Promotor não vê indícios de execução em morte de jovem algemado dentro de viatura

    José Guilherme da Silva, 20, foi morto com um tiro na cabeça enquanto estava algemado com as mãos para trás, dentro de uma viatura, a caminho da delegacia. Promotor afirma que é possível que a vítima tenha se matado

    Depois de quase 4 anos, Justiça e MP ainda não sabem dizer se José Guilherme foi morto ou se matou estando algemado com as mãos para trás dentro da viatura | Foto: Arquivo Pessoal

    José Guilherme da Silva, de 20 anos, foi morto no dia 14 de setembro de 2013 com um tiro na cabeça, enquanto estava algemado com as mãos para trás e dentro de uma viatura da Polícia Militar que seguia para a delegacia de Limeira, no interior de SP. O jovem era suspeito de ter participado de um roubo seguido de morte. Durante três anos e oito meses, o caso era investigado como homicídio doloso (com intenção de matar) supostamente praticado pelos PMs que detiveram Silva.

    Os três policiais envolvidos sempre disseram que o jovem se matou. E, agora, o MP (Ministério Público) se posiciona a favor da versão dos policiais. O promotor de Justiça de Jonas Maniezo Moyses sugeriu à Justiça, no dia 25 de abril deste ano, que o caso seja investigado como homicídio culposo (quando não há intenção de matar) porque “não vislumbrou” a “ocorrência de crime doloso contra a vida nos fatos apurados no inquérito policial”. A Justiça ainda não acatou à sugestão.

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    Segundo Moyses, a partir dos depoimentos dos PMs, é possível saber que “José Guilherme trajava uma bermuda sob a calça, além da cueca, o que pode ter contribuído, aliado à revista realizada displicentemente, para que a arma não fosse localizada. Deste modo, a vítima continuou na posse da arma de fogo e, quando estava dentro da viatura, pode ter tentado se livrar do artefato e, mesmo algemado, conseguiu pegá-lo. Quando estava manuseando, houve o disparo”.

    Ainda de acordo com o promotor, “portanto, os elementos de prova colhidos durante o trâmite do inquérito policial não revelaram, de forma inequívoca, que houve crime doloso contra a vida e que os policiais ocupantes da viatura em que a vítima José Guilherme era transportada tenham sido seus autores”.

    A Ponte Jornalismo tentou contactar o promotor Jonas Maniezo Moyses, mas não conseguiu localizá-lo. A Justiça afirma que juízes não falam sobre suas decisões. A advogada da família de José Guilherme, Fernanda Felix, afirma respeitar a opinião do promotor, mas diz que não concorda: “A família confia na decisão da juíza que está com o caso, mas está decepcionada com a manifestação do promotor”.

    O caso

    José Guilherme foi preso em por suspeita de assalto e tentativa de latrocínio. Os policiais o pegaram em uma moto, nos arredores onde o assalto seguido de morte havia ocorrido. Antes de entrar na viatura, foi revistado na frente de dezenas de pessoas, incluindo seus familiares. Depois, segundo as testemunhas, ele entrou desarmado e algemado no carro da Força Tática.

    Os policiais que o transportavam disseram que, mesmo com as mãos presas atrás do corpo, o jovem se matou. Os familiares contestaram a versão oficial e disseram que José Guilherme foi executado com um tiro na cabeça.

    O primeiro laudo dos peritos pouco acrescentou para elucidar o crime. O técnico do Instituto de Criminalística de Limeira preferiu se concentrar na descrição do modelo da algema, que seria mais flexível e até permitiria que ladrões hábeis atirassem em si próprios. Ele também calculou a distância do disparo em cerca de 50 centímetros, que corresponderia mais ou menos à distância de alguém que atira na cabeça com as mãos algemadas para trás.

    “O disparo não foi efetuado a curta distância ou foi efetuado com algum tipo de anteparo entre a arma e a vítima”, afirma novo laudo.

    Um novo laudo foi pedido pelo Instituto de Criminalística. Esse outro laudo apontou que “além do quadro inidôneo que se manifesta no local (…) encontrava-se despreservado por se tratar da hipótese de suspeição que recai sobre os policiais militares. A vítima encontrava-se removida da viatura a pretexto de ação de socorro, despida e sem algemas e a arma relacionada com a ocorrrência encontrava-se no banco de passageiros. A viatura encontrava-se deslocada do local imediato do disparo. A conformação das manchas de sangue examinadas na viatura podem ter sido modificadas em razão da ação de socorro ou por qualquer outra que a descaracterize. As algemas foram disponibilizadas pelo próprio policial militar que a portava.”

    Em relação à distância do disparo, o novo laudo necroscópico que corrige o primeiro afirma: “o ferimento da entrada do projétil na cabeça da vítima encontrado não apresentava os sinais secundários indicando que o disparo não foi efetuado a curta distância ou que foi efetuado com algum tipo de anteparo entre a arma e a vítima.”

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