Rap e luto: mães compartilham histórias de violência do Estado em SP

    Apresentações de hip hop se misturam com depoimento de mães que perderam os filhos, em evento das Mães em Luto da Zona Leste e do Fórum de Hip Hop MSP

    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Rap, lágrimas e histórias de mães que perderam os filhos vítimas da polícia de São Paulo tomaram o palco do teatro do CEU (Centro Educacional Unificado) Rosa da China, no bairro Jardim São Roberto, região de Sapopemba, na periferia da zona leste da cidade de São Paulo, na tarde deste sábado (18/8).

    Sobre a roda de conversa formada por mais de 30 pessoas, duas faixas mostravam rosto, nome e idade de 20 vítimas da letalidade da ação policial na zona leste paulistana, acompanhados de um pedido: “Queremos justiça”.

    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    O cenário ainda contava com seis fotos de mães que perderam o filho. Tiradas pelo repórter fotográfico da Ponte Sérgio Silva, as fotografias faziam parte da peça teatral “Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos”, que teve parte apresentada no evento.

    Chamada de “Escuta – A Voz das Mães contra o Genocídio”, a roda de conversa foi organizada pelo Fórum de Hip Hop MSP, em parceria com o movimento Mães em Luto da Zona Leste.

    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    “Nossa luta é contra um monstro muito forte, mas as mães estão unidas para impedir que tantos outros sejam mortos”, conta Solange de Oliveira, uma das lideranças das Mães da Leste. Sol, como é conhecida, destaca ainda que o evento “é muito importante para as mães receberem apoio das pessoas que se solidarizam com a causa”.

    Ela perdeu o filho Victor Antônio Brabo, 20 anos, em março de 2015, vítima de três tiros de um policial civil que fazia bico de segurança, em frente a um banco Itaú no bairro de Perdizes, zona oeste paulistana.

    Solange de Oliveira no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Victor havia tentado roubar clientes que saíam do banco, mas Solange afirma que o filho não atirou e foi morto enquanto fugia. O caso foi investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e pela Corregedoria da Polícia Civil, que afirmam não ter encontrado irregularidades na conduta do policial.

    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Depois da apresentação de todos presentes no local, o rapper Pirata, intermediador, mesclou apresentações musicais e compartilhamentos de histórias das mães. No comando da batida, estava Pec Jay DJ, enquanto os MCs Gile e Wellington Sonora mandavam as letras de rap.

    Gile no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Entre as músicas, a primeira mãe a ir para o centro da roda e contar a história foi Maria José Paula Alves. Depois de falar que seu filho, Abner, morreu injustamente, em fevereiro do ano passado, vítima de tiros da Polícia Militar enquanto estava dentro de seu próprio carro, ela não conteve a emoção.

    Paula, mãe de Abner, no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    A PM afirma que Abner participou de um roubo, mas a mãe diz que é mentira. “Não tem um dia, uma hora, que não estou pensando no meu filho. Já provei tudo que ele era inocente, e continuam o tratando como um bandido”, disse Paula. “Eu já pensei em tirar a minha própria vida”, concluiu, se levantando aos prantos, sem conseguir concluir o que ainda queria dizer.

    Várias dúvidas

    “Por que o senhor atirou em mim?” Essa foi uma das últimas palavras do adolescente Douglas Rodrigues, 17 anos, logo depois de ser baleado por um PM em outubro de 2013. A mãe dele, Rossana Souza, também esteve no evento.

    Rossana, mãe de Douglas, no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    O PM que matou o estudante foi absolvido e a Justiça acredita que o disparo foi acidental, por causa de uma falha da fabricante da arma. “A segunda morte do Dodo foi quando absolveram o policial. Agora, minha luta é provar que quem matou meu filho foi o policial e não uma falha na arma”, conta Rossana.

    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Sem acreditar na falha, Rossana segue com a mesma dúvida que Douglas expressou antes de morrer. “Sei que mataram meu filho por que não aceitam quem anda com as roupas que ele usava, características da periferia”.

    Maria Aparecida Alves Marttos, do grupo Mães Mogianas, também quer saber por que o filho dela, Diego Rodrigo Marttos, foi assassinado em 1º de janeiro de 2015. Dois policiais militares de Mogi das Cruzes (Grande SP) estão presos suspeitos de terem participado da morte dele e mais 20 pessoas na cidade em um período de menos de um ano.

    Maria Aparecida, mãe de Diego, no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    “A gente quer saber o porquê mataram nossos filhos. Essa é a nossa luta de todos os dias e é a única coisa que ainda me dá ânimo”, diz Cida, como é conhecida.

    A outra dúvida persiste há mais tempo. Desde 16 de maio de 2006, Maria Gomes procura por Paulo Alexandre, 23 anos. “Eu só quero saber o que aconteceu com meu filho. Enquanto não sabemos, lutamos para impedir que outros filhos morram”, conta.

    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Paulo é um dos desaparecidos dos ataques de maio de 2006 e Maria integra o movimento Mães de Maio. De acordo com testemunhas, na última vez que foi visto, ele estava sendo abordado por policiais militares na região de Itaquera, zona leste.

    Todas essas questões, Rossana afirma acreditar que ainda serão respondidas. “Eu não sei a data, nem se vamos estar aqui vendo, mas sei que com a nossa força o Estado vai mudar e nós vamos vencer.”

    Atores da peça “Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos” em evento na zona leste de SP | Foto: Sérgio Silva/Ponte
    Rapper Pirata no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte
    Evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte
    Wellington Sonora no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte
    Pec Jay DJ no evento “Escuta – A Voz das Mães Contra o Genocídio”, do Fórum Hip Hop MSP e das Mães da Leste | Foto: Sérgio Silva/Ponte

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