Edson de Andrade Fernandes Mendonça, 28 anos, está preso há mais de um mês; família e defesa de administrador contestam maneira como polícia chegou até ele e garantem: ‘É inocente!’
Edson de Andrade Fernandes Mendonça, 28 anos, está preso há 34 dias sob suspeita de participar de um roubo com restrição de liberdade de vítimas na Vila Andrade, região sul de São Paulo, na madrugada de 2 de março. Edson foi reconhecido pelas vítimas quatro meses depois do crime (7/7). Formado em administração, ele fazia bicos de lavador de carros para se sustentar atualmente.
O primeiro reconhecimento contra Edson se deu por meio de uma foto dele no Facebook, obtida pela Polícia Civil. Somente em 16 de agosto, quando Edson e outros cinco suspeitos foram presos, é que o grupo foi submetido a um reconhecimento pessoal, no 37º DP (Campo Limpo). Já haviam se passado cinco meses desde o crime.
A família nega a participação de Edson no crime. O motorista Edson Fernandes Mendonça, 48 anos, pai de Edson, garante que estava com o filho, em casa, na noite de 2 de março. “Comemos e ficamos conversando até tarde da noite, depois eu fui pro meu quarto. Ele e a namorada ficaram em casa assistindo televisão.”
De acordo com o motorista, ao acordar, por volta das 2h da manhã, ele viu o casal ainda assistindo televisão. “Acordei mais ou menos umas 2h da manhã. Porque minha esposa não estava se sentindo bem e fui pegar um remédio. Eles estavam ainda aqui assistindo TV. Ficaram até tarde e acordei pra ir trabalhar às 5h da manhã e ele estava dormindo. O crime aconteceu entre 3h e 5h da manhã. Às 5h da manhã, meu filho estava dentro de casa nesses dois horários”, diz Edson.
Atualmente, Edson está preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) 2 de Osasco (Grande São Paulo). Nesse meio tempo, a família dele faz de tudo para tentar provar sua inocência. “A gente está tentando fazer o trabalho investigativo, de achar provas, buscar fotos, quem tem conversa [por aplicativos de mensagens] com ele no horário. Está todo mundo triste, mas está todo mundo lutando.”
De acordo com um dos documentos do crime investigado com a participação de Edson, assinado pelo delegado Mateus Cintra Andrade, do 89º DP (Jardim Taboão), as duas vítimas relataram terem sido abordas por dois criminosos quando estavam em um carro parado na rua Celso Ramos, na zona sul de São Paulo. O casal foi obrigado a ficar de cabeça baixa e com os olhos fechados, segundo narrou à Polícia Civil. Uma das vítimas foi colocada no banco do passageiro da frente. A outra, no banco traseiro. Na sequência, com um dos criminosos ao volante, o casal foi levado para o Parque Arariba, também na zona sul paulistana.
Em seguida, as vítimas foram colocadas em um segundo veículo e levadas para outro destino, dentro de uma favela. Ali, sob a mira de armas e ameaças, foram obrigadas a passarem seus cartões e senhas.
Uma das vítimas relatou no documento policial que o motorista do carro seria pardo, com aproximadamente 25 anos, magro e alto. Já o segundo criminoso também seria pardo, com cabelos ralos, com idade entre 28 e 30 anos, forte e ele vestia camiseta e calça jeans. Ainda segundo o depoimento de uma das duas vítimas, ele entenderia muito de informática.
De acordo com as vítimas, um terceiro homem (alto, branco, com cabelos médios ondulados e de olhos pretos) foi quem dirigiu o segundo veículo. Depois de sacarem dinheiro e fazer transferências bancárias com os cartões das duas vítimas, os criminosos as deixaram perto de uma favela da avenida João Dias, por volta das 5h da manhã.
De acordo com denúncia do promotor Cláudio Cavallini à Justiça, estima-se que cerca de R$ 69 mil foram roubados das duas vítimas. Além das movimentações bancárias, os ladrões também fizeram uma compra, por meio de um dos cartões das vítimas, no aplicativo IFood, no valor de R$ 376,29. A entrega tinha como destino a rua Catarina Guimarães, no Jardim Olinda.
Quando a investigação sobre o crime começou, as duas vítimas reconheceram Edson e outros dois suspeitos por meio de fotos apresentadas pela Polícia Civil. Segundo relatório final do inquérito policial, assinado pelo delegado Rafael Milan Fernandes, as fotografias foram encontradas “efetuando pesquisas junto aos sistemas policiais e de fontes abertas”, com isso “lograram identificar o perfil da rede social Facebook de um dos acusados e, a partir de seus contatos e fotografias compartilhadas, apuraram que outros dois teriam integrado a quadrilha, pois são seus amigos na rede social e residem próximos uns dos outros, entre eles está Edson”.
Os policiais civis também informam no inquérito que, pesquisando um dos denunciados, identificado a partir de extrato bancário fornecido pelas vítimas, descobriram que ele morava na rua Catarina Guimarães, em frente ao endereço de entrega feito pelo IFood.
Com essa informação, os investigadores conseguiram junto ao IFood o registro de CPFs que teriam pedido encomendas para a rua Catarina Guimarães e chegaram até um rapaz que já teria feito pedidos para serem entregues naquele mesmo endereço.
Com CPFs e endereço, os policiais descobriram a identidade um rapaz que já havia sido preso por roubo com restrição da liberdade de vítimas. Ele é irmão de um dos suspeitos presos com Edson. Esses irmãos possuem uma sociedade em uma adega de bairro, também rua Catarina Guimarães — o mesmo endereço residencial dos irmãos e também da entrega dos produtos comprados pelo IFood.
