira assinada. Na empresa atual, ele está há 8 anos”.

    O intervalo de dois anos entre o crime e a prisão de Wilton, aponta Marcelle, prejudicaram que a família provasse com mais facilidade a sua inocência. “Olha quanto tempo! Se a gente soubesse disso na época, podíamos ter ido atrás das câmeras de segurança, que normalmente ficam poucos dias com os registros. Temos que correr atrás de provas de algo que aconteceu há dois anos e a pessoa que cometeu esses crimes nem está mais viva”.

    O casal está junto há 13 anos e tem uma filha de cinco, que não sabe da prisão do pai. Marcelle tem driblado como pode a curiosidade da pequena e simplesmente tem dito que o “papai já volta”.

    Os dois sempre trabalharam muito para conquistar os sonhos juntos: Wilton trabalhando no hospital e na escolinha de futebol, além de fazer faculdade, e Marcelle fazendo bolos e estudando enfermagem.

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    “Tinha dias que saíamos de manhã e só nos víamos a noite. Para chegar agora e perder tudo. Você ser acusado e envergonhado. Eu estou me sentindo envergonhada, mas tentando me manter forte para provar a inocência dele, para que ele não se sinta menos quando sair”, afirma.

    Família acredita que Wilton (à esq.) foi confundido com o irmão William (à dir.) | Foto: arquivo pessoal

    Marcelle aponta que o marido foi preso porque “todo preto se parece”. “Eles vão lá, apontam e decidem que é esse mesmo. Não se dão ao trabalho de ver o histórico da pessoa, ver se a pessoa trabalha, o grau de formação. Se conseguiram chegar até o trabalho dele iriam ver o registro dele. Meu marido paga a faculdade no cartão de crédito porque não tem dinheiro, tem que parcelar”, lamenta.

    Histórico favorável

    O advogado Reinaldo Máximo, que atua na defesa de Wilton, afirma que o histórico do professor e jardineiro é favorável: “Ele nunca mudou de endereço nem de trabalho. A empresa mudava de contratos e ele permanecia, o que mostra como ele é um funcionário dedicado”, aponta.

    “Os seis juízes anteriores não decretaram a prisão do Wilton. Somente o juiz desse caso. Um dos casos anteriores, ele foi localizado. Se ele foi localizado em um, ele poderia ter sido em todos”, afirma Máximo, sobre a alegação da polícia de que o cliente estaria foragido. “Esse que ele foi localizado ele respondeu o processo até o final, inclusive o processo está em alegações finais. Quando o promotor entregou as alegações, ele pediu a absolvição por falta de provas”, explica.

    O defensor chama atenção para o reconhecimento feito no processo que levou Wilton à prisão. “Não existe nenhuma prova concreta, existe uma acusação de reconhecimento por fotografia, que é passivo de erros. Erros gritantes”.

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    “Existe uma acusação que veio da delegacia, em que o delegado diz que no dia tal e na hora tal a testemunha esteve na delegacia para fazer um registro de ocorrência e foi mostrado a ela álbuns de fotos e ela indicou o Wilton como sendo o roubador daquele episódio”, explica.

    Esse caso citado pelo defensor envolvia Wilton e mais duas pessoas, que responderam esse processo presas. “Os dois réus foram absolvidos. Isso já é uma prova muito grande para que o Wilton, além de todas as qualidades, também seja absolvido”, avalia.

    Como o processo é físico, o advogado não teve acesso aos autos completos, só algumas páginas, como a denúncia e a sentença. Não conseguiu ver, por conta do fechamento do Fórum em decorrência da pandemia do coronavírus, o depoimento das vítimas.

    O defensor Reinaldo Máximo contou à Ponte que pretende, ainda, recolher a folha do registro de pontos no trabalho de Wilton do dia do crime para provar a versão dele.

    “Analisar foto para reconhecer suspeito é precário”

    Para Thiago Minagé, integrante da ABRACRIM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas), apesar do reconhecimento por foto ser muito falho, os processos que correm contra Wilton podem prejudicá-lo.

    “Você tem sete processos, tudo contra ele, e pela primeira vez alguém chegou para dizer algo em favor dele. Agora que a coisa começa a caminhar a favor dele. É prematuro dizer que houve erro judicial. As absolvições podem apontar isso”, explica Minagé.

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    O criminalista critica a questão do reconhecimento por foto que pode induzir a erros. “Eu sou totalmente contra o reconhecimento por foto. Descrever as características e analisar a foto é muito precário. Isso deveria ser extinto. O que tem de abuso com o reconhecimento por foto é uma coisa absurda”, afirma.

    O caso da modelo e dançarina Bárbara Querino, a Babiy, guarda algumas semelhanças com o de Wilton no que diz respeito ao reconhecimento. Assim como ela, o professor e jardineiro foi reconhecido com base em uma única foto, chamada de show-up, e que costuma causar reconhecimentos falsos — que acontecem com maior frequência em casos de vítimas brancas reconhecendo suspeitos negros (caso de Babiy e de Wilton).

    Outro lado

    A reportagem procurou a assessoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro para questionar a prisão e reconhecimento de Wilton, assim como as assessorias do MPRJ e do TJERJ para questionar a demora para a prisão ser efetivada. Até o momento, só obtivemos retorno da Coordenadoria de Comunicação Social , do MPRJ, que negou qualquer viés racista na acusação da promotoria.

    “A Promotoria de Justiça junto à 21ª Vara Criminal informa que Wilton Oliveira da Costa teve uma das condutas de liderança no roubo de carga ocorrido, não havendo racismo em sua acusação”, apontou o MP.

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