Polícia e MP agiram sem provas contra manifestantes denunciados por associação criminosa, afirmam ONGs de direitos humanos e políticos do PT
Uma operação “ilegal” e “nebulosa” das Polícias Civil e Militar de São Paulo, baseada em provas “muito frágeis” e “questões ideológicas”, com a participação mal explicada de um militar infiltrado do Exército, prendeu um grupo de pessoas com o único objetivo de “restringir o direito a protesto” e culminou numa denúncia “insensata” de um promotor de justiça.
Com essas palavras, as ONGs de direitos humanos Artigo 19 e Conectas, além do vereador Eduardo Suplicy e do deputado federal Paulo Teixeira (ambos do PT), descreveram a atuação das polícias do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e do Ministério Público Estadual no episódio da prisão de 21 pessoas, entre elas três adolescentes, detidas pela Polícia Militar no CCSP (Centro Cultural São Paulo) em 4 de setembro.
Dos 21 detidos pela Polícia Militar naquele dia, 20 pretendiam participar de um ato contra o presidente Michel Temer (PMDB) na Avenida Paulista — o outro jovem, segundo ele próprio, sua família, amigos e prints de conversa de Whatsapp, estava no CCSP para fazer um trabalho de faculdade.
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No relatório do inquérito criminal que concluiu em 28 de setembro, o delegado do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) Fabiano Fonseca Barbeiro disse que os 21 jovens haviam se reunido para cometer “atos de vandalismo” durante a manifestação na Paulista e pediu o “estabelecimento de limites acerca do direito de livre manifestação”. As provas apresentadas pelo delegado eram os objetos apreendidos com os manifestantes, entre eles frascos de vinagre e materiais de primeiros socorros.
Baseado no inquérito do Deic, o promotor de justiça Fernando Albuquerque Soares de Souza denunciou em 15 de dezembro os 18 adultos detidos por associação criminosa e corrupção de menores. A denúncia aguarda agora uma resposta do juiz da 3ª Vara Criminal Criminal da Capital. Tanto o delegado como o promotor omitiram das suas acusações a presença do capitão do Exército Willian Pina Botelho, que atuava como infiltrado entre os manifestantes sob a identidade falsa de Balta Nunes.
Ontem (5/1), o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) se reuniram com o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, chefe do Ministério Público Estadual, para debater a denúncia apresentada contra os jovens presos no CCSP. “Apresentamos nossa percepção de que essa prisão foi abusiva, baseada numa operação que envolveu o uso de um agente infiltrado do Exército e que deteve os jovens por uma possibilidade hipotética de virem a cometer infração ou vandalismo, sem que tenha sido encontrado qualquer material ilícito em seu poder”, afirmou o deputado. “As circunstâncias nos levam a crer que o objetivo desta detenção foi constranger os jovens, coibir seu direito à manifestação.”
No dia anterior, Suplicy havia chamado de “completamente absurda” e “insensata” a denúncia oferecida por Fernando Albuquerque. O vereador anunciou que pretende se reunir na segunda-feira (9) com o promotor.
Nebuloso e ideológico
“Muitas vezes, os inquéritos policiais servem como uma ferramenta de monitoramento ideológico e político dos manifestantes, possuindo como finalidade intimidar e criminalizar ativistas de forma seletiva. Nesse caso, fica muito claro que as provas utilizadas para o indiciamento dos manifestantes são muito frágeis”, afirma advogada Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ONG Artigo 19, que defende a liberdade de expressão e o acesso à informação.
A representante da Artigo 19 também criticou o relatório de inquérito final apresentado por Barbeiro em que o delegado ataca a “febre” de protestos de rua vivida pelo país desde 2013 e pede o “estabelecimento de limites acerca do direito de livre manifestação”.
“O relatório não me parece imparcial, mas sim baseado em questões subjetivas e ideológicas dele próprio e que, de forma indevida, analisa questões que vão para muito além da apreciação da eventual ocorrência de um crime ou ato infracional” ou não. Para Camila, “as autoridades precisam entender que o papel do Estado não é de agir com arbitrariedade, mas sim o de garantir o direito de manifestação independente das suas linhas ideológicas e políticas”.
Para Juana Kweitel, diretora executiva da Conectas, dedicada à efetivação dos direitos humanos e do Estado democrático de direito, as acusações contra os jovens detidos no CCSP “não têm qualquer base legal ou probatória” e “têm o claro caráter de limitar o direito de livre manifestação”.
“As prisões se deram de maneira completamente nebulosa, movimentando diversas viaturas, helicópteros, a delegacia de repressão ao crime organizado e até um infiltrado do exército”, afirma Juliana. “Ao contrário da direção que a investigação está tomando, neste episódio quem está em dívida é o Estado, que agiu de forma ilegal para restringir o direito ao protesto”.
Não foram as primeiras críticas que a detenção dos 21 jovens recebeu. Em 5 de setembro, um dia após o fato, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, numa audiência de custódia, relaxou a prisão de todos os detidos e comparou a ação da polícia com a ditadura militar. “O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Esse tempo, felizmente, já passou”, afirmou na ocasião.
Outro lado
Em nota divulgada ontem, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública rebateu as acusações. A nota, contudo, comete um erro ao afirmar que “durante o registro do boletim de ocorrência foram ouvidas mais de 10 pessoas, entre policiais e testemunhas”. O B.O. registrado no Deic não menciona qualquer testemunha além dos policiais militares: as três testemunhas listadas no documento são todas PMs. Além dos policiais e dos indiciados, o B.O. menciona apenas a presença três pessoas responsáveis pelos adolescentes (curadores), um representante do Conselho Tutelar, quatro advogados e mais um PM.
Leia a nota da Secretaria da Segurança Pública:
O DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais) informa que o grupo detido e encaminhado ao departamento pela Polícia Militar, no dia 04 de setembro, foi autuado em flagrante e indiciado por ‘associação criminosa’, ‘formação de quadrilha ou bando’ e ‘corrupção de menores’. O inquérito foi encaminhado à Promotoria, que ofereceu denúncia contra os indiciados.
Cabe esclarecer que durante o registro do boletim de ocorrência foram ouvidas mais de 10 pessoas, entre policiais e testemunhas, além dos integrantes do grupo. Após tomar conhecimento de todos os fatos e circunstâncias narrados, com objetivo de reunir os subsídios necessários para formação de sua convicção jurídica, nos termos do Artigo 144 § 4º da Constituição Federal e da Lei 12.830/13, em seu Artigo 2º, §§ 1º, 2º, 4º, 5º e 6º, o delegado deliberou pela autuação em flagrante de todos os detidos.
A Corregedoria da Polícia Militar informa que recebeu um oficio da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital que foi encaminhado ao Comando de Policiamento de Área Metropolitana-1. A apuração está em andamento. Além disso, a Secretaria da Segurança Pública informa que a Polícia Militar acompanha todo e qualquer protesto para resguardar a integridade física de todos os cidadãos e o direito à manifestação.
A pasta reitera que não houve qualquer operação conjunta com o exército durante as manifestações em São Paulo.
Já a assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual disse que o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza não vai se manifestar sobre as críticas à sua denúncia.