Com base nesses detalhes, a Justiça decretou a prisão temporária dos cinco suspeitos. Com quatro deles foram encontradas máquinas de caça-níqueis e cartões e crédito. Com Edson nada foi encontrado.
A Polícia Civil sustenta que se trata de uma associação criminosa, dividida em dois grupos: um de executores, responsáveis pelo arrebatamento das vítimas e restrição da liberdade delas, reconhecidos fotograficamente pelas vítimas, e um grupo de receptadores, os que teriam recebido valores em suas contas, provenientes das transações bancárias feitas após o fornecimento das senhas e contas durante tempo que em que as vítimas estiveram na companhia dos supostos criminosos.
Edson teria sido reconhecido, segundo a investigação, como o homem que dirigia o carro até o cativeiro onde as vítimas foram mantidas. Com isso, a Polícia Civil solicitou a prisão temporária dos cinco suspeitos. As prisões foram determinadas pelo juiz Fabio Pando de Matos. Passados os 30 dias permitidos para a manutenção da prisão temporária, o delegado solicitou a conversão da temporária em preventiva. Isso aconteceu em 14 de setembro.
Família e defesa criticam reconhecimento e falta de provas
Nos documentos obtidos pela Ponte, a defesa de Edson afirma que, apesar de recolhido, não houve perícia no celular de Edson, assim como não foi autorizada judicialmente a quebra do sigilo dos dados de usuários de redes sociais. Também não foram periciados outros aplicativos para que pudesse se descobrir o local em que estava o aparelho no momento do crime. A quebra dos sigilos fiscal, bancário e telecomunicações (WhatsApp, por exemplo), a fim de apurar todos os meios investigatórios que comprovem a autoria ou não de Edson no crime, ainda não aconteceram.
Ainda segundo a defesa, Edson não possui relação de amizade com nenhum dos quatro outros investigados. Nos documentos do caso, apenas um dos suspeitos diz conhecer Edson da época de escola. Os outros três dizem não o conhecer. “O simples fato de ainda constar como ‘amigo’ na rede social Facebook, é costumeiro, fato este, que levou a Vossa Autoridade Policial suspeitar do ora investigado”, escreveu a defesa de Edson à Justiça.
Para a defesa de Edson, existe a possibilidade da vítima incorrer em “falsa memória”, isso por conta da distância entre a data do crime e a data do reconhecimento fotográfico, feito em julho de 2022, e o presencial, já em agosto de 2022.
O fato de Edson ser réu primário e trabalhador afasta qualquer necessidade de prisão, diz a defesa, nos documentos à Justiça. “A prisão cautelar reveste-se de caráter de excepcionalidade, pois somente deverá ser mantida quando ficarem demonstrados o risco às investigações e a certeza da autoria, o que não ocorre no presente caso.”
Outro ponto destacado no pedido de liberdade provisória é a ilegalidade dos reconhecimentos, que não respeitam o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP). “Além de não haver a presença de qualquer testemunha, mas tão somente a presença da equipe policial, os cinco acusados que foram submetidos ao procedimento possuíam características totalmente diversas uns dos outros, impossibilitando a vítima, que já havia sido sugestionada com as fotos de Edson, de exercer sua livre convicção em não o reconhecer.”
Diante disso, o advogado sugere que seja feita a perícia do automóvel da vítima, que supostamente teria sido conduzido por Edson. Isso traria as digitais do verdadeiro responsável pelo crime, além das quebras de sigilo telemático e financeiro
Para a advogada Jaqueline Aparecida Silva Alves Correa, que analisou o caso a pedido da reportagem, os reconhecimentos não deveriam ser utilizados como únicas provas num processo. “Em 2021, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] também se pronunciou no sentido de que o reconhecimento facial não é uma evidência segura para a prova do delito. É necessário e urgente entender que o reconhecimento pessoal não pode ser usado como uma prova segura para uma eventual condenação”, diz. “Não havendo o respeito aos procedimentos exigidos pela lei processual penal, o ato seria nulo, ele não poderia sequer ser considerado.”
As possíveis lacunas sobre a prisão do seu filho expõe, na visão do motorista Edson, problemas graves no sistema de justiça criminal brasileiro. “Primeiro se prende, se acusa, se acaba com a vida da pessoa, destrói toda a imagem que você construiu. Eu levei 28 anos para formar um filho estudante, trabalhador, alguém com decência, que nunca passou por uma cadeia, que nunca foi numa delegacia e a justiça brasileira, a polícia e todo o sistema acabou com tudo isso. Em 30 dias prenderam meu filho, ele está lá e não sabe porque.”
Outro lado
A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP), o delegado Rafael Milan Fernandes e o promotor Cláudio Cavallini sobre a prisão de Edson, mas ninguém se manifestou. Nenhuma das questões feitas pela reportagem foi respondida até o momento.
A Ponte também questionou o Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a hipótese de o reconhecimento de Edson ter feito em desconformidade com a lei. O órgão informou que “o processo em questão tramita em segredo de justiça, de modo que não temos como transmitir ou confirmar qualquer informação.”
O Tribunal de Justiça afirmou também que “não emite nota sobre questões jurisdicionais”.
“Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Além disso, esclarecemos que os magistrados não podem se manifestar sobre processos em andamento, pois são impedidos pela Lei Orgânica da Magistratura.”