Protesto cobra justiça para MC Neguinho JM, morto pela PM

Emocionados e entoando músicas do funkeiro, familiares, amigos e ativistas marcharam no Campo Limpo, periferia da zona sul da capital, e comemoram 1 milhão de visualizações de clipe do jovem, baleado por PMs após abordagem há uma semana

Em ato, ativistas, familiares e amigos de MC Neguinho JM cobraram por justiça pela morte do jovem neste sábado (9/7) | Foto: Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio

“Eu estava sentindo uma mistura de sentimentos: felicidade porque ele alcançou o sonho dele, mesmo que depois de morto, e tristeza porque ele não estava com a gente”. O desabafo é de Bianca Meireles, 24 anos, irmã mais velha de David Meireles Miranda, conhecido como MC Neguinho JM, morto há uma semana, aos 19 anos.

A música de maior sucesso do funkeiro se chama “Um Piloto e Um Garupa”, gravada em parceria com o MC Luuky. E foi pilotando uma moto com um amigo na garupa que o jovem morreu em 2 de julho, no Jardim Maria Sampaio, região do Campo Limpo, zona sul da cidade de São Paulo, após ser atingido por tiros disparados por policiais militares. O funk, escrito por David, alcançou a marca de 1 milhão de visualizações no YouTube nesta semana e família decidiu homenageá-lo pela marca que atingiu. “Era algo que ele queria muito, por isso a gente tinha que comemorar”, afirma Bianca.

Da direita para a esquerda, Marcos, amigo do MC, Bianca Meireles ao lado da mãe e MC Lukky, que dividiu os vocais na música “Um Piloto e Um Garupa” | Foto: arquivo pessoal

Após a missa de sétimo dia, ocorrida neste sábado (9/7), familiares, amigos e ativistas caminharam pelas ruas do Campo Limpo entoando as letras do jovem. Saíram da Rua Koto Mitsutani e caminharam até a Rua Catanhede, onde ele trabalhou em uma adega por cerca de dois anos. O ato foi convocado pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio a fim de cobrar respostas e justiça pela morte do MC.

“A gente estava em mais ou menos 100 pessoas e foi muito emocionante”, afirma a articuladora da Rede e psicóloga Marisa Fefferman. Segundo ela, teriam ido mais jovens se não fosse o medo da violência. “Muitas mães com lágrimas nos olhos com medo pelos filhos. Eu recebi relatos de meninos de que a polícia está indo com mais frequência numa favela que tem próximo dali, fazendo abordagens, agredindo”, denuncia. “Também soubemos que a polícia ficou parada no fim da rua [da adega] observando depois da homenagem.”

Na adega, parentes e amigos usavam camisetas com a foto de Neguinho JM. Encheram balões, dois deles indicando “1 M”, em referência a um milhão. “A gente se juntou e também estourou champanhe porque era algo que ele queria fazer quando batesse a marca”, lembra Bianca. “Todo mundo ali só mostrou o amor que tinha por ele, que ele era uma pessoa de luz.”

Relembre o caso

De acordo com a família de David, o jovem teria ido para a zona leste da cidade na noite da sexta-feira (1º/7) onde iniciaria a gravação de um clipe. Durante a madrugada voltou para o bairro onde morava, onde ficou bebendo com amigos dentro da adega onde havia trabalhado. Ainda segundo familiares, pela manhã, Neguinho JM e outro rapaz, depois identificado como Jeferson Fernando da Silva Souza, passaram em frente a uma base da Polícia Militar sem capacetes e por isso começaram a ser seguidos pelos PMs.

Uma câmera de segurança registrou o momento que David passa em alta velocidade e a polícia atira. Um disparo atinge uma parede ao lado direito onde uma mulher sai do carro e por pouco não é atingida. As imagens mostram, ainda, Jefferson, que estava na garupa, caindo do veículo enquanto 11 policiais perseguem a pé a dupla.

Segundo o boletim de ocorrência registrado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, a perícia encontrou 14 projéteis de .40 (arma de uso exclusivo da polícia), enquanto o revólver calibre 38 encontrado com Jefferson estava com cinco balas no tambor e um projétio picotado. Pelo menos quatro pessoas, além dos ocupantes da moto e policiais, aparecem nas imagens das câmeras de segurança. Mesmo assim, a Polícia Civil afirma no documento que não encontrou testemunhas diretas que pudessem depor. 

Bianca, na ocasião, disse à Ponte que estavam circulando várias versões sobre a morte do cantor que não seriam verdade. “Disseram que a moto que meu estava era roubada, o que é mentira. Era de uma rapaz da zona leste que já informou à polícia que emprestou a moto para o meu irmão e ele devolveria no outro dia, já que continuaria gravando o clipe lá. Também disseram que houve troca de tiros com a PM. O rapaz que estava com o meu irmão estava com uma arma na cintura, mas com todas balas ainda, sem que nenhuma tivesse sido disparada”, relatou.

À reportagem, especialistas que analisaram as imagens e o boletim de ocorrência elencaram uma sequência de questões que devem ser esclarecidas pelas autoridades. A pesquisadora Desiree de Lemos Azevedo, do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Caaf/Unifesp), defendeu que não há como os policiais alegarem que agiram em legítima defesa, pois as imagens mostram que eles atuaram em grupo e efetuaram os disparos com o objetivo de acertar a dupla que estava na moto.

“O que a gente vê são dois jovens que estão fugindo dos policiais que atiram com a intenção de matar, e conseguem matar um deles, colocando em risco a vida de diversas pessoas que estão ali no entorno. Me parece difícil chamar isso de uma ação atrapalhada, porque é uma ação consciente que tem como pano de fundo uma desvalorização geral da vida”, analisou a pesquisadora a pedido da Ponte.

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A versão dada pelos PMs aos investigadores é que David e Jeferson, ao passarem por uma base da Polícia Militar na Avenida Augusto Barbosa Tavares, sem capacete e com uma moto de grande porte, teriam apontado uma arma para os policiais. Nisso, teria se iniciado uma perseguição, mas a dupla teria conseguido fugir e os policiais os perderam de vista. Ainda segundo o relato dos policiais, os dois teriam passado mais uma vez pelo local e novamente teriam ameaçado os policiais com o revólver. Os homens que estavam na base saíram correndo atrás de David e Jeferson e efetuaram os disparos.

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