Promotoria pede condenação de Galo por incêndio no Borba Gato

MP entendeu que militante, ativista Danilo Oliveira e motorista Thiago Zem não se uniram para prática de crimes, mas que Paulo Galo deve responder pela ação ao monumento, em 2021; “criminalização de movimento social”, diz defesa

Incêndio a estátua Borba Gato na zona sul de São Paulo em 24/07/2021 | Foto: Reprodução Instagram Revolução Periférica

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) pediu, neste domingo (18/9), que o ativista e entregador Paulo Roberto da Silva Lima, o Galo, seja condenado pelo incêndio à estátua do Borba Gato, crime cuja pena varia de prisão de três a seis anos e multa. Em julho do ano passado, um grupo de cerca de 15 pessoas ateou fogo na estátua do bandeirante, localizada na Praça Augusto Tortorelo de Araújo, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.

A promotora Mariana de Oliveira Santos voltou atrás e entendeu que Galo, o ativista Danilo Oliveira, o Biu, que participou do incêndio e da panfletagem, e o motorista de caminhão Thiago Zem, que levou os pneus até o local onde o monumento foi queimado, não se uniram com o objetivo de praticar crime, o que seria configurado como associação criminosa, nem cooptaram um adolescente de 17 anos, que ajudou o motorista no transporte, porque não sabiam que ele era menor de idade.

Biu declarou que, mesmo tendo participado, não teve atuação na parte de decisões do protesto nem sabia que o objetivo era queimar os pneus com galão de gasolina, já que o crime de associação criminosa prevê divisão de tarefas bem definidas com um único objetivo. Anteriormente chamado de “formação de quadrilha“, o crime de associação criminosa já foi usado para criminalizar protestos ocorridos na greve geral de 2019 e na tentativa de enquadrar os “18 do CCSP”.

O MPSP também argumentou que não ficou comprovado que Galo e Biu praticaram o crime de adulteração de veículo pois Zem declarou que só decidiu cobrir a placa do caminhão ao ver o que estava acontecendo, pois teria ficado “nervoso” e com medo de ser associado ao que os demais estavam fazendo, o que seria considerado como uma forma legítima de se defender.

“(…) Aparentemente tudo não passou de um chamado através de redes sociais para uma manifestação para chamar atenção da população e das autoridades sobre o que estaria por trás do monumento do Borba Gato, a história sobre esta figura”, escreveu Santos. “Evidentemente que não se pode aceitar que seja ateado fogo a pneus na estátua e na via pública para chamar a atenção à causa”.

https://ponte.org/fogo-no-borba-gato-e-uma-resposta-da-sociedade-a-uma-indignacao-coletiva-diz-erica-malunguinho/

Apesar de pedir que todos sejam absolvidos pelos crimes de associação criminosa, adulteração de veículo e corrupção de menores, a Promotoria pediu a condenação de Galo pelo crime de incêndio. “Evidentemente que não se discute aqui se a intenção era ou não que o fogo atingisse o posto de gasolina que havia no local, mas restou mais do que comprovado que o réu Paulo causou (deliberadamente) incêndio nos pneus, na estátua do Borba Gato, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem!”, argumentou.

“Não é ateando fogo a monumentos, em locais habitados, com grande fluxo de pessoas, onde existe até um posto de gasolina (que dispensa maiores comentários), que se discute a história, ou que se chama a atenção a uma causa, a um personagem que tanto mal causou à população brasileira no passado. Existem outros meios para que essa discussão seja levada a efeito e atinja a população e as autoridades públicas.”

A defesa do ativista disse à Ponte que recebeu a notícia com “parcial alegria”, mas considerou a manifestação do Ministério Público como um “contrassenso”. “Ficou evidente que não houve o que estava descrito na acusação inicial e o que foi descrito pela polícia”, afirma Jacob Filho, um dos advogados de Galo.

https://ponte.org/artigo-o-incendio-nao-comecou-e-nao-terminara-na-estatua-do-borba-gato/

“Mas ainda falta um olhar mais cuidadoso com essas questões históricas de criminalização de movimentos sociais. Veja que a acusação discorre e, além de pedir a absolvição de vários crimes, ainda pede a condenação de Paulo Galo pelo crime de incêndio, o que nos parece um contrassenso porque os demais ainda estavam lá. Embora se esteja fazendo justiça com uns, há injustiça com outros. Portanto, a defesa não deixará de lutar por todos. A absolvição cabe para todos”, declarou.

Os advogados dos acusados ainda precisam se manifestar no processo para depois o Tribunal de Justiça decidir se acolhe ou não os pedidos do Ministério Público.

Relembre o caso

A ação foi feita por um grupo intitulado Revolução Periférica. Os membros compartilharam imagens do ato simbólico em redes sociais e colaram lambe-lambes em postes da capital com a pergunta “Você sabe quem foi Borba Gato?”.

Inaugurada em 1963, a estátua do escultor Julio Guerra (1912-2001) é alvo de críticas por ser uma homenagem a um bandeirante paulista que matou e escravizou negros e indígenas entre os séculos 16 e 17, segundo estudos como o do livro Vida e Morte do Bandeirante (1929), de Alcântara Machado, que também narra estupros e tráfico de mulheres indígenas realizados pelos paulistas.

Líder do Revolução Periférica e dos Entregadores Antifascistas, Paulo Galo responde o processo em liberdade desde agosto do ano passado, após ter ficado 10 dias preso e recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele havia se apresentado voluntariamente na delegacia. Na época, a juíza do caso, Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo, fez uma manobra ao ter decretado a prisão preventiva (por tempo indeterminado) horas após o tribunal ter determinado a liberdade do ativista.

https://ponte.org/prisoes-temporarias-como-a-de-galo-e-gessica-funcionam-como-tortura-diz-pesquisadora/

Antes dos três serem formalmente acusados, a companheira de Galo, Gessica de Paula Silva, ficou dois dias detidas porque a Polícia Civil achou que ela tinha participado da ação, o que não se comprovou depois. Segundo a polícia, um número de telefone que está no nome dela foi utilizado para contratar frete para o grupo que realizou a ação. A decisão de 30 de julho de 2021 constatou que ela estava dentro de casa no dia do ato, após o rastreamento do aparelho telefônico.

A professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, doutoranda em sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e colunista da Ponte, Aline Passos, explicou na época que as prisões temporárias são uma forma de tortura psicológica ou física e ainda um “atestado de incompetência investigativa”.

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Ao site Alma Preta, na semana em que foi solto, Paulo Galo declarou que a ação foi uma forma de protesto para gerar debate sobre a figura de colonizadores que provocaram violência e matança aos povos originários no Brasil. “O objetivo principal foi atingido, que era abrir o debate sobre os monumentos que homenageiam racistas. Aí, tem gente que fala ‘tinha que fazer de forma democrática’. Mas quando você ouviu dizer na Globo que tem uma estátua de 13m que homenageia um torturador, estuprador, senhor de escravos? Não se vê. A gente conseguiu fazer esse debate ir para todos os lugares”, criticou.

Gerar a atenção deu certo, já que ele lembrou na entrevista que o monumento já havia sido pintada com tinta. “A intenção nunca foi machucar ninguém ou sair botando fogo em outras estátuas. A ideia era abrir um debate através do que aconteceu e questionar: é esse o Brasil que nós queremos construir, homenageando torturador e genocida?”, prosseguiu.

